Italiana radicada no Brasil desde os 2 anos de idade, Enza Flori foi artista mirim na Jovem Guarda e participou também do lendário programa Mini Guarda. Em entrevista exclusiva a Marcelo Fróes, realizada no dia 7 de setembro de 2005, ela conta os detalhes de sua breve carreira nos anos 60.
Como é que a música surgiu na sua vida?
Eu comecei em casa, aos 4 anos de idade, dublando Lana Bittencourt. Depois eu comecei a cantar músicas do Gilbert Bécaud, porque minha mãe é italiana mas meu pai é francês, e na escola também – com teatrinho, canto etc. Mas aí, aos 9 anos de idade, quando Rita Pavone veio ao Brasil, é que eu realmente me interessei demais. Eu cantava todos os hits, meu pai me dava todos os LPs, e quando ela veio ao Brasil eu já cantava. Antes disso, como meu pai trabalhava com bebidas e era representante da Drury’s no Brasil, ele fazia feiras para divulgar os produtos e nós conhecemos os Jet Black’s num evento. Ele pediu ao Gatto que me deixasse cantar umas músicas, e eu cantei “Datemi Un Martello” com eles. Aí eu fui parar na concha acústica de São Caetano, e eu me lembro que aglomerou muita gente – muita gente mesmo, foi uma multidão… achando que era ela cantando, por causa do cabelo curto etc. Gatto fez amizade com meu pai, me levou na gravadora e eu logo gravei um primeiro compacto para a Chantecler. No segundo programa Jovem Guarda, em setembro de 1965, eu já me apresentei… cantando “Occhi Miei”, que era a principal música do disco. Um detalhe muito importante, que eu nunca contei pra ninguém, porque não gosto de fazer isso, é que durante um mês eu cantei os dois lados do disco. Nenhum artista fazia isso, nem a Wanderléa ou o Erasmo; todo mundo entrava e cantava uma só música por programa, saindo em seguida. Mas, como o público pedia, o Roberto dizia: “Canta outra!” Eu cantava as duas.
De onde surgiram as duas faixas que compunham seu primeiro compacto?
Da música “Occhi Miei” eu me lembro muito bem, porque o Gatto foi na editora buscar. Era um compacto em 45 rotações, gravado pela Rita Pavone. Ela gravou em inglês e a música não existia em nenhum LP dela. Eu tenho a impressão de que ela gravou e não gostou, algo assim, porque ficou só no 45. Veio com a tradução da letra pro italiano, e aí eu gravei – com a devida autorização. Logo depois, uns dois ou três discos mais tarde, a Rita também gravou e lançou esta versão. Eu gravei com acompanhamento dos Jet Black’s, ao vivo no estúdio e em apenas dois canais. Não havia produtor no estúdio, quem me produzia era o próprio Gatto mesmo. Ele dizia como é que eu tinha que fazer, me dava bronca quando eu semitonava. Ele era muito bravo comigo, mas eu tenho muito boas lembranças dele. Ele morou na nossa casa por um certo tempo, era muito amigo – de baladas – do meu pai. Meu pai é novo, ainda é novo, pois eu nasci quando ele tinha apenas 18 anos, então ele e o Gatto tinham praticamente a mesma idade.
Curiosamente, você não regravou os sucesso da Rita Pavone em português – como era tão comum na época.
Pois é, mas nunca me pediram isso. Pelo menos, de que eu me lembre… porque tem muitos detalhes que me passaram desapercebidos, já que eu era muito criança. Então, na verdade, eu não me ligava nessas coisas. Eu me ligava mesmo era em palco, eu queria cantar… porque eu adorava música. Eu sempre fui muito afinada, cantava direitinho e não me ligava nas outras coisas. Então não me lembro de detalhes. Meu pai é que escolhia minhas músicas, inclusive não escolhia muito bem – porque eu gravei muitas coisas que não tinham nada a ver.
O segundo disco já não foi mais com os Jet Black’s. Por que?
Não, o “Gasparzinho” já foi gravado com os Jordans – que não receberam crédito por serem de outra gravadora. O Gatto tinha ido pra banda do Roberto, já não estava mais nos Jet Black’s, e aí eu acabei gravando com os Jordans aquelas duas músicas de Carlos César e Laerte Anthony. Esse compacto foi ótimo também, mas não teve a mesma repercussão do anterior. Eu já estava na Excelsior, já não era mais “Jovem Guarda”. Inclusive, já na época deste segundo compacto, começaram a surgir muitas cantoras. A própria Chantecler contratou diversas cantoras, então eu me lembro que existia uma briga interna quanto à cantora que iriam trabalhar.
Já tinham Giane e contrataram Joelma e Nalva Aguiar.
Exatamente, isso começou a prejudicar o trabalho.
Aí você gravou o “Submarino Amarelo”. Isso ainda foi na época da Excelsior?
Foi sim, e eu me lembro que essa música também foi uma escolha do meu pai. Quando essa música dos Beatles saiu e chegou aqui, todo mundo ficou alucinado. Eu não gostava de “Dezessete Anos”, o lado B, porque na época eu nem tinha 17 anos! (rindo) Aliás, os discos seguintes também não gostei – porque “O Pão”, do Reginaldo Rossi, era uma música de homem… e a “Fada Catarina” era só a trilha de um filme. Mas, também dos Beatles, houve “Penny Lane” numa coletânea… e eu me lembro que chorei pra gravar, porque o então diretor artístico da Chantecler – Braz Baccarin – me disse: “Se você é cantora, você canta de tudo e de todo mundo”. É que foi um arranjo de orquestra, e eu não tava acostumada… porque tinha que cantar certinho e eu nunca havia estudado música, né? Eu achei horrível o arranjo, não me identifiquei e não quis cantar. Tanto é que, até hoje, quando eu ouço, eu percebo que estou cantando contrariada. Mas, voltando ao “Submarino Amarelo”, foi uma epidemia quando veio pra cá. Todo mundo queria gravar e até hoje eu me lembro que um dia eu estava na coxia, esperando para entrar no “Linha de Frente”, e o Márcio Antonucci (dos VIP’s) chegou pra mim e falou: “Enza, o que é que o teu pai quer gravando ‘Submarino Amarelo’? Me diga!” Eu respondi: “Você sabe, Márcio, é ele quem escolhe…” Ele insistiu: “Os VIP’s é que vão gravar o ‘Submarino Amarelo’! O que é que você quer cantando isso?” (rindo)
E acabou que sua versão teve boa repercussão.
Marcou muito, mas honestamente não acho que tenha tido grande repercussão. As pessoas conheciam… porque eu tinha os meus seguidores, graças a Deus, que conheciam as minhas obras. Todos eles, até hoje eles falam daqueles discos… mas não sei se, por opção da gravadora, a gente não teve grande repercussão de vendagem. Na época, que eu saiba, eu não apareci nas paradas de sucesso. “Occhi Miei” até ficou naquele paradão do “Jovem Guarda”, mas o resto não.
Quando é que a Mini Guarda surge no seu trabalho?
Depois que a Excelsior começou a falir, meu contrato terminou e meu pai tratou de não renovar. Eu fiquei free lancer por algum tempo, fazendo programas na TV Paulista como Silvio Santos e Chacrinha por quase de um ano – sem disco mesmo. E aí me chamaram pra fazer um Mini Guarda, programa da Bandeirantes. Também estava sem disco, mas depois convenceram meu pai de ir pra lá – pra fazer um esquema de “rainha”, apresentando o programa com o Ed Carlos. Não era nem bem apresentar o programa, mas é que a gente ficava mais constantemente no palco que os outros artistas. Nós fomos contratados pela Bandeirantes e eu me lembro que foi a primeira vez na vida que eu tive um cartão de ponto! (rindo) A Bandeirantes veio com uma frescura de que a gente tinha que bater cartão e dar expediente, então meu pai falou que ia apostar o número do meu cartão na loteria. Aí eu me lembro que nós estávamos em Santos, em nosso apartamento de praia, meu pai estava lendo jornal no banheiro e começou a berrar. O meu número foi o primeiro prêmio… e ele não havia jogado! O número do meu cartão de ponto deu no primeiro prêmio da loteria!
E como era o Mini Guarda?
A Mini Guarda era calcada em cima de nós mesmos – eu, Ed Carlos e Mário Marcos. Eu era a mini rainha, o Ed o mini rei, e o Mário o mini príncipe. Lá também iniciou a carreira do Chrystian, da dupla Chrystian & Ralph, que na época era chamado de Zezinho! (risos) Lembro dos Azes, banda que, assim como os Minos, banda do Pepeu Gomes, acompanhavam a gente no programa. Os Minos tinham mais qualidade musical. A Mini Guarda, apesar de estar em uma emissora que até então não trabalhava com musicais, se destacou demais na época… porque era uma réplica do Jovem Guarda, feita com crianças e adolecentes que queriam ingressar na carreira artística. Na verdade, eu e o Ed éramos os artistas “já consagrados” e logo o Mário, irmão do Antônio Marcos, juntou-se a nós e nós formamos aquele trio que na verdade dava o sentido de ser Robeto, Erasmo e Wanderlea. Quem participava bastante, mas não eram efetivos do programa, eram os Caçulas. Os outros cantores eram imitadores. Lembro bem da Solange Maria, que imitava Wanderlea. Nenhum deles seguiu carreira, pelo menos não apareceram no mundo discográfico. Mas, enfim, eu fiz o Mini Guarda na Bandeirantes e depois o Mário Marcos fez um programa nas tardes de sábado. A gente fazia esse de vez em quando, além do “Almoço” com Enzzo de Almeida Passos. Depois disso eu saí e minha carreira acabou, porque meu pai subiu de cargo na Drury’s e não podia me levar mais. Começou a aparecer um monte de shows beneficentes, organizados pro disc jockeys, e a gente não ganhava nenhum dinheiro… e aí meu pai assinou contrato com aquele que fora o primeiro empresário do Roberto Carlos, mas aí eu fiquei parada e lembro que só fiz um desfile, dos dez mais elegantes… (rindo) Meu pai acabou me tirando da televisão, porque além do mais não tinha mais tempo. E, além disso, na Bandeirantes eu tive um problema muito sério… muito sério… e foi aí que eu comecei a perder a vontade… que eu nunca perdi, na verdade. Mas meu pai começou a tentar me tirar, porque lá em casa começou a acontecer telefonemas de homens… de idade mesmo, quando eu ainda era uma criança… dizendo absurdos. Ligavam de madrugada, falando que iam me pegar, fazer e acontecer. Eu cheguei a entrar com segurança dentro da Bandeirantes, e meu pai entrava primeiro no camarim – para ver se não havia ninguém esperando pra ver eu me trocar. Ele até chegou a desconfiar de alguém lá de dentro, mas nunca chegou às vias de fato. Com isso, ele achou melhor eu sair… porque eu já tava ficando mocinha e tava “perigando” naquele meio.
E seus estudos, ficaram afetados pela carreira?
Sim, eu tinha parado de estudar… porque viajava muito com a Jovem Guarda. A gente fazia muito, muito show… e eu lembro que não aguentava e dormia nos banheiros. Meu pai tinha que mandar me acordar, porque eu era criança e os shows eram tarde. Quando eu parei, com cerca de 15 anos, fiz “madureza” e concluí ginásio e colegial. Acabei não me identificando com nada, tentei voltar a cantar – gravando o LP “Dois em Um” com Rodrigo D’Avilla nos anos 80, exatamente no mesmo ano em que a Copacabana investiu em Chitãozinho & Xororó e estourou “Fio de Cabelo”. Nos anos 70 eu tinha me formado, tornei-me Decoradora e fui projetista em Brasília, trabalhava com planta baixa etc. Não me encontrei nisso, então depois fiz História da Arte e dei aula.
Mas você nunca perdeu contato com as pessoas, o que é interessante.
Contato totalmente eu não perdi, mas eu não era aquela amiga ativa. No caso da Sylvinha, eu vi sua filha Mônica nascer e visitei várias vezes. E aí, quando o Eduardo Araújo foi gravar “Ave Maria” eu fiz vocal… escondido do meu pai. Num dia que fui visitá-los, eles estavam indo pro estúdio para dobrar voz e me convocaram para ajudar. Eu falei: “Meu pai não pode saber!”
Você fez outras participações?
Não, foi só isso. Minha história é curta, depois eu só fiz aquele LP com o Rodrigo. Depois disso eu fui morar por 10 anos na praia e, quando um produtor me achou, me pediu que eu fizesse um disco. Como eu estava totalmente por fora da cena, trabalhando como comerciante e tocando um salão de baile, na verdade contratando artistas pra cantar lá, eu não queria aparecer e muito menos voltar. Eu tinha a música como um trauma, eu só participava de festas ou eventos na cidade, mas nada queria com a música profissional. Mas ele estava determinado, o fã clube da Rita Pavone pedia o disco, então – como eu não queria nem os direitos – ele me pagou pra fazer… mas na verdade depois eu me arrependi, porque ele vendeu muito! (risos) Eu mesma tive que comprar em loja, pois vendia em tudo quanto era magazine. Depois disso eu ainda fiz um cantando sucessos da Jovem Guarda – músicas do repertório de Wanderléa, Leno & Lilian etc. Por último, quando a Lambada aconteceu no final dos anos 80, eu ainda fiz um disco… mas não quis nem crédito, porque era muito ruim. Mas acontece que o disco acabou sendo licenciado para vários países da Europa – principalmente França, que tem um desenho de um casal dançando na capa. Como eu não assinei o disco, até a versão brasileira também saiu somente com três bailarinas ilustrando a capa.
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