Último membro da formação clássica dos Mutantes que faltava entrevistar para o nosso acervo, o baterista Dinho Leme sentou para conversar com Marcelo Fróes, Elias Nogueira e Luis Leuenroth Jr. logo após a coletiva de lançamento do CD/DVD dos Mutantes em São Paulo.
Muito pouco de brincadeira, porque bateria não é um instrumento que se ache montado em qualquer canto – da mesma forma que um guitarrista encontra um violão ou um tecladista tem um piano a toda hora, né? Então, pra você imaginar, eu tocava numa escola de samba em Paúba, que é uma praia aqui perto de Maresias, com uns garotos que ensinavam as pessoas a tocar. E eu tocando rock e não samba, né? Eu tocava caixa e surdo no carnaval, mas bateria muito pouco. Tinha lá uns barzinhos em que de vez em quando eu tocava, mas em casa eu não tinha. Eu tenho a Ludwig 1969 guardada até hoje, inclusive não montei e nem mexi até hoje. Vou refazê-la inteirinha, restaurá-la mesmo. Eu já estou tocando com a caixa dela, que é uma caixa Ludwig de 1970. Eu tenho uma outra, que já estão arrumando, mas eu usava essas caixas pra tocar samba… (rindo)
Você não tocou profissionalmente nesses 30 anos?
Eu toquei algumas vezes, fiz muitas gravações como músico de estúdio com o Manoel Barenbein. Gravei com Liminha, com Rubão etc, mas realmente faz bastante tempo. Mas acontece que era uma coisa esporádica, então fazer um disco com Erasmo Carlos tudo bem. Fazer um show com Erasmo, no primeiro Hollywood Rock, tudo bem. Ir no Águas Claras, produzir etc, tudo bem.
Foi nessa época do Hollywood Rock que você montou a Companhia Paulista de Rock. Que outros shows vocês fizeram?
Eu não me lembro de outro não, eu acho que foi só aquele. Eu não me lembro da gente ter saído fazendo. Ensaiamos muito, mas foi só aquele show. Se fizemos mais, foi em algum clubezinho. Não existia esse conceito de turnê, e nem era uma coisa que eu gostaria muito de fazer… como o Norival fez, entrando pra banda do Roberto Carlos. Eu não queria me tornar músico de algum cantor, sabe? Eu fiquei meio a pé…
Como é que você se virou esse tempo todo?
Sofri um pouco, sofri bastante. Eu tenho um problema na mão direita, mas isso hoje nem é mais problema. Estou até achando que isso é uma vantagem e é por isso que eu acho que eu pouco toco diferente dos outros. Eu faço alguma coisa obrigatoriamente e forçosamente diferente, e eu acho que isso fez com que eu achasse que não dava mais pra tocar. Eu já tava até escrevendo sobre Rock na “Folha da Tarde”, escrevi lá por cinco ou seis anos.
Você mergulhou no universo da Comunicação.
Sim, eu montei uma empresa de Comunicação para o lançamento de uns discos no Brasil. Terreno Baldio e outros que eu já me esqueci, eu e Peninha fizemos a produção do primeiro e do segundo Águas Claras. Fizemos muitas coisas pra Continental juntos, dividíamos uma sala eu, Peninha e um amigo chamado Tomás Figueiredo Magalhães, que também era jornalista e fazia automobilismo junto com meu irmão (N.R.: Reginaldo Leme). Ele me convidou pra montar um jornal, o “Automotor Esporte”, que era um jornalzinho tablóide lá pelos idos de 73 ou 74. “Vamos fazer só nós dois? O que você acha?” Aí eu comecei a fazer esse jornal junto com ele e também nossas promoções. A partir de 1978, até o começo dos anos 80, não havia mais rock, né cara? Quando eu me vi, estava fazendo assessoria para uma casa norturna. Aí eu falei: “Ah, eu não tô a fim não!”
Aí você se associou ao Reginaldo Leme.
Aquela empresa de comunicação foi parando, porque não tinha mais lançamento e nem isso. Eu acabei fazendo eventos de comunicação para casas noturnas que tocavam discoteca, então começou a cair tudo. Eu comecei a ouvir Elvis Presley e Beatles em casa, então hoje eu nem sou mais sócio do meu irmão. A gente faz um livro de quase de 400 páginas, que é o anuário “Automotor”, e eu acabei fazendo algumas coisas de eventos esportivos. O que eu gosto de fazer hoje é uma corrida de caminhão que se chama “Fórmula Truck”. Eu não sou um cara que escreve todo dia, mas lá eu trabalho bem. Acabamos de construir um ônibus com Internet, é uma sala de imprensa dentro de um ônibus, e eu gosto… Daqui a uns dias eu vou pra Brasília, chego quatro dias antes e me reúno com os jornalistas.
Mas você sempre ficou mesmo em São Paulo, né?
Sim. Eu fiz muita coisa logo no lançamento do Rubinho Barrichello, o pai dele me pegou e eu fiquei seis anos com ele. Mas também não trabalhava diretamente com ele, principalmente porque ele era chato pra burro e eu também não gosto muito de Fórmula 1. Eu gosto mais de outros tipos de corrida e eu tinha uma menina e outras pessoas que o atendiam diretamente. Aí eu fiquei como administrador de uma agenciazinha, pequena, com 4 ou 5 pessoas, e os caras vinham me procurar. Até hoje eu tenho isso, eu quase não apareço, mas tenho duas pessoas pra atenderem.
Esse tempo em que você se afastou da música, os Mutantes ficaram na estante ou de vez em quando você pegava pra ouvir?
Ah, de vez em quando, quando eu pegava pra ouvir, eu ficava doido. Eu nunca me afastei, sempre estava ouvindo. Ouvia em vinil e também em CD.
Você sentia saudade?
Com certeza sentia, mas realmente eu te falo: eu não achava real a possibilidade de uma volta. Porque já tinha acontecido muitas vezes, quatro ou cinco vezes. Inclusive outro dia uma pessoa estava me perguntando se eu também tinha participado da expulsão da Rita Lee dos Mutantes. Não, pelo contrário, eu me lembro quando ela sentou e falou comigo e com Liminha: “Olha, eu tô saindo… e acho que vocês também deveriam sair… porque tá acontecendo isso…” Eu nem lembro o que é que estava acontecendo e até hoje acho que foi briga de marido e mulher. Eu lembrei que, há uns 11 anos atrás, quando foi rolar um “Songbook”, ela me ligou e falou: “Vamos fazer! Vamos fazer!” Ela também queria fazer algo mais com os Mutantes, não sei se fui o primeiro a ser consultado e se ela também consultou o Sérgio, mas eu lembro que brinquei com ela: “Me avisa aí, pra eu correr no Ibirapuera antes!” E outras vezes aconteceram, principalmente por parte de gravadoras. Mas dessa vez foi uma coisa natural, eu até pensei: “Puta que pariu, eu não vou me meter mais nessa… porque vai ser aquela conversa e tal, e daqui a pouco um vai estar querendo assim e o outro assado”. Cá entre nós, bastou uma semana ou 10 dias pro Sérgio me ligar: “Liminha acha de um jeito, eu acho de outro. Liminha ta querendo fazer menos músicas, acha que a gente só deve gravar cinco músicas e eu não acho, eu acho que a gente deve fazer um show e tocar o pau mesmo!” Eu falei: “Sérgio, eu não sei nem o que te dizer, eu não sei nem como é que eu vou pegar na baqueta ainda!” (risos) “Vamos lá tocar primeiro e ver, né?” E aí ficamos tocando um pouco, o Liminha tava ocupado no Rio… e eu acho que ele tem uma agenda bem cheia, também. Eu me dediquei, não lembro quais foram exatamente as palavras que eu falei pra ele, mas eu falei algo: “Tô legal, eu ajudo mas não sei até onde eu vou! Vamos experimentar!” Não foi difícil chegar ao ponto de criar uma certa segurança. Foi legal, mas aí começou até a mexer na memória mesmo – pra tirar todos aqueles arranjos. Tem coisa que eu não lembro o que eu fazia, mas depois que passou aquela fase a coisa começou a ser além da expectativa. Aí eu comecei a fazer coisas mais gostosas, muito mais confortáveis por ter todos aqueles músicos atrás. Cada vez que a gente pegava uma coisa, os músicos novos pulavam emocionados: “Isso é Mutantes! Isso é Mutantes!” Foi muito legal.
Zélia Duncan falou que foram mais de cinqüenta ensaios. Quanto tempo levou pra você sentir-se confortável?
Depois de 5 a 10 dias de ensaio, eu vi que tava rolando. A gente não tinha tocado nem 10 músicas ainda, mas tava rolando. Ainda tinha aquele medo: “Vamos tocar mais 10?” Mas tava rolando já, já dava pra ver que dava pra ser.
Você tenta tocar como nos arranjos originais?
Não, tenho liberdade, vou pra outra… apesar do estilo continuar o mesmo. Eu fico brigando pra mudar o estilo, mas tenho uma liberdade boa.
Você participou da música jovem dos anos 60 e há pouco falou de Elvis e Beatles. Seu afastamento da música e a possibilidade de escrever sobre rock, com o distanciamento você conseguiu olhar pra trás ver Jovem Guarda sem preconceito? Você começou na banda do Ronnie Von.
Nós fomos privilegiados, né? Vivemos na época “beatles”, em que as coisas estavam todas sendo feitas – não apenas na música, mas nas artes plásticas etc. Tudo que se fazia era novo, bonito e psicodélico. Da Jovem Guarda eu lembro com muito entusiasmo, eu gostava muito do pessoal. Renato e seus Blue Caps era o máximo, e mesmo The Jordans e The Bells. Era gostoso, mas a gente não era da mesma turma… porque Ronnie Von e Roberto Carlos tinham uma rivalidade. Era diferente…
Você já tocava profissionalmente antes de começar a acompanhar Ronnie Von?
Tocava, mas tocava no interior… em Rancharia. Com 15 anos, eu tocava em bailes em Maringá etc. Vim pra São Paulo, tocava violão e entrei para uma academia – mas um mês depois já estava dando aula de bateria. Os caras me acharam lá e vieram me chamar, participando de um grupo de baile entre seis meses e um ano. Chamava Fine Rockers, tocava legal pra caramba.
Naquele começo, quem você ouvia ou quem você imitava?
Eu gostava muito de Ginger Baker, era impressionante. Eu usava uma barbicha e um bigode iguais a ele. Ouvia muito Frank Zappa, mas claro que Bill Bruford. E o Ringo, lógico… porque eu ouvia tudo dos Beatles. Eu era um beatlemaníaco, sempre fui Beatles e demorei muito a começar a ouvir outras coisas.
Você só foi gravar com os Mutantes?
Não, eu acompanhei Jorge Ben com a orquestra do maestro Briamonte antes, num compacto duplo que nem lembro mais. Em uma das músicas, eu me lembro que ele falava o tempo todo do Chacrinha. Eu lembro que nós saímos de um programa lá na Tupi, o “Divino Maravilhoso”. Fui lá, toquei com ele e aí ele falou: “Tá com tudo aí? Vambora pro estúdio!” Viemos pro estúdio Gazeta e gravamos até as 4 da manhã. Eu tava começando, já estava com Ronnie Von há quase um ano e o Jorge Ben me chamou e a gente começou a fazer. A gente tava fazendo ensaios, preparando uma turnê, e aí pintou o “Divino Maravilhoso” e depois um outro programa na Globo, ainda na Rua das Palmeiras. Eu fui fazer esse programa na Globo, aí o Guilherme Araújo me pegou e me botou pra tocar com os Mutantes. Depois nós fizemos com o Gil, o Caetano fez com os Beat Boys e aí Tom Zé, Nana Caymmi, Torquato Neto. Só sei que naquele dia eu toquei 16 músicas, entre rock e samba canção, e ao vivo. Fui pra casa, tomei banho e voltei às 7 da noite pra tocar com todo mundo. Foi aí que o Arnaldo me chamou pros Mutantes.
Com Ronnie Von você nunca chegou a gravar?
Gravar, gravar, não. Fazíamos muito show, além da televisão. Ele gravava muito com orquestra, ele era muito careta nessa história. Mas, enfim, quando a gente saiu da Globo o Arnaldo me chamou. Eles já me conheciam do Ronnie Von, e chegamos a tocar juntos na época em que ele quis tocar “Groovin'” e chamou os Mutantes para acompanhar. Como eles não tinham baterista, eu toquei. Com Ronnie Von eu fazia show pra caramba, tanto em ginásio de esportes quanto em estádios para 30 mil pessoas – e sem P.A.!
Que lembranças você tem da fase em que você gravou o lendário LP “Carlos, Erasmo” com Erasmo Carlos em 1971?
Das músicas exatamente não lembro, mas lembro de quase tudo. Nós gravamos no estúdio aqui em São Paulo, por mais de uma semana. Eu e Liminha, com outros músicos. Se o Sérgio participou, foi em uma ou duas, mas acho que ele não participou deste disco. Lanny está neste disco. Ontem alguém perguntou ao Sérgio sobre este disco e ele ficou quieto. Não é que os Mutantes estivessem ali, éramos somente Liminha e eu como músicos. Rubão também estava lá, Lanny idem. Com Erasmo só fiz este disco, além daquele show do Hollywood Rock.
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