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A caixa de CDs “67/74” de Caetano Veloso, lançada pela Universal em dezembro último, retrata os primeiros anos da carreira do cantor e compositor baiano. Inclui seus primeiros álbuns e também um disco de raridades. O primeiro álbum foi gravado com acompanhamento das bandas Beat Boys, Mutantes e RC-7 e num todo a caixa retrata a fase, anterior ao exílio londrino, em que Caetano era tão “ídolo da juventude” ou “ídolo da música jovem” quanto Roberto Carlos, Ronnie Von e Wanderley Cardoso. Em entrevista coletiva realizada na sede da Universal Music em 21 de dezembro, o cantor falou também sobre aquela fase.
Marcelo Fróes
Por que da divisão desta primeira caixa ser assim, de 1967 a 1974?
Eu acompanhei e tive várias reuniões com a turma toda, para a composição desta caixa. Mas eu me lembro que, quando eles me explicaram o critério das divisões, eu achei perfeitamente razoável.
Em seu primeiro LP solo, gravado e lançado em 1967, você gravou com diversas bandas – RC-7, Beat Boys e inclusive Mutantes. Como é que foi feita a direção artística deste disco? Imagino que tenha sido você quem escolheu as bandas.
É, a escolha foi minha. Agora, eu quis gravar “Superbacana” com o RC-7, né? Na época o próprio Roberto Carlos gravava seus discos com outras bandas, orquestras etc. Eu pensava cada faixa de um jeito, conversei com o Júlio Medaglia e ele me apresentou os outros maestros. Foi ele quem fez todas essas ligações pessoais com os poetas concretos. E também com os outros músicos da vanguarda erudita de São Paulo, inclusive o Rogério Duprat. Eu mostrei as músicas pra ele e os maestros distribuíram as músicas entre si. Eles ouviam, gravavam em rolo e ficaram escolhendo. Combinamos como é que ia ser feito, mas “Alegria Alegria” eu já tinha gravado com os Beat Boys e “Eles” eu queria gravar com os Mutantes… e “Superbacana” eu queria com o RC-7. E assim fiz. Tudo isso acompanhado pelo Manoel Berenbein, que era o produtor, mas ele já recebia os projetos assim, com essas informações e tocava aqui. Naquela época era assim, a gravadora tinha produtores e os escalava. Eles eram contratados da gravadora, na verdade eram funcionários da gravadora… e eram escalados pra produzir este ou aquele disco, de acordo com a direção artística da casa. Foi assim que o Manoel Berenbein veio trabalhar conosco… e ele se deu muito bem, porque nós o adoramos na época e gostamos muito dele até hoje. Todos nós.
Da mesma época são os discos iniciais do Ronnie Von, um dos quais você até participou. A sonoridade de alguns até remetem ao próprio “Tropicália”.
Eu tenho uma lembrança da aparição do Ronnie Von e de ter estado com ele naquela altura. Eu fiz uma música pra ele, a gente gravou junto etc. Eu me lembro que ele era muito bonito, louro… um cara lindo… e não sei se eram Magaldi & Maia que o estavam lançando, meio pré-programadamente. E a gente adorava o Ronnie Von, achava ele bacana e os Mutantes chegaram a tocar com ele. Ele deu o nome dos Mutantes… e tinha uma banda chamada Os Baobás, na qual o Liminha tocava. Depois ele foi tocar comigo e depois com os Mutantes. A banda se chamava Os Baobás porque ele era “o Pequeno Príncipe”, né? (risos) Tudo pensado pela agência de publicidade.
E outra banda que o acompanhava era Os Bruxos, da qual fazia parte o Dinho Leme, que depois também foi tocar com os Mutantes.
Tá vendo? Tem essa aí também. Eu não acompanhei tudo, mas os Mutantes eram uma das coisas que cercavam o planeta do Pequeno Príncipe. Mas o Ronnie Von era uma pessoa ótima e era bacana. Agora, a força do Roberto Carlos é que ele tinha sido aproveitado pela agência de publicidade e pela emissora de televisão porque ele veio com um carisma e uma força irracional e descomunal. Ronnie Von já parecia uma coisa feita pra poder dar certo, mas era bacana. E, de fato, ele já veio num momento mais sofisticado… na mesma época da Tropicália… e então já veio meio psicodélico, já com os Mutantes e os Baobás, que eram uma turma mais refinada. Porque a turma da Jovem Guarda era muito ingênua, eles tinham uma ligação com o negócio do rock americano e menos com os ingleses, embora já também… Eles ainda eram próximos da Celly Campello, tinham uma coisa mais ingênua e menos pretensiosa. Mas eu me lembro, embora eu nunca mais tenha visto o Ronnie. Eu me lembro da época, Ronnie Von era bacana.
A caixa contém um CD novo, compilando raridades e até duas faixas inéditas. A faixa título é “Cinema Olympia”, canção que você fez para Gal Costa gravar em 1969. Seria uma demo?
Eu não tenho uma lembrança muito clara.
E o “Hino do Esporte Clube Bahia”?
Essas gravações foram de 1969, antes de eu ir para Londres. Era para alguma coisa, mas terminou não sendo usado. Não me lembro para o que era, talvez para alguma coisa que a gente fizesse e não fez.
Mas no show de Salvador em 1969, gravado e depois lançado no LP “Barra 69”, você e Gil cantam o “Hino”.
Sim, justamente… e aí, eu acho que – em passagem pelo Rio – a gente gravou. Eu tenho a impressão de que foi isso. (…) O que eu ouvi e gostei foram essas gravações de que eu não lembrava, porque elas não tinham sido aproveitadas. Essas inéditas são maravilhosas, cara. Eu fiquei maravilhado, adorei mesmo. Meu filho Tom pediu pra ouvir o “Hino”, porque ele gosta de futebol. Ele gostou, pediu pra repetir… e depois a gente ficou ouvindo aquelas gravações com os Mutantes. Eu adorei, adorei… Agora, “Baby”, por exemplo, é incrível. Tem um jeito, eu acho que Gil também toca violão. É uma coisa espetacular. (…) Eu, aliás, fiquei surpreso de encontrarem tantas sobras… e sobras tão excelentes… porque eu não sou de deixar tanta sobra não. O Gil sim, o Gil é uma loucura. Ele faz um disco com 17 músicas e ficam 35 de fora! Eu não sou capaz de fazer muita coisa assim no estúdio. Eu acho que é isso. Mas, mesmo assim, as sobras que foram encontradas eu gostei muito.
O seu segundo álbum foi gravado inicialmente num estúdio de Salvador, durante a prisão domiciliar que antecedeu ao exílio londrino.
Sim, voz minha e violão do Gil, né? Como era permitido… Só no ano seguinte, quando eu fui pra Londres, é que comecei a tocar… É porque a pessoa tinha que tocar como Roberto Menescal ou Geraldo Vespar, entendeu? Gil tinha nível, mas o primeiro disco que ele próprio gravou ele próprio não teve a “permissão” de tocar o violão. Foi em Salvador e quem tocou foi Alcivando Luz, que era o violonista mais profissional… mais Geraldo Vespar.
Nos anos 70 você finalmente começou a tocar violão em show e até a gravar.
Eu até falo no show agora, porque eu me lembro que eu não tocava violão em disco no Brasil… por causa do baixo nível técnico, entendeu? E, quando eu cheguei em Londres, os loucos dos ingleses diziam: “Mas como? Você é quem tem que tocar!”. Aí eu toquei… (rindo)
Você achava que não tocava bem?
Eu achava… e todo mundo achava. Não era eu que achava. Neguinho achava… e eu concordava. Realmente, tudo bem. Chico Buarque concorda até hoje! (risos) Ele não toca violão nos discos dele, inclusive aparece nos DVDs “se queixando” de que o Luiz Cláudio Ramos não o deixa tocar nas gravações. Mas uma vez o Luiz Cláudio quebrou o braço e eu fui ver o show do Chico no Canecão. O Chico é que tocava… no show inteiro… e estava maravilhoso. Luiz Cláudio é excelente, é claro. É um violonista, e o Chico não é.
No disco ao vivo de vocês, gravado em 1972, os dois tocam violão juntos.
Sim, é verdade. Mas, veja bem, eu me lembro que, quando saiu o primeiro disco do Nelson Cavaquinho, o próprio Sérgio Cabral – amante da tradição da música carioca – escreveu uma contracapa meio que “pedindo desculpas”. Quer dizer, não pedindo propriamente desculpas… mas dizendo que o violão era tosco e tal. A contracapa justificava, pela autenticidade, aquele violão que nunca tinha sido gravado. Se você fosse seguir este critério, quem é que ia permitir que o Bob Dylan tocasse aquela gaita e aquele violão que troca o tempo, em discos como “Bring It All Back Home”? (risos) Entendeu? Não iam permitir! Aqui não iam permitir, iam chamar o gaitista bom e o violonista bom e botar o babaca pra cantar!
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