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Segunda entrevista exclusiva de Arnando Baptista ao “International Magazine”, realizado num apartamento em que Arnaldo estava hospedado em Ipanema em 21 de outubro de 2000. Ele viera ao Rio para participar do concerto de Sean Lennon no Free Jazz Festival, e acabou entrando em estúdio para gravar Give Peace a Chance para um CD-tributo a John Lennon. Em menos de 48 horas, Arnaldo quebrou dois tabus: voltou aos palcos e voltou aos estúdios, após anos de afastamento.
Como está sua empolgação de voltar a gravar discos, diante de tantos avanços tecnológicos?
Eu costumava prestar bastante atenção na parte tecnológica da música, desde a época dos Mutantes – quando a coisa focava mais a cozinha dos ritmos etc. É bonito verificar que a outra parte está sendo finalmente levada em conta, porque o cara que toca seu instrumento com um bom amplificador está levando adiante – para um lado em que na verdade chego a estar perdido, diante de tantas descobertas. Por exemplo, o Sean Lennon possui guitarras que a Fender tirou do mercado – como a Jaguar, que meu irmão mais velho tinha. Atrás do palco eu também vi três Jazz Masters, que ninguém mais faz. O espectro sonoro, que é o som transformado em imagem, a gente sente que na Jazz Master é totalmente inédito. É um lado lindo, porque há uma versatilidade enorme. Outra coisa são os amplificadores, que muita gente considera pequenos, mas que eu até já aconselhei pro Lobão. É o Fender twin reverb, que é uma coisa pequena mas totalmente selvagem.
E quanto ao estímulo para que você queira compor e gravar para um novo disco? Como é que isto está se processando na sua cabeça?
No sentido do envolvimento, porque eu vejo a evolução dos estúdios. Inclusive eu já anotei alguns detalhes que eu gostaria de saber, para me aprofundar mais. Isso está me deixando maravilhado, no sentido de gostar do impulso que a música está pegando atualmente. Eu vejo como importante um lado que poucos talvez tenham levado em conta, e que é o lado digital. Eles falam que dura mais, mas eu vejo que o som digital não alcança o limite mínimo de 16 db. O meu médico me disse isso, porque a minha nota é dó. Eu falo isso e todas as revistas falam que é 20, porque há uma matemática logarítmica descoberta pelo cérebro humano há uns 40 anos. Só que o ouvido humano tem uns 100 milhões de anos, né? (rindo) O lado digital pode até dar uma amplidão, o que é bom… Eu não acho que haja diferença alguma entre o analógico e o digital, muito embora digam que o analógico seja “mais quente”. Eu acho que estão ligando isso um pouco à amplificação valvulada, que existia na época do som analógico e que deixava tudo um pouco mais quente! (rindo) Mas a simplicidade leva tudo adiante, sem que percamos tempo com coisas sem muita importância.
Você tem falado no “Let It Bed”, que é um disco que você deseja fazer há alguns anos. O que seria ele? Você já tem a capa pronta.
Exato, interessante colocar nesses termos. O título é um trocadilho com o “Let It Be” dos Beatles. Antigamente, na época dos Mutantes, a gente só entrava em estúdio quando já tinha o disco prontinho em termos de composição. Agora eu gosto dessa nova forma, porque posso ter uma idéia e amanhã mesmo transformá-la em música e gravá-la. Eu já tenho muitos rascunhos, mas estou optando por criar os arranjos de bateria. Porque muita gente leva horas pra definir o som da bateria, quando entra em estúdio para começar a gravar um disco. É muito espansor, compressor etc. Minha bateria tem 14 tambores, então tem que botar microfone em tudo e o resultado é bem bonito. Eu estou trabalhando bastante nisso, gravando demos em cassete etc.
Há cinco anos atrás você foi contratado pela Virgin para relançar seus discos solo dos anos 80. Como funcionou essa história?
Eu resolvi pedir as masters dos discos com a Patrulha do Espaço, porque eles não as entregavam de jeito nenhum. Como eles não conseguiram fazer nada com elas, acabaram entregando quando fui a São Paulo. O Costa Neto queria lançar o “Singing Alone” (82) em CD, mas aí – por causa da redescoberta da história do “Tecnicolor” – a Virgin ficou interessada no projeto. Foi aí que o Costa Neto negociou o “Singing Alone” com a Virgin, posto que era mais interessante do que lançá-lo pela Dabliú. A Virgin achava que o “Tecnicolor” poderia ser seu e chegou até a cogitar da possibilidade de reunir os Mutantes. Costa Neto tentou licenciar o disco da PolyGram, mas eles não sabiam se era deles. Ninguém tinha o tape, mandamos fax pra Londres etc. Pra PolyGram, o disco não existia até o momento em que a fita apareceu. Eles não acreditaram, então nós fomos pra Cia de Áudio com uma cópia que Antônio Peticov possuía desde a época da gravação. A Virgin tava de olho, enquanto Guto Graça Mello já aguardava a possibilidade de reunião dos Mutantes. “Tecnicolor” seria lançado com um mega evento, uma viagem em que todos embarcaram. O Guto começou a cair do cavalo quando o Sérgio (Dias) ficou puto da Virgin ter comprado os meus três discos, querendo que a Virgin lhe comprasse os seus também. Como a Virgin não se interessou, ele levou seu disco pra Natasha e apoiou aquele disco tributo aos Mutantes. A Virgin já tinha até colocado grana na história, mas aí o negócio começou a emperrar. Até aí a Patrulha do Espaço ainda não tinha dado pra trás, pois saiu o “Singing Alone” e depois viriam os dois com a Patrulha. Tava tudo pronto, os discos viriam numa caixinha, mas na hora de assinar os caras alegaram que eram meus sócios nos discos. Na verdade, a primeira desilusão foi com o desinteresse por “Tecnicolor” e com a não-reunião dos Mutantes. O Guto começou a ficar puto, porque o Sérgio deu pra trás. Guto havia garantido que Rita (Lee) toparia, mas antes mesmo dela vir a coisa já começou a dar rolo. Porque a Natasha também começou a ficar invocada com a história, achando que o Guto estava passando por cima ao entrar em estúdio comigo pra gravar a Balada do Louco. Aquela gravação não era pra ser faixa bônus do “Singing Alone”, mas sim pro disco comemorativo da volta dos Mutantes que teria as participações de gente como Caetano Veloso, Gilberto Gil etc. Não era bem um tributo, mas sim uma faixa com cada um. Àquela altura, a Natasha já estava gravando e sentiu-se incomodada, porque o Sérgio a estava apoiando. O Caetano, que havia topado participar do disco da Virgin, acabou dando pra trás quando a Paula Lavigne tornou-se sócia da Natasha.
E qual foi a da Patrulha do Espaço?
Os caras entraram numa de querer ganhar o mesmo que eu, alegando que eram meus sócios. O disco é meu, apesar de estarmos juntos em dois discos. Eu até pedi pra ver o contrato que eles alegavam ter, mas não rolou. E aí a Virgin acabou deixando a coisa no ar, muito embora recentemente um deles tenha me procurado pra conversar posteriormente. Mas aí já era tarde e eu nem quis conversa. Afinal, eles já haviam estragado tudo e perdido a chance de estar nas lojas. Isso me queimou um pouco com a Virgin, a ponto deles não terem se empenhado tanto no lançamento do “Singing Alone”.
Mas aí você continuou atrás do “Tecnicolor”.
Claro, afinal era uma coisa concreta. Tive pesadelos, achando que aquela fita ia sumir. Foi aí que pedi a fita emprestada ao Peticov, para fazer uma cópia pra mostrar aos jornalistas. Eu fiz um escândalo, consultando primeiro o Costa Neto. Ele me aconselhou a procurar a Cia de Áudio, que era de uns caras conceituados, e pedir pra fazer uma master. Como autor, ele tinha direito a ter uma cópia. E foi aí que o cara da Cia de Áudio teve a idéia de chamar o Pedro Alexandre Sanches, da “Folha de São Paulo”, pra fazer uma matéria pra pressionar – porque o Pedro deu uma dura, né? Um mês depois a master apareceu no arquivo da Universal… e a coisa começou a andar.
Essa não foi a primeira história de um disco inédito dos Mutantes, a ser lançado muitos anos depois. O “OAEOZ” foi uma mesma história né, lançado 20 anos depois.
Bem lembrado, eu não tinha me tocado. Eles estavam de olho na Rita, não estavam interessados no nosso som progressivo. Quando ela saiu, eles perderam o interesse na gente. Tanto que abrimos o festival “Phono 73” e nossa participação não rendeu nenhuma faixa para aqueles três LPs lançados na época. Até hoje eles não tem interesse na gente, e o apelo agora veio lá de fora – com David Byrne, Beck e Sean Lennon falando bem. Depois é que eles viram que o negócio era sério, resolvendo tomar uma atitude.
Mas foi Mayrton Bahia quem tomou a iniciativa de relançar a discografia dos Mutantes em CD. Foi ele quem descobriu “OAEOZ” ou todos sabiam que este disco estava prontinho no arquivo da PolyGram?
Não, eu que sugeri. Do “Loki” eles nem lembravam, na verdade. A gente que cutucou, mas na verdade não deu tanta amolação em termos burocráticos. Afinal, ninguém tava tão ligado em Mutantes. Se teve alguma burocracia, o Sérgio não deu muito trabalho. Depois que começamos a mexer no assunto, é que afloraram os egos… Em 1991, quando o Sérgio começou a namorar a Lourdes, eles foram nos visitar em Juiz de Fora. Ela sempre tentou reaproximar-nos, e a Lucinha pediu ao Sérgio que fosse à PolyGram para procurar os masters para relançamento em CD – inclusive “OAEOZ”. Ele foi e correu tudo bem, depois é que rolou um atrapalho por causa de um show da Rita no Palace…
Qual é a história?
Foi uma tentativa bem furada de reunir os Mutantes. Era um show da Rita, ela convidou o Sérgio e não me fez nenhuma proposta profissional. Como ela bem disse em entrevistas, ela queria “brincar de Mutantes”. Só que eu não sou nenhum brinquedo. Ela nem teve coragem de me procurar, ficou mandando recado por sua irmã Virgínia. Ela me convidou pra “assistir” ao show no camarote, junto com os outros Mutantes – Sérgio, Liminha e Dinho. Foi aí que eu comecei a desconfiar, quando – por uma coincidência da vida – a Lucinha encontrou a Lourdes no aeroporto, indo buscar a guitarra do Sérgio. Foi aí que ficamos sabendo que o Sérgio ia tocar, achando que tinha armação na história. Eu não fui tratado com o devido respeito.
Mas não teve um lance dos Mutantes reunirem-se para tocar Bat Macumba num disco tributo a Gilberto Gil?
Bem, se teve eu nem sei. Esse negócio nem chegou a mim, por isso não sei comentar. Acho que já enguiçou lá com o Sérgio…
Enfim, depois de tantas idas e vindas, de dificuldades pra lançar o “Tecnicolor”, e de entrevistas agressivas, realmente já foi colocado um ponto final na história né?
Mas eu acho que não tem nada a ver reunir os Mutantes. Pra que acabar com essa magia maravilhosa? Não existe sintonia entre a gente, e o “Tecnicolor” foi o máximo da nossa sintonia. Pra que reunir os três agora? A minha esperança é a de continue tudo como está e que todo mundo fique contente no seu canto. Seria queimar filme, seria uma decepção. A sintonia foi tão maravilhosa, que o abismo de 25 anos que hoje existe entre a gente fala mais alto. Por exemplo, quando o Sérgio se casou no ano passado e nós fomos convidados, ele nem me levou pra conhecer seu estúdio caseiro e ver seus instrumentos. Ele tem todas as guitarras, menos a Gibson Les Paul – que eu acho que é a melhor. Ele e eu não temos nada a ver, portanto eu fico meio hesitante em me envolver com ele.
Quando foi a última vez que vocês fizeram um som juntos?
Não me lembro.
Nesta sua nova vida, após o acidente de 1982, nenhuma vez?
Não, nessa nova vida há um abismo total. É como se fôssemos estranhos, somos como amigos que só se encontram de 10 em 10 anos. Foi assim em 1991 e foi agora há pouco em São Paulo, quando tocamos piano e violão na festa de um amigo. Foi na noite da festa da MTV de 1999, quando Caetano, Gil e Rita fizeram um revival de Tropicália e nos citaram numa lista dos que “não puderam vir”. Acontece que nós nem havíamos sido chamados…
Mas e se tivessem sido chamados, vocês teriam ido?
Eu acho meio impossível, mas que não tivessem falado aquilo. Eu só não gosto é que digam algo que não seja verdadeiro, como também lamento nunca ter sido chamado para receber um prêmio como representante dos Mutantes. Todos os prêmios são recebidos pela Rita, quando na verdade é ela também quem mais despreza os Mutantes. É um negócio meio engraçado, né? Tanto a Rita quanto o Sérgio tem lá suas reservas quanto aos Mutantes, enquanto eu sou quem mais veste a camisa.
Você diz que está fazendo 18 anos, completando sua maioridade após ter nascido de novo em 1982. Esses anos de melhoria gradual fizeram com que sua memória fosse sendo recuperada?
Sem dúvida, a minha memória está melhorando. Principalmente porque eu estou entrando em contato com coisas que aconteciam e que eu nem lembrava. Um bom exemplo disso foi a fita do “Tecnicolor”, pois eu comentava com Lucinha que lembrava ter gravado algo na Europa. Quando ouvi, eu quase chorei. Nesse sentido eu estou levando a coisa adiante numa boa.
E quanto à sua vida em si, você mudou muito?
Mudei bastante, sou outra pessoa. Guardei muitas características, meu gênio amansou e eu me tornei uma pessoa mais comunicativa. Eu era muito fechado, mudei muito e isso é uma coisa que faz com que as pessoas que me conheceram antes sintam uma certa dificuldade em aceitar-me. O próprio Liminha surpreendeu-se, então as pessoas ficam sem saber como se relacionar. É mais fácil fazer amizade com pessoas que não me conheceram antes, porque os velhos amigos ficam chocados… Eu nasci de novo mesmo; hoje estou ótimo, mas há quinze anos atrás eu estava muito diferente.
A depressão foi um dos principais fatos que levaram ao acidente. Quando você voltou e foi lentamente tendo consciência, você tinha consciência do que tinha acontecido?
É como eu acabei de relatar, aos poucos eu vou cada vez tendo mais. Agora eu atingi a plenitude de minha consciência, no sentido de lembrar momento por momento do acontecido.
Foi um grande alívio você descobrir que estava vivo? Ou você ficou ainda mais deprimido?
Ah, muitas vezes eu fiquei deprimido. Mas mais no sentido de evolução, porque eu faço um paralelo entre eu e a raça humana e concordo que nada tem a ver. Resumindo melhor, aos poucos a gente vai esquecendo ou passando por cima.
Você se sente melhor sendo este Arnaldo de 18 anos de idade? Ou você sente falta do Arnaldo que você foi?
Eu consigo fazer uma espécie de comparação entre o que eu sabia e o que eu aprendi novamente, e atinjo um denominador comum cujo resultado é algo espiritual. Nesse sentido, eu vou junto com John Lennon – pois ontem eu ouvi uma música chamada God, que há muito tempo não ouvia. Eu não acredito em nada no sentido de Deus, Buda ou Cristo. Então eu, que já vi disco voador desaparecer, tenho plena consciência de que ele simplesmente ultrapassou a velocidade da luz. É tão difícil de ver quanto de explicar, como são as explosões que rolam quando um avião ultrapassa a velocidade do som.
Você pensar em fazer disco e show com banda?
Às vezes pode parecer uma utopia minha, afinal há um exemplo clássico. Quando eu pedi à Rita Lee que abandonasse os Mutantes, recomecei com eles com todo o entusiasmo que eu tinha. E o resultado foi aquilo, pois todos eles – menos o baterista – eram bem mais Rita Lee que eu. O Serginho era guitarra Fender, nunca Gibson; e o Liminha tocava um baixo Rickenbacker, que eu também não gosto. Apesar do “OAEOZ” ser bom, o som ainda não era totalmente dos meus sonhos. Então, nesse sentido de trabalhar novamente com uma banda, eu fico me perguntando: “Será que eu vou conseguir, em função dos Mutantes já terem me decepcionado?”
Foi isso que fez você arquivar o “OAEOZ”?
Contribuiu, mas no final não fui bem eu quem arquivou. Foi a diretoria da gravadora, que aliás na mesma época arquivou um primeiro da Rita com o Tutti Frutti, produzido pelo Liminha e que inclusive tinha uma parceria comigo. Eu também não entendo isso, mas quanto a show eu posso muito bem fazer um show sozinho – como bem fiz o “Shining Alone” em 1981, pouco depois de gravar o “Singing Alone”. Eu não sei se seguro a onda sozinho, mas hoje existe playback… Meus sonhos são mais de equipamentos que musicais, porque antes de pensar na música eu estou mais preocupado com a parafernália que preciso pra fazer a música dos meus sonhos.
Obviamente você não vive dos direitos autorais de suas músicas, e muito menos dos royalties de vendas dos discos dos Mutantes.
Não, até porque na época do meu acidente os discos dos Mutantes nem estavam em catálogo. Foi por isso que Lucinha entrou na história, levando-me para o seio de sua família. A gente mora num sítio da família em Juiz de Fora. Eu faço minhas pinturas e a idéia de pintar camisetas nasceu do fato de haver um preconceito por parte da panelinha dos artistas plásticos. Eu não tenho carreira, nenhuma galeria quer saber de mim. Pra eu fazer uma exposição, tem que haver um outro esquema. Como músico, eu tenho um nome, mas como artista plástico eu estou rastejando… Como eu desenho muito, a Lucinha teve a idéia das camisetas. Mas elas não pagam nossas contas, servem apenas pra divulgar meu trabalho. De qualquer forma, os direitos autorais estão começando a entrar…
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