Emblemática banda da Jovem Guarda carioca, ao lado de Fevers e Renato e Seus Blue Caps, Os Canibais é uma das mais populares bandas de baile do Rio de Janeiro. Formada por Aramis de Barros e Fernando nas guitarras, Elydio no baixo, Horácio nos vocais, Roosevelt no órgão e Max Pierre na bateria, seu repertório trazia uma vasta coleção de versões de sucessos internacionais. Em 2005 Os Canibais lançaram “Vintage – A Máquina do Tempo” e agora Aramis (guitarra e voz), Roosevelt (piano, órgão e vocais), Mauro Machado Jr. (guitarra, violão e vocais), Michel Barros (baixo e vocais), Cosme de Abreu (bateria) e Roberto Lopes (teclado e vocais) finalizam um novo CD para breve lançamento. Em entrevista exclusiva a Elias Nogueira, Aramis conta as novidades e relembra detalhes da carreira.
Vamos começar pelo disco novo. Fale o que tem de novidade e se tem regravações.
Tem sim, várias! Nós sempre tivemos vontade de rever a gravação daquela demo de “Hoje Ainda é Dia de Rock” que fizemos para a antiga Polydor nos anos 70. Esta nossa versão do sucesso do Sá, Rodrix & Guarabyra ficou inédita desde então. Por conta disso chegamos até a ser bastante cobrados para regravar ou lançar a demo. Optamos por atualizar a nossa interpretação sem, no entanto, perder a essência do conteúdo original. Deu muito certo como comprova a benção que recebemos dos seus criadores Sá e Guarabyra no nosso site. Mais duas regravações de sucessos que já interpretamos ao vivo nos foram sugeridas pelos nossos fãs – “Você Me Acende” (You Turn Me On), do Erasmo Carlos, e Erva Venenosa (Poison Ivy), dos Golden Boys, Herva Doce, Rita Lee etc. Em “Você Me Acende”, nós resgatamos a mesma levada de uma música que está no nosso primeiro LP de 1966 – “Descubram Onde o Meu Bem Está (I Wonder Where My Baby is Tonight)”, dos Kinks, que é a mesma onda da original “You Turn Me On”, que teve seu auge em “Memphis Tennesse”, do Chuck Berry, nas versões do The Animals e Johnny Rivers nos anos 60. Em “Erva Venenosa” partimos do arranjo de base do sucesso do Herva Doce (ex-Bubbles, ex-Bolha) nos anos 80, e acrescentamos o toque de vocais sugerindo a gravação dos Golden Boys. É algo realmente novo e assustador, porque criamos um ambiente mágico e fantasmagórico, cujo personagem principal acaba em purpurina no final. Ouçam! Já “A Primeira Lágrima”, sucesso original do Renato e Seus Blue Caps, é uma música que eu particularmente sempre quis interpretar, por ser fã incondicional da banda. Considero essa música marcante nos anos da Jovem Guarda.
Caprichamos no arranjo, com cordas a la George Martin na volta do primeiro verso, incrementamos os vocais ao estilo dos Beach Boys, atualizamos e modernizamos a estrutura original da composição para uma linguagem mais próxima da compreensão desta geração. Renovamos a moldura, mas o conteúdo sempre foi muito atual. Mostrei para o Renato Barros, que me agradeceu a sincera homenagem e aprovou a nossa versão. Estou devendo um MP3 que fiquei de enviar para ele. Também regravamos “Jovem Guarda” do Leno, uma música que ele me mostrou há cerca de uns 15 anos atrás, mas que só lançou agora neste seu recente disco “Idade Mídia”. Esta gravação estava nos nossos planos há anos, mas só agora criamos as condições necessárias para isso. Vou mixar esta música na próxima semana. Espero que ele também aprove.
Há inéditas?
Bem, este é um capítulo muito especial, porque hoje envolve certa estratégia de resgate de sonoridades e idéias, renovação da linguagem poética e ao mesmo tempo a nossa intenção de nos comunicarmos com a nova geração também, além dos nossos contemporâneos que sempre nos incentivaram. Como você sabe, nós tivemos o “LP Bango”, um trabalho nosso de 1970, relançado recentemente pelo selo alemão Shadoks Music e que acabou se tornando cult por conta de várias matérias classificando-o como rock-psicodélico e raridade do rock brasileiro. Na ocasião da criação deste trabalho, eu estava muito engajado com as coisas do meu tempo e pude dar partida a uma nova cara para a banda ousando mais nas composições. Porém, devido aos problemas que tivemos que enfrentar na época com a nossa gravadora, a divulgação deste trabalho parou e acabamos não dando prosseguimento à criação de músicas inéditas daquela forma que nós estávamos nos propondo e paramos literalmente de compor, só voltando a fazer nova tentativa em 74, num último compacto.
Pois bem, agora nós estamos voltando a sonhar e a acreditar nas nossas criações autorais, independente do que isso possa resultar comercialmente. Assim sendo, tive a felicidade de compor “Flores Partidas”, que é uma celebração da vida e de novas esperanças. Resumindo: trechos do texto desta canção, as nossas marcas no espelho vieram pra ficar e o que passou, passou: Num espelho sob a luz/ as marcas que vieram pra ficar/ Imagens de avatar são desejos demais/ imagens que não voltam nunca mais… As coisas que estão acontecendo agora serão somente memórias amanhã e uma nova vida se renova a cada dia: Cada dia que se vai/ será memória a cada amanhecer/ a luz do sol virá outra vez/ e outra vez, um novo dia logo nascerá… Esta canção já está sendo muito bem aceita em sites de relacionamento pela Internet como o Orkut, Gazzag e My Space, e através das muitas mensagens que estão sendo postadas diretamente no nosso site. Apenas como referência, procuramos ser coerentes com o nosso tempo adaptando os arranjos ao estilo do The Traveling Wilburys, banda formada nos anos 80 por George Harrison, Roy Orbison, Bob Dylan, Tom Petty, Jeff Lynne e Jim Keltner. Na mesma onda criamos também “Amigos do Peito”, que é uma composição minha antiga e que só agora eu e o Mauro fizemos uma letra definitiva, para homenagear todos os nossos amigos e celebrar esta união que nos mantém próximos há tanto tempo na banda. Não só os que estão atualmente na ativa, como também os demais como o meu irmão Elydio, Max, Wagner, Horácio, Sergio e Fernando.
Acabou se tornando um hino no Orkut. Das dedicatórias de amizade e aniversariantes por conta de um vídeo que está no Youtube, criado pela Claudia Patrícia que nos assessora em nosso site e promoções na Internet. Outra inédita feita objetivamente para a nova geração é “Tão Perfeito, Tão Real”. É um pouco da nossa trajetória desde que optamos por abraçar a carreira musical na nossa juventude: Se alguém me visse agora/ depois de tanto tempo/ largo tudo mas os meus sonhos jamais…/ e ainda quero mais. Acho que exprime bem este momento de volta, de manter acesa uma chama.
Estamos dando uma dica de perseverança: Se você não sai agora/ ou qualquer dia desses/ perde o bonde e o tempo não volta atrás…/ Eu sonho sempre mais… Adotamos nos arranjos diversas citações de Beatles e Mutantes a Eric Clapton para reforçar a idéia de liberdade de imaginação e opção profissional, mas sem nunca se perder o chão. “Quero Você” é a minha primeira parceria com o meu filho Michel, que hoje é o baixista dos Canibais. Criamos uma aura esotérica com o uso de efeitos de instrumentos indianos tradicionais, como a tabla e a cítara para sublinhar um texto de cunho religioso que exalta a paz e a fé em Deus. A nossa vivência e admiração pelo estilo indiano dos sucessos de George Harrison, nos levaram a seguir este caminho para a concepção deste arranjo em sua homenagem.
“Se Manda, Vai à Luta, Sai Daqui”, é uma composição bem humorada minha e do Roosevelt em homenagem à Jovem Guarda. Porque não se gravam músicas inéditas da Jovem Guarda, assim como tem sido feito com o rock dos anos 80. A Jovem Guarda é precursora de tudo o que aconteceu depois no cenário do pop-rock tupiniquim. Os artistas consagrados da Jovem Guarda até hoje são grande sucesso de público onde quer que se apresentem com o seu repertório, mas o mercado de discos ficou limitado a se repetir, só lançando os seus sucessos originais ou as suas ótimas regravações dos mesmos sucessos e vetando músicas inéditas. Nós achamos muito importante e coerente e estamos propondo que se criem novas canções mantendo o mesmo clima daqueles anos, sem inventar. Porque não uma nova “Prova de Fogo”, “Gatinha Manhosa”, “Nossa Canção” ou “Quero Que vá Tudo pro Inferno”? Novas criações com a mesma estrutura de antes. Sem modernismos desnecessários, que não façam parte da própria experiência e característica destes artistas. Nesta música procuramos mixar vários elementos de composição e arranjos que marcaram os principais hits dos anos 60, com detalhes técnicos vocais e harmônicos mais recentes, inerentes ao estilo da nossa banda. Você pode reconhecer, por exemplo facilmente à levada de Taxman dos Beatles, que havia sido usada em “Quando” do Roberto Carlos e mais recentemente no tema “Yen On A Carroussel” do filme Doze Homens e um Segredo. Também é evidente a marca registrada dos solos de órgão do Lafayette que o Roosevelt tão bem relembrou, bem como os metais e solos de guitarra tradicionais de bandas como Jet Blacks, Jordans e The Pop’s, finalizado pelos efeitos de escala e overdrive de guitarra mais atual incrementados pelo Mauro.
Taí uma dica! “Tão Pouco Pra Ser Feliz” é outra canção antiga do Mauro que só agora ajudei e terminar. É uma mensagem até certo ponto saudosista da nossa juventude, mas sem qualquer tipo de preconceito. De uma época que não tínhamos qualquer tipo de preocupação maior do que ir ao cinema, à praia, estudar e sonhar. Sonhar muito! Tempos mais leve que nos permitiam sair à rua a qualquer hora, sem medo do que está depois da próxima esquina ou cruzamento. Sem medo de aids, bala perdida ou guerra do tráfico de drogas, seqüestros, assaltos em bancos… É portanto uma festa para sacudir novos e antigos, tirar o pé do chão e cantar muito: Ah, tudo que eu sempre quis/ tão pouco pra ser feliz…“Dias de Sol e Finais Felizes” Até Que Enfim Tá Chegando A Hora/ Na Minha História Não Vai Chover/ Dias De Sol E Finais Felizes/ Só Quando Eu Estou Com Você. Nesta música do Mauro procuramos relembrar uma outra antiga gravação dos Canibais: “Reencontro”, lançada no final dos anos 60 e das coisas românticas do Bango. O clima é mais acústico com violões e acordeom na onda das melhores baladas de Paul McCartney dos Beatles com leves toques de MPB. É ver para crer, ou melhor, ouvir para crer! Ainda tem “A Estrada” é uma versão bastante radiofônica e muito comercial de The Way da banda Fastball, que é muito semelhante também a nossa história de vida. Pegamos as malas pusemos o pé na estrada sem olhar pra trás e foi a melhor coisa que fizemos na vida… Tudo o mais só veio a somar: a família, os filhos, os amigos, e a carreira profissional. Apesar de ainda não termos um CD físico, as mixagens que vão sendo finalizadas, eu tenho exposto no site da banda, na Trama Virtual, Bandas de Garagem e Reverbnation. Até finalizarmos tudo e conseguirmos uma boa distribuição do CD!
No disco anterior a banda fez releituras de clássicos internacionais.
Diferentemente de hoje, durante os anos 60 e grande parte dos anos 70, o repertório das bandas de baile era principalmente de sucessos internacionais. Foram estes hits que deram (régua e compasso) aos precursores do rock nacional e tudo o mais que aconteceu daí por diante. Como estávamos comemorando cerca de 40 anos de amizade entre os componentes dos Canibais, havíamos parado em 1975, portanto não seria o aniversário da banda, nós procuramos reunir um repertório significativo para relembrar o nosso tempo. Claro que não daria para exprimir em apenas 15 faixas tudo o que tocamos em 10 anos, de 1965 a 1975, até porque teríamos que realizar uma série, com vários volumes, apenas para arranhar superficialmente uma era tão rica de tantos sucessos. Mas o “Vintage, A Máquina do Tempo”, está cumprindo o seu objetivo de dar uma idéia do que Os Canibais são capazes de realizar ao vivo! O reconhecimento a este trabalho é excelente. Apesar de não ser um CD destinado á grande execução pública, já que está fora dos parâmetros atuais das rádios de ponta. É sido bastante executado nas rádios web e está bem divulgado em todas as regiões do país. Tenho recebido muitas manifestações de apoio e elogios de Porto Alegre a Manaus! A partir deste trabalho conseguimos chegar até você, Marcelo Fróes, Cirilo Reis (Rádio Nacional e Manchete), David Rangel (Globo), William Travassos (Manchete), Sonia Monte e Ângela Cristina (Band), Haroldo de Andrade, Maurício Menezes e Luiz Campos (Rádio Tupi), Alexandre Amorim (Paradiso), Antena Um, Rádio Uol, Programa Contra Mão… Cedemos várias e importantes entrevistas contando esta trajetória toda, inclusive até para a revista italiana Misty Lane. Está tudo lá documentado no nosso site.
Como foi o retorno dos Canibais?
Nos anos 90, por força de uma grande saudade dos nossos tempos de baile, começamos a nos reencontrar musicalmente, apesar de nunca termos nos afastado pessoalmente. Realizamos nossas festas de aniversário, de filhos, amigos… enfim, qualquer desculpa era o suficiente para montarmos o equipamento. Daí começaram a aparecer propostas para tocar em diversos lugares pela cidade. Foi assim no Teatro João Caetano e Clube Bonsucesso para o programa do Roberto Canazio, então na Rádio Manchete, Na Magique, Governador Iate Club, Boate Bicão (La Playa) e Jequiá Iate Club na Ilha do Governador, Festas de final de ano para a Som Livre. Isso foi reavivando a nossa vontade de voltar a tocar profissionalmente.
Quais são os integrantes da primeira formação? Quem saiu e quem entrou?
Essa história é longa! A primeira formação de 1965: Aramis, Elydio, Max Pierre e Wagner. O power trio – Aramis, Elydio e Max – guitarra, baixo e bateria, permaneceu na banda do início ao fim. Ainda no primeiro ano, o Wagner que era o baixista original saiu e trouxemos outro amigo do Colégio Souza Aguiar, o Sergio Ferraz para a guitarra solo e o meu irmão Elydio assumiu desde então o baixo. Em 1966, com a necessidade de termos um organista que também vocalizasse conosco, trouxemos o Horácio por intermédio da Denise Barreto. Ele acabou sendo a voz solo de “Gina” nosso primeiro grande sucesso. No ano seguinte, porém, o Horácio seguiu carreira solo e trouxemos o Roosevelt para assumir os teclados. Gravamos o primeiro LP que tinha “Garota teimosa” ainda em 1966 iniciando com o Horácio e terminando com o Roosevelt. Esta formação: Aramis, Elydio, Max, Sergio e Roosevelt permaneceu até 1969. Durante este tempo fomos, uma das principais, banda de apoio de todos os artistas da Jovem Guarda nos principais musicais de TV como a Festa do Bolinha do Jair De Taumaturgo, José Messias, Rio Hit Parade, A Grande Parada, Um Instante Maestro, Show Barra Limpa do Carlos Imperial, etc e tal. Em 1969, por divergências artísticas o Sergio saiu e trouxemos o Fernando Borges para a guitarra solo, que nos acompanhou durante toda a nossa grande fase de bailes até 1973, quando saiu e entrou o Mauro Machado até 1975 e que está na atual formação também. Durante aquelas festas dos anos 90, o Fefê, ex-baterista do Roupa Nova esteve conosco também. Hoje somos eu, meu filho Michel no baixo, o Mauro na guitarra solo, Roosevelt nos teclados e o Cosme de Abreu na bateria. De vez em quando o Serginho Barros do The Sunshines também tem assumido a bateria.
Quantos discos lançados?
Com o “Vintage…” são dez discos e mais três participações em compilações, inclusive na novela Explode Coração da TV Globo.
E a agenda de shows, como anda?
Temos feito uma média de dois shows por mês desde o lançamento do Vintage, o que para quem não está na mídia á tanto tempo, e para os nossos objetivos tem sido satisfatório. Temos nos apresentado em casas significativas como o Teatro Odisséia, Mistura Fina, FNAC, Rio Rock & Blues Club, Nova Estudantina (com Lafayette e Os Tremendões), Espaço Constituição (com Érika Martins, Gabriel Thomaz, Brazilian Bitles, Sunshines, Getúlio Cortes e The Pop’s) New Books, Modern Sound (part. de Leno, Ed Wilson, Jerry Adriani, Fevers e Getúlio Cortes), Café Etílico, Pontal Country Club, Icaraí Iate Club, A. A. Portuguesa na Ilha, Espaço Marlene (com a part. de Sunshines, Brazilian Bitles, Edson Wander e Getúlio Cortes). Para empresas como a TVA (Rio Othon), Clube do BNDS, Shopping Tijuca, Siqueira e Castro Advogados (Porção Rio’s)… A convite do Cirilo Reis (valeu Cirilo!) também tivemos a grata oportunidade de realizar um especial dos Canibais ao vivo no auditório da Rádio Nacional – “Acústico Jovem Guarda”, com a participação dos Sunshines, Getúlio Cortes, Paulinho Pereira e Edson Wander. Para o próximo ano, estamos criando também parcerias para realizarmos shows com bandas dos anos 60 como Os Credenciados, Sunshines, The Pop’s e Brazilian Bitles e já temos novos contatos para nos apresentarmos em novas casas de show do Rio de Janeiro como, em breve, no Cavern Club, na nova sede do Rio Rock & Blues Club no Centro e demais casas que ainda não estivemos ao vivo.
Shows fora do Rio de Janeiro?
Niterói!! (risos) Nossa recente excursão pela Europa e Ásia não conta… (Londres, Paris, Amsterdã, Lisboa, Roma, Berlim, Madrid, Japão…) risos!!! Mas falando sério, temos feito vários contatos para o interior do Rio, São Paulo e nordeste. Teve até um certo empresário, especializado em Jovem Guarda e nordeste, que solicitou o nosso material, site etc. Mas ainda não aconteceu nada. Talvez ele não tenha gostado do que viu e ouviu…
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