Fonte: UAI
Descoberta pelo então futuro Rei da música brasileira, em plena Belo Horizonte da década de 1960, aos 19 anos, de repente, Martha Vieira Figueiredo Cunha passou a ser chamada de o Queijinho de Minas. “Como precisava de um apelido e o queijo é um produto característico do estado, a sugestão foi aceita de imediato”, recorda Martinha, de 64 anos, da Granja Viana, em Cotia, na Grande São Paulo, onde hoje vive com a família.
Demanda da época do então nascente iê-iê-iê, o apelido se justificava em meio a o Brasa (Roberto Carlos), o Tremendão (Erasmo Carlos), o Bom Rapaz (Wanderley Cardoso), a Ternurinha (Wanderléa) e a Fada (Rosemary), entre outros frequentadores do programa Jovem Guarda, da TV Record, comandado por Roberto Carlos, e que foi responsável pelo batismo do gênero musical brasileiro.
“Era muito novinha, mas tinha certeza do que queria”, admite a cantora-compositora, ciente desde então de que o que ela queria era fazer história. “Não tirei o pé do chão e nem me abalei. Surpresa para mim foi o Roberto assumir a minha causa”, diz Martinha, emocionada. Mesmo sem gravar desde 2000 (quando participou da coletânea Tributo ao Rei), ela continua fazendo shows, enquanto planeja disco de inéditas.
“Se não cantar sucessos, o público não me quer. Tenho de representar o que foi a época da Jovem Guarda, da qual eu me orgulho muito”, afirma Martinha, diante da confirmação de que hits como Eu daria minha vida, de sua autoria, também gravado por Roberto Carlos, continuam na lista dos mais pedidos. Autora de poucos parceiros, a compositora tem parcerias apenas com Milton Carlos e César Augusto. “Gosto de compor sozinha”, revela a intérprete, que, para surpresa de muitos, jamais gravou canções de Roberto ou Erasmo Carlos.
Sobre as críticas feitas à Jovem Guarda, ela reage: “Diziam, claramente, que era uma submúsica”, lamenta, lembrando que, de sua parte, nunca se manifestou nem contra e nem a favor da bossa nova, o gênero concorrente de então. “Ninguém é obrigado a fazer música politizada”, reage diante da acusação de alienação, comum na época da ditadura militar. “Eles (os bossa-novistas) por exemplo, não tinham compromisso com o amor, que nós tínhamos”, compara Martinha.
Na opinião da cantora, a ditadura militar foi um dos momentos mais dolorosos e difíceis para o país. “Nós (a Jovem Guarda) acabamos funcionando como um alento para aquele peso” acredita Martinha, salientando o fato de, naquele momento, nenhum dos integrantes do movimento musical que integrou ter-se envolvido politicamente. “Tanto que não tivemos problema na televisão”, justifica.
A princípio, ela se nega a avaliar a atual música brasileira. “Não são apenas os sucessos. Há muita gente boa compondo, que grava independentemente ou até não grava”, repara. “As gravadoras sumiram”, lamenta, mas faz questão de salientar o crescimento dos independentes. “Não compensa avaliar a música hoje”, despista, optando por julgar a própria posição de artista. “Sou absolutamente realizada. Consegui fazer história”, garante.
Os shows são o investimento maior da cantora. “Gosto muito de trabalhar, tenho uma equipe muito legal que se diverte trabalhando, com responsabilidade”, afirma. Martinha contabiliza média de cinco shows por mês, a maioria em casas de shows, teatros e clubes, muitos ligados à chamada terceira idade.
O disco de inéditas que planeja fazer terá no máximo três composições novas. “No mais, serão os sucessos, com novas roupagens”, explica. Depois de uma década sem compor, há alguns meses ela voltou a exercitar a criação, normalmente ao piano, que aprendeu a tocar na infância, antes do violão. Mãe do baterista, compositor e empresário dela Luciano Lobato, de 31 anos, e do advogado Fernando Lobato, de 33, Martinha tem dois netos: João Paulo, de 2 anos, e Pedro, de 2 meses. Leia a seguir trechos da entrevista de Martinha ao Estado de Minas.
Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press – 10/2/68
Nas apresentações em programas de televisão da Jovem Guarda, Martinha inovava no figurino e na postura
MELHOR LEMBRANÇA
“O voto de confiança e crédito que o Roberto me deu. Ele botou a cara a tapa em um momento em que o Brasil parava para assisti-lo no programa de TV.”
ÍDOLO
“Ah, Roberto Carlos. Primeiro, porque ele é um predestinado. Veja só, depois de tantos anos continua fazendo sucesso. Mesmo não gravando disco de inéditas. É um merecedor, trabalha incessantemente em estúdio, participa de tudo. E tem uma equipe fantástica e dedicada trabalhando a seu lado. Tudo isso não invalida a inteligência e a sensibilidade de Erasmo Carlos: um ser humano diferente, especial.”
HIT
“Quero que vá tudo para o inferno. Não é o que eu mais gosto. Os que eu gosto mesmo não estouraram. São Aquela casa simples e Alô. Esta última eu gravei no disco dele, Emoções sertanejas”.
MULHERES
“A nossa presença no movimento foi importante na influência de comportamento, de moda e de postura. Principalmente na moda. Usávamos minissaias, botas, óculos extravagantes, cinturões. Em termos de comportamento, éramos completamente diferentes. Todas, no entanto, boas moças. Porém com, as pernas de fora.”
RELACIONAMENTO
“O relacionamento entre nós, mulheres, era bacana, principalmente com a Wanderléa, Waldirene e as meninas do Trio Esperança. Mas quando fomos gravar as coletâneas comemorativas dos 30 anos de Jovem Guarda, em razão das quais viajamos em turnê, foi muito melhor. Eu, Wanderléa e Silvinha, por exemplo, nos unimos muito mais. Deu para a gente se conhecer melhor.”
NOTA DISSONANTE
“Para mim foi o dia em que o Roberto anunciou o fim do programa Jovem Guarda, no fim da década de 1960. Foi muito triste, nem vale a pena lembrar. Eu, particularmente, tive muita sorte, porque ele assumiu outro programa (Roberto Carlos à noite), aos domingos, no qual todos íamos nos apresentar, cada qual em uma semana.”
EXTERIOR
“Foi nessa fase de transição que recebi convite para participar de um festival latino-americano em Nova York. Fomos eu e o Nelson Ned. A partir de então comecei a viajar muito e não parei mais. Na verdade, nenhum de nós parou.”
ASSÉDIO
“O assédio do público se mantém. É demais até hoje. É impressionante o carinho do público. Nos shows de 30 anos do movimento ficamos assustados.”
QUEIJINHO
“O que restou? No palco, hoje, sou um pouco mais atuante e forte, além de menos tímida, sem perder as características. A voz, mais grave com o passar do tempo, ficou muito mais bonita.”
MOMENTO
“Meu sucesso na Venezuela. Foi uma coisa impressionante. Eu daria minha vida me abriu as portas. Da Venezuela fui para a Colômbia, Chile, Peru, República Dominicana, México e para a colônia latino-americana dos Estados Unidos, além da Espanha, onde morei por três anos, na década de 1970. Na época, gravei discos em espanhol e italiano.”
DINHEIRO
“Deu para ganhar. Claro que deu, mas nada que se compare ao que ocorre hoje com jogador de futebol, por exemplo. Os artistas de hoje também ganham muito mais do que nós na época da Jovem Guarda.”
BH
“No início, quando me mudei para São Paulo, de 15 em 15 dias voltava a Belo Horizonte. Até que achei que devia fixar residência lá. Em BH, a minha turma era formada por Tavito, Bituca (Milton Nascimento), Márcio Borges. Claro que acabei largando toda a estrutura na cidade, onde estudava no 3º científico (atual ensino médio), além de piano e balé. Assustei-me porque a mudança foi radical”.
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