Renato Ladeira conta tudo sobre a volta da lendária banda carioca.
Diversas bandas nacionais com raízes nos anos 60, e que só vieram a acontecer a partir da virada da década de 70, declaram que queriam ter chegado à Jovem Guarda. Os Mutantes, por exemplo. Muitas delas chegaram tarde, pois o programa que norteava o “movimento” acabou em 1968. The Bubbles seriam um caso ou vocês realmente estavam em outra, se norteando pelo que vinha de fora?
Nós realmente nos norteávamos pela cena do rock que vinha de fora, como aliás todos naquela época. Só que ainda não tínhamos experimentado compor, não sabíamos que éramos capazes, por isso a banda só cantava repertório estrangeiro. Mas tínhamos muita admiração pelo povo da Jovem Guarda justamente por fazerem um movimento no Brasil que intencionalmente era focado para a juventude. Por isso batalhamos muito para participarmos do programa e todos os outros também. The Bubbles participaram de alguns programas Jovem Guarda, inclusive em São Paulo, cantando musicas em inglês, pois ainda éramos uma banda que se espelhava nas bandas de fora. Lembro de um episódio na extinta TV Rio no posto seis em Copacabana. Havíamos acabado de tocar “Wild Thing” no programa Jovem Guarda ao vivo e na saída haviam muitas fãs e tivemos as roupas rasgadas, os cabelos puxados, até entrarmos no carro do meu pai. Quando chegamos em casa estávamos nos sentindo os Beatles.
The Bubbles eram liderados por dois filhos de César Ladeira e Renata Fronzi, duas personalidades do rádio, cinema e TV. Até onde isso foi bom ou, pelo contexto rebelde da época, foi de alguma forma ruim?
Era muito bom, por um lado, meus pais nos ajudavam a arrumar para tocarmos em vários programas de TV. Quanto a isso, com certeza foi ótimo. Mas a gente ficava incomodado, porque, no inicio sempre éramos apresentados como o conjunto dos filhos de César Ladeira e Renata Fronzi, queríamos ser conhecidos pelo nosso valor, mas como tudo tem que ter um começo, o nosso foi assim e foi muito bom. Com o tempo nós conseguimos conquistar o nosso espaço e tenho muito orgulho de ser quem eu sou e de ser filho deles.
Vocês fizeram um primeiro compacto pela Musidisc em 1966, que não aconteceu, e um tempo depois acompanharam Márcio Greyck num LP pra Polydor. Por conta desta aproximação, vocês chegaram a gravar – já no final de 68/ início de 69 – um compacto pra Polydor com “Ob-la-di, Ob-la-da” e “Honey Pie”, canções do “Álbum Branco” dos Beatles. O disco nunca foi lançado. Que lembranças você tem disso e por que acha que o disco jamais saiu?
Gravar um disco era o nosso objetivo inicial, mas apesar de não termos experiência foi muito legal. Com o Marcio Greyck foi fantástico, porque na época nos conhecemos no Quitandinha, ele passou a freqüentar os nossos ensaios e nos convidou para gravar com ele, topamos na hora. E eram musicas compostas por ele e o irmão que ele queria a sonoridade dos Beatles, que era a nossa especialidade na época. Foi incrível a experiência. Realmente depois a gravadora nos pediu para gravarmos “Ob-la-di, Ob-la-da” e “Honey Pie”, gravamos versões, ficaram ótimas e, realmente não sei porque eles não lançaram.
A frustração do não-lançamento daquele compacto contribuiu pra saída do César da banda na época ou ele realmente só saiu pra estudar cinema e teatro?
Não tive essa frustração pelo não lançamento, eu não tinha muita experiência com o mercado fonográfico, pra nós passou batido. César saiu para se dedicar mais ao estudo de cinema, estava namorando sério, nunca me falou dessa frustração também. E acredito que o Lincoln e o Ricardo pensavam da mesma maneira. Realmente ficamos muito tristes com a saída dele pois na época fazíamos muito sucesso nas domingueiras do Clube Monte Líbano.
Que lembranças você tem da participação dos Bubbles no filme “Salário Mínimo”? Lembra da(s) música(s)? Vocês entraram em estúdio para gravar aquelas canções que aparecem dublando ou vocês estavam realmente tocando no set de filmagens?
Meu irmão trabalhava como assistente de direção e nos convidou para participarmos do filme. Na época a banda era eu, Pedrinho, Arnaldo e Johnny. Gravamos num estúdio que ficava ali, atrás da Central do Brasil, se não me engano, estúdio da Somil, três musicas. As musicas eram “Get out of my land”, “The space flying horse and me” e “Flying on my rainbow”, todas compostas pelo Pedrinho Lima. A primeira abre o filme, a segunda aparecemos tocando (dublagem) e a terceira toca numa boate.
Você acha o fim da Jovem Guarda contribuiu para o fim, pelo menos mercadológico, de tantas bandas? Foram poucas as que sobreviveram à virada dos anos 70 e, convenhamos, a maior parte sobreviveu com bailes… e não com concertos, shows etc.
Na minha visão, acredito que realmente foi um baque para a industria fonográfica, mas tudo está sempre em eterna mutação, um dia você está no auge e no outro na lama. Não existiam rádios segmentadas tipo FMs, e eles se recusavam a tocar rock, salvo claro, raras exceções como Big Boy por exemplo. Era uma batalha árdua conseguir fazer um show. A gente saía de madrugada colando cartazes na cidade, éramos movidos por pura paixão pela nossa musica. Musico naquela época tinha que ser ao mesmo tempo, empresário, roadie, marketeiro, técnico de som, etc…
Como foi a transição de The Bubbles para A Bolha? Foi nessa época que vocês gravaram com Leno naquele álbum “Vida & Obra de Johnny McCartney” e acompanharam Gal Costa.
Nós estávamos fazendo o circuito de clubes, tanto na Zona Sul como na Zona Norte, com bastante sucesso, sem datas vagas. Em 1970 fomos convidados para acompanhar Gal Costa na boate Sucata. Depois disso Pedro, Arnaldo e Gustavo foram com Gal a Portugal, fizeram algumas apresentações em TV e depois foram para o Festival da Ilha de Wight onde viram apresentações históricas tais como, a última de Jimi Hendrix, a última de Jim Morrison, Free, etc… Na volta eles me falaram: “Agora só vamos cantar em português, vamos compor o nosso material e mudar para A Bolha”… Eu fiquei super empolgado, passamos um mês compondo e ensaiando nos estúdios da Cinédia, e viramos A Bolha. Depois fomos convidados pelo Leno e o Raul Seixas , que era seu produtor, para gravarmos com ele naquele LP. Foi muito legal.
Como vocês conheceram Gal Costa e que lembranças você tem daquela fase?
Fantásticas lembranças. Amadurecimento musical, pessoal, conhecimento de grandes músicos, tais como: Nana Vasconcelos, Marcio Montarroyos, Íon Muniz, Zé Carlos, alem de Jards Macalé que fez a direção musical do show e da Gal. E claro um reconhecimento de mídia que foi além do esperado.
A participação de vocês no festival de Guarapari é histórica, até porque teve muitas falhas no som etc. O show foi filmado para um documentário à época? Você chegou a ver ou sabe o que aconteceu com o filme?
Na real, nunca soube deste documentário, só sei que as falhas de som que você falou, não foram falhas. Os técnicos de som só apareceram meia hora antes de começar o show e nós tínhamos montado uma parede de caixas de som que impedia a visão da cabine de som que eles montaram atrás do palco. Nunca vi isso, atrás do palco….? como eles poderiam operar o som….? Bom, o que aconteceu é que quando a gente começou eu entrei pulando e girando o microfone como Roger Daltrey (The Who) e eles desligavam a geral da eletricidade. Nós tentávamos voltar, eu girava novamente o microfone….eles desligavam a luz…..foi uma piada. Até que eu fiquei um pouco mais comportado e eles deixaram a gente continuar o show.
Fomos convidados para participar em 1971 interpretando a musica “18 e 30” de Eduardo Souto Neto e Geraldo Carneiro. Quando ouvimos pela primeira vez a musica ligamos pra eles e falamos que a gente só tocaria se pudesse ter a liberdade de fazer um arranjo ao nosso estilo. Eles concordaram e foi o máximo. Maracanãzinho lotado, o publico na grande maioria conhecia a gente das apresentações pelo subúrbio do RJ, fomos ovacionados mas a musica não se classificou para a final. Dias depois recebemos um telefonema para comparecermos no dia da final para receber o prêmio de melhor conjunto do festival, fechando com chave de ouro nossa participação. No ano seguinte, com outra formação interpretamos a musica “Liberdade, liberdade” com outra formação, com Marcelo Sussekind no baixo.
A Bolha chegou ao primeiro LP somente em 1973. Por que você acha que demorou tanto? O álbum não aconteceu, você acabou indo tocar com o Bixo da Seda e teve pouca participação, apenas como compositor, do álbum “É Proibido Fumar” de 1977? O que rolava nesta época?
Sempre participei do grupo, mesmo estando distante. O álbum “Um passo a frente” de 1973 marca a mudança da banda para um som um pouco mais progressivo. Nós não pensávamos em fazer musica para vender discos, a gente queria fazer o nosso som. Talvez por isso, aliado à divulgação ineficiente da gravadora, que o álbum não aconteceu. Mas a gente continuou insistindo, fazendo shows no Teatro Teresa Raquel, em vários lugares, sempre melhorando os equipamentos e nos aprimorando mais como músicos. Deixei a banda em 1975, acompanhei alguns artistas para ganhar a vida e fui convidado por Mimi Lessa para gravar com eles o disco do Bixo da Seda e seguir fazendo shows. Foi o que aconteceu até a hora que eles voltaram pro Sul por falta de shows e estrutura para se manter. E eu fiquei por aqui. Ao mesmo tempo A Bolha tinha gravado o LP “É proibido fumar”, tinha feito alguns shows com o Erasmo e me convidaram para voltar. Na mesma hora lá estava eu de volta ao “lar”.
Que lembranças você tem da época em que a banda acompanhava Erasmo Carlos em shows?
Era muito bom. A gente abria o show e depois acompanhava o Erasmo. Era fantástico. Até o Erasmo parar quase com estafa.
Em que momento A Bolha acabou? Como isto se deu?
Acho que foi nessa época. Não lembro ao certo, porque coisa boa a gente guarda pra sempre, o ruim esquece.
O Herva Doce surgiu quase acidentalmente depois disso ou foi seu surgimento que encerrou definitivamente a história da Bolha no início dos anos 80?
Não existia mais a banda, eu trabalhava na TV Bandeirantes como diretor de tv quando Marcelo Sussekind me chamou pra ver um show do Roupa Nova. No meio do show, numa musica só à capela eu levanto da cadeira assustado e grito: “Essa musica é minha”. Super contente, quase chorando, muito emocionado mesmo. Acabando o show Marcelo me convidou para fazer umas gravações com ele no estúdio do Chico Batera que ele trabalhava como técnico. Assim começou o Herva Doce.
Você trabalha com produção musical há três décadas. O mercado têm períodos propícios para bandas, que vão e vêm. A Bolha chegou a pensar em se reunir há aproximadamente 10 anos, mas na época você estava muito envolvido com produções. Que produções suas mais importantes você destacaria nesses mais de 25 anos como produtor?
Trabalhei mais de dez anos como produtor musical da TV Globo fazendo trilhas de Novelas e produção de programas e espetáculos. Como produtor de discos, existem algumas produções que me orgulho de ter feito. 14 Bis, Yahoo, Biafra, Ritchie e Gugu Liberato, entre outros.
A Bolha começou a gravar seu recém-lançado CD em 2004, antes mesmo do revival “ploc” dos anos 80. Isso foi uma boa desculpa pro Herva Doce não participar do recente oba-oba 80s? Ou até teria dado pra conciliar?
Não sei. Não recebi nenhum convite para participar de festa “ploc”.
A faixa nova, que abre a trilha sonora de “1972” foi uma encomenda para o filme ou o diretor a escolheu dentre as já gravadas em 2004 para o CD que só agora saiu?
Quando entramos em estúdio para gravar as musicas para o filme o José Emilio foi até lá e ouviu “É só curtir”, viu a letra original carimbada como vetada pela Censura Federal e nos falou na hora que a musica iria abrir o filme.
O filme “1972” é um estímulo pra volta da banda aos palcos? Mercadologicamente falando, ajudou na negociação com a Som Livre? Vocês pretendem continuar com a banda indefinidamente ou é apenas um projeto pra matar a saudade? Gustavo está novamente com A Cor do Som, Arnaldo tem sua carreira e Pedrinho toca numa banda cover dos Beatles. O que você tem feito nos últimos tempos, em termos de produções?
Claro que é um estímulo, não só para nós como para várias bandas que estão na trilha do filme. E com certeza ajuda em qualquer negociação, são produtos linkados. Gosto muito de tocar com eles, só o tempo dirá. Eu tenho um estúdio que faz trilhas para publicidade e TV em geral.
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