Entrevistas

Sérgio Hinds: tudo sobre O Terço

Em entrevista exclusiva a Marcelo Fróes e Nélio Rodrigues, com uma participação de Emílio Pacheco, realizada para o International Magazine no Hotel Meridien de Copacabana, na noite de 10 de julho de 1996, Sérgio Hinds contou tudo sobre o início do Terço, banda que tem suas origens nas garagens jovenguardistas dos anos 60.

Seu primeiro grupo foi o Hot Dogs, em 1966, com Paulinho Jobim, primo do Tom, na bateria. Você uma vez comentou que naquela época o grupo aparecia mais na televisão do que O Terço conseguiu em toda a sua carreira. Por quê?

Na década de 70, o rock ficou num esquema meio underground e meio maldito. As empresas tinham medo. Na época em que a Rita Lee descolou o patrocínio das calças Lee, ela foi presa no camarim e deu aquele puta rolo. Cancelaram o patrocínio e deu uma merda fodida no mercado. Era difícil conseguir patrocínio, até para cartaz e para show. Em compensação, naquela época tinha muito público mesmo. A gente botava 15 mil pessoas! A produção era caríssima, tinha 5 iluminadores e iam duas jamantas com equipamento. Tinha muito público pra show. Neguinho dormia, chegava às 9 horas da manhã com mochila, na porta do ginásio, pra assistir a um show às 9 da noite. Tinha uma curtição. Naquela época a gente não fazia televisão, quase não tocava no rádio mas tinha esse público. Aliás, não só nós; éramos nós, Mutantes e Som Nosso de Cada Dia. A gente tinha um puta público pra show mas não fazia parte da grande mídia. Jamais íamos na TV Globo…

Quer dizer então que o Hot Dogs foi fixo no programa do Flávio Cavalcanti?

É, teve uma época em que rolou isso. A gente até tinha um programa de rádio chamado “Hot Dogs Show”, na Rádio Roquete Pinto. A gente apresentava bandas.

E quanto ao Vinícius Cantuária e o Jorge Amiden?

Existia um grupo que era bem coligado e amigo, que era o Joint Stock Co., do qual faziam parte Vinícius Cantuária, Jorge Amiden, César das Mercês, Sérgio Magrão e mais um guitarrista, que mais tarde foi diretor de programação do Aeroanta.

E quem era o baterista?

João, um cara que sumiu do mercado. Depois, teve Mário Celso, um outro cara que também sumiu.

Foi daí que surgiram Os Libertos?

Foi um grupo com o qual a gente viajou pro Mato Grosso. Esse grupo era formado por mim, pelo Jorge, pelo Vinícius e pelo João, além de um outro cara. A gente viajou, fez uns shows e pá pá pá. O Terço surgiu assim: a gente tava fazendo shows lá no Mato Grosso e eu vim pro Rio, pra entregar uma kombi. Eu estava passando pela Avenida Rio Branco e, ao final da avenida, vi o Paulinho Tapajós na esquina, querendo pegar um táxi. Eu o conhecia por causa do Paulinho Jobim, pois eles eram amigos e moravam perto. Eu falei: “E aí, cara? Quer carona?” Ele entrou na kombi e falou: “E o grupo? Como é que tá?” “Estou lá no Mato Grosso, fazendo show, mas o grupo tá demais”. Ele falou: “Olha, eu tou fazendo minha primeira produção lá na Phonogram, Ivan Lins. Pô, a gente podia ouvir o trabalho de vocês. Quem sabe?” Marcamos e foi ele e um outro cara que foram ao nosso ensaio, ouviram e começaram o negócio. Pra surgir um nome, foi assim: tinha uma amiga do Paulinho Tapajós que fazia publicidade. Ela sugeriu vários nomes. Primeiro saiu Santíssima Trindade. A Censura vetou…

Mas Os Libertos também haviam sido censurados, não?

Também.

Vocês iam gravar pra Forma já como Os Libertos, certo? Na hora de pensar em lançar o primeiro disco, é que vocês foram mudar o nome?

É, aí essa menina sugeriu O Terço. Porque era um trio e também porque a idéia de Santíssima Trindade devia-se ao meu apelido ser Jesus Cristo. Ivan Lins me chama de Jesus até hoje! Eles me chamam só de Jesus… E eu parecia mesmo! Tinha um quadro da minha tia que era igual! Eu usei uma puta barbona por sete anos. E os outros também usavam uns puta cabelões e tal, pareciam uns apóstolos. Foi daí que surgiu a idéia de Santíssima Trindade. Era um negócio pra chocar mesmo, mas aí a Censura também vetou. O Terço também sugeria um pouco isso. Era um trio e também o terço do rosário é um símbolo de união. A gente passou a usar o terço como um símbolo. Toda capa de disco tinha sempre um terço, de alguma forma. O nome surgiu desse jeito.

César das Mercês participou daquele primeiro álbum?

Não, mas tinha uma parceria. Ele já estava envolvido, já era amigo. Porque ele cantou no Joint Stock Co. junto com o Vinícius. Os dois eram cantores do Joint Stock Co.! (…) Com aquele nosso primeiro disco, tivemos um compacto da Forma em 1970, com Velhas Histórias – música com a qual a gente ganhou o Festival de Juiz de Fora. O primeiro show de O Terço como O Terço e ao vivo foi neste Festival de Juiz de Fora. E a gente ganhou o festival, o que empolgou mais ainda a gravadora. Foi aí que as coisas começaram a rolar mais. E também a gente virou “pé quente” de festival: todos os compositores queriam que a gente os representasse. A gente conheceu o Flávio Venturini defendendo uma música dele e do Vermelho no Festival de Belo Horizonte, que a gente ganhou.

Depois vocês também foram pro FIC, né?

É, duas vezes. Tiremos terceiro lugar com Tributo Ao Sorriso numa edição e quarto com Visitante, na outra.

Visitante saiu num compacto-duplo que curiosamente já veio com uma música do Ivan Lins. Jorge Amiden parecia ser um excelente compositor. Por quê ele saiu logo depois?

Teve uma briga mesmo, na época. Tipo assim, ele queria fazer um negócio e a gente queria fazer outro. Pintou uma briga e ele saiu. E aí, nunca mais… Mas depois disso a gente ainda continuou amigo, ele foi pra São Paulo pra trabalhar num estúdio. Depois eu nunca mais o vi, o último contato que tive foi com seu irmão… Já faz muito tempo. Ele sumiu do mercado.

Também teve uma época em que você saiu do conjunto, ainda que por um curtíssimo período.

Eu não cheguei a sair do conjunto. O grupo tava fazendo pouco show e aí o Ivan me convidou pra gravar o disco dele e fazer a excursão. Eu fui… e aí o grupo ficou parado; quer dizer, não ficou parado, não teve show. Quando tinha show, eu estava.

Amidem foi então o primeiro a sair, do primeiro pro segundo disco?

A primeira grande mudança em O Terço foi a saída do Jorge Amiden.

E o “Som Livre Exportação”?

Era o programa do Ivan Lins e a gente o fez duas vezes. Inclusive, nós saímos em dois volumes daqueles discos do “Som Livre Exportação”.

Entre o primeiro disco e o segundo, que só saiu em 1973, vocês fizeram muitos shows. Aquele segundo disco já representou uma guinada, né?

Sim, foi eu, Vinícius e César das Mercês, naquele disco que saiu pela Continental. Inclusive ele já tinha uma viagem legal de progressivo, com aquela música Cores.

Taí a grande diferença para o primeiro disco. Essa mudança deve-se a quê?

Toda vez que a gente mudava a formação, também mudava um pouco o formato. Porque todo mundo vinha com uma contribuição musical, de composição e tal. Normalmente era assim. Por exemplo, César de Mercês era um cara que tava meio em casa, compondo pra caramba. Na hora em que entrou para o grupo, veio com uma bagagem de composição. Flávio Venturini, a mesma coisa. Ele tava lá em Minas, só compondo; e, na hora em que entrou para a banda, veio cheio de música. Então aí O Terço ficou a cara do Flávio Venturini, naquela época. Ele veio com uma bagagem musical enorme…

Por quê vocês saíram da Forma? O primeiro disco teve problemas de distribuição?

A gente saiu por uma bobagem. A gente ia fazer uma excursão pelo Brasil inteiro e eles programaram fazer um compacto. A gente foi pro estúdio, gravou o compacto só por causa dessa excursão e eles não lançaram o compacto. Nós viajamos, caímos na estrada e não tinha o compacto em lugar nenhum. Não foi chegando e não chegou.

Ele nunca saiu?

Não. Nem me lembro se ele saiu depois… Na verdade, a briga foi essa. Nós saímos de lá por causa disso. Esse foi o motivo.

Mas Tributo Ao Sorriso ainda saiu pela Forma. Como é que foi a experiência de tocar no FIC? Ele parecia ter muita importância naquela época.

Tinha, revelava mil artistas e compositores. Era um negócio muito forte do cenário musical… mundial até, porque vinham os caras internacionais.

Aquilo rendeu algum fruto de início de carreira internacional?

Ainda não. (…) Minto, minto. Tributo Ao Sorriso foi gravado na Alemanha, teve umas gravações dessa música. Além disso, teve uma coisa interessante com essa música: ela foi considerada a melhor música do ano. Tá lá no Museu da Imagem e do Som…

Ela foi classificada em 3º lugar, tendo sido a primeira com a qual vocês participaram do FIC.

Visitante já foi no ano seguinte.

Adormeceu tem influênca de Bach e no próprio compacto-duplo vocês tocam um minuto e pouco da “Suíte em Ré Maior”. Fale um pouco sobre essa influência da música clássica.

Cara, eu acho que a gente sempre gostou do progressivo, que na verdade é um passeio por vários estilos. Na Europa, o rock progressivo é chamado de rock sinfônico, né?

Quem te influenciava naquela época?

Eu ouvia música clássica… porque meu pai ouvia música clássica. Então a gente curtia música clássica. Eu sempre achei que na verdade o clássico tem a ver com o rock, porque essa coisa de você pesar o som e ser agressivo em determinados momentos não existia na MPB. A Bossa Nova nunca tinha agressividade, ela era sempre uma coisa suave. O rock tinha agressividade e o clássico também. Eu sempre imaginei essa união e já tinham grupos começando a desenvolver esse trabalho – Yes, Pink Floyd e o cacete. Eles faziam aquelas putas viagens, faziam frases eruditas. Yes, Pink Floyd, Genesis e Emerson, Lake and Palmer, eles têem um monte de frases eruditas no trabalho deles. Se vocês forem ver… Pega qualquer maestro, que o cara vai falar. Essa paixão pelo rock progressivo vem desde essa época, pois naquela época a gente nem tinha noção do que estava fazendo. Não tinha nem título de rock progressivo. Ninguém sabia exatamente o que estava fazendo. Todo mundo pesquisava, inventava coisas. Era uma liberdade musical total.

No segundo disco, constam algumas parcerias com um certo Ezequiel. Era o Ezequiel Neves, né? Além disso, você gravou coisas do Guarabyra e do Renato Correa. Além disso, a formação clássica de O Terço tem uma forte ligação com Sá & Guarabyra, né?

É. Independente das condições artísticas e de show, a gente foi pra São Paulo porque existia uma proposta do estúdio do Rogério Duprat e de Sá & Guarabyra. Eles estavam juntos num estúdio e a idéia era a gente gravar jingles, para ganhar uma grana extra durante a semana.

Nessa época, vocês já gravavam os vocais em falsete. Antes mesmo da entrada do Flávio Venturini. Será que ele entrou exatamente porque cantava neste estilo?

Não, o negócio dele foi assim. Nós ligamos pro Milton Nascimento, pedindo recomendação de um tecladista. Ele recomendou o Flávio. Só que nessa época nós já o conhecíamos. Nós já havíamos defendido sua música e já tinha ganho o festival. Só que nós nunca mais havíamos visto o cara. Dois anos depois, ele o recomendou. Nós não ligamos o nome à pessoa. Ele chegou em São Paulo, de malinha e cuia e tal. Ele foi pro estúdio onde nós estávamos ensaiando e ficou que nem um mineirinho, esperando acabar o ensaio com sua malinha. Quando nós fomos falar, lembramos de tudo. Era ele e ele ficou.

Aí vocês já haviam saído da Continental?

É, mas eu não sei porque a gente saiu da Continental. A Copacabana foi super-legal pra gente.

O “Criaturas da Noite” já estava pronto, né? Parece que vocês bancaram o projeto…

Isso mesmo, a gente gravou e já chegou na Copacabana com o disco pronto. Quem negociou foi um empresário, na época o Mário. Eu acho que ele contribuiu muito para o sucesso de O Terço, naquela época. Eu acho que o empresário tem uma função super-importante, é ele que leva o artista pra outros lugares dentro do país. O Brasil é um país muito grande.

Este disco fez com que vocês fossem eleitos pela crítica especializada como o melhor conjunto de 1974. Nesta época, surgiu a notícia de que havia um interesse de ver o disco regravado em inglês, para lançamento internacional.

Na época, logo em seguida, a gente já o regravou em inglês. Só a voz foi regravada. As diferenças existentes são devidas à materização. Foi lançado no Chile, na Argentina e na Europa – Itália, Portugal e, anos depois, um selo chamado Vinyl Magic o relançou em CD, juntamente com “A Casa Encantada”. A gente fez um show no Luna Park de Buenos Aires, para 11 mil pessoas.

As pessoas já o conheciam bem?

Foi uma loucura, porque a cultura do argentina é copiada da Europa. Enquanto a gente copia o americano, ele copia o europeu. Eles lêm muito e tinha uma revista que dissecava a nossa carreira, falando tudo. Tanto é que no camarim ficou uma puta de uma fila. O pessoal veio conversar com a gente, perguntando mil detalhes de coisas que nenhum brasileiro perguntava. A gente ficou espantado com isso.

Vocês voltaram?

O mercado não estava tão aberto quanto está agora. A gente também fez show em Rosario. Mas foi só na Argentina, apesar de ter saído na imprensa um monte de coisas que não se concretizaram. Chegou a sair que a gente tinha ido fazer uma excursão pela Europa, mas a gente não tinha ido porra nenhuma. Eu me lembro bem disso.

Na época do “Criaturas da Noite”, quando vocês já estavam sob nova formação, vocês estavam fazendo turnês com os Mutantes. Numa delas, após os sets de cada banda, vocês se reuniam para tocar músicas dos Beatles? Foi gravado pela TV Bandeirantes.

É, e um áudio disso chegou a ser gravado. Mas eu não sei onde é que foi parar. Foi uma coisa do Estúdio Vice-Versa, uma iniciativa de Marcus Vinícius – técnico de som que virou diretor comercial da Warner, durante um tempo. Ele morreu de overdose… Eu não sei onde é que esta fita foi parar. Ninguém nunca a procurou, não houve interesse de nenhuma das partes.

Como é que eram estas excursões com os Mutantes?

Naquela época, aconteciam muitos festivais de rock. Era costumeiro você pegar um ginasião e botar Mutantes, O Terço, Som Nosso de Cada Dia e Secos & Molhados. Depois que a Rita se separou dos Mutantes, também tinha Rita Lee. Existia um bando que andava junto e fazia shows em conjunto. Um dos incentivadores e produtores destes eventos era o próprio Mário, nosso empresário. Ele montou vários shows grandes. Dava o maior pé, enchia e chapava.

E quanto à saída do Vinícius Cantuária?

Ele tinha umas propostas e oportunidades, como foi a proposta do Caetano – que foi uma puta oportunidade. E a gente não estava numa fase muito boa, não tava rolando muita coisa. Isso também é um problema. No Brasil, você sobe e desce morro um monte de vezes. O quê acontece? Se você está num grupo e de repente param os shows e não rola grana e nem nada, você começa a olhar pro outro lado. Eu ainda consegui manter o grupo porque eu sempre mexi com outras coisas. Desde 1972 eu mexo com publicidade. Então eu sempre tive uma alternativa de sobrevivência, independente do grupo, o que não acontecia com a maioria dos músicos. Se O Terço ficava parado, o cara ficava puto porque não tinha trabalho e nem como sobreviver. Ele ia procurar outra alternativa, tentar outras coisas.

Principalmente porque vocês sempre levavam um longo período entre cada disco.

A nossa média era de dois em dois anos.

A saída do César rolou antes do “Criaturas da Noite”, mas o disco ainda trouxe parcerias com ele.

Na verdade, a maioria dessas mudanças não rolou com briga. Por exemplo, o Franklin também tocou no disco que a gente fez na Warner. Depois, ele saiu de O Terço e agora voltou, pra fazer dois discos com a gente: “Time Travels” e “Live At The Palace”. Ele saiu de novo… porque eu não aguentava as duas horas que ele nos fazia esperar! (risos) Mas ele continua super-amigo da gente. São contingências da vida, né?

“Mudança de Tempo” é o único disco da Copacabana que não foi relançado em CD na Itália. No Brasil, a Movieplay aproveitou apenas a capa, para fazer uma coletânea. Você acha que isso é devido às críticas da época, em função das mudanças decorrentes da saída de Flávio Venturini?

Eu acho que sim. Eu também não curti muito ele como disco, eu acho que não foi um puta disco. Então eu acho que ele não deu certo em nenhum sentido. Quer dizer, não deu certo nas vendas, na divulgação…

Porque de repente a Copacabana talvez também não estivesse mais dando tão certo… 

Também! Já existia um desgaste com a própria gravadora.

Naquela época, rolou um boato de que vocês gravariam um disco ao vivo com a Orquestra Sinfônica do Rio de Janeiro.

Isso, existia um projeto. Este projeto é muito antigo. Inclusive, eu falei nele em São Paulo, quando a gente tava batalhando para fazê-lo. Eu estava com este projeto engavetado, morto mesmo. Na época, a gente não conseguiu tocá-lo no Rio. Paulo Moura estava envolvido e Júlio Medaglia também. A gente vinha tentando, vinha buscando patrocínio mas não conseguia. Não conseguíamos nem orquestra. Só viríamos a realizá-lo anos depois.

Por que somente em 1983 você voltaria a lançar um disco de O Terço? Você havia abandonado O Terço, como um projeto de banda?

Não. Na verdade, quando O Terço parou em 78-79, foi por um desgaste geral… de cansaço mesmo. Naquela fase, a gente fazia uma média de 150 a 200 shows por ano. A gente estava de saco na Lua, eu não sabia onde é que eu morava. Eu não aguentava mais. De 74 a 79, a média foi de 150 a 200 shows por ano. Foram muitos anos seguidos de vida na estrada, o tempo todo.

As gravadoras não estavam pressionando naquele final dos anos 70, para que vocês mudassem um pouco o estilo?

Nada disso. Olha, veja bem, no finalzinho a gente presenciou o começo da dance. Talvez por isso tenha ficado esse espaço em branco. Não tinha mercado pra eu aparecer de novo com O Terço. E aí eu inclusive tentei – na verdade, nem tentei, apenas tive vontade de fazer – algumas coisas. Fiz um negócio, que foi uma puta cagada musical. Eu morava no Rio de Janeiro, na Barão de Macaúbas – que é uma ferradura debaixo do Morro de Santa Marta. Fui criado ali e tinha um envolvimento com o samba, porque as escolas-de-samba desciam para ensaiar na minha rua. Os meus primeiros instrumentos foram os de percussão e tal. Aí, porra, eu sempre tive vontade de misturar. Quando eu entrava no meio de uma bateria de escola-de-samba, aquilo me contagiava… Era emocionante e eu também achava que aquela porra tinha a ver com o rock’n’roll. Eu falava: “Pô, vou misturar essa merda”. Mas eu fiz uma grande cagada porque – veja bem – o público inteiro esperava que Sérgio Hinds se lançasse sozinho fazendo o som de O Terço, que era sua característica. Afinal, o grupo tinha uma forte contribuição minha: o som da guitarra, o jeito de compor etc. Então eles esperavam que eu fizesse aquele som… e não que eu viesse misturando samba com o cacete! (risos) Foi aquele delírio e naquela época eu tava cagando pra marketing, tava cagando pra tudo. Eu fazia o que dava na veneta. Aí eu fiz um disco completamente fora…

O quê você achou do 14 Bis, grupo que o Flávio Venturini lançou naquela época?

Ah, eu gostei… Eu sempre gostei do 14 Bis.

Você nunca foi convidado para o grupo?

Não, não. Porque aquilo até envolvia um sonho do Flávio de tocar com seu irmão na guitarra. Na verdade, a história de bastidores que eu sei é a de que o Flávio ia lançar um disco solo e na última hora tirou o pé do acelerador. Eles resolveram montar um grupo, pois ele achava que ainda não estava pronto pra lançar-se sozinho. Sua carreira solo viria a concretizar-se mais na frente.

Por quê então O Terço voltou em 1983?

Na verdade, na minha cabeça O Terço nunca havia acabado. Eu sempre achei que iria continuar com O Terço o resto da vida. Eu sempre amei fazer grupo e tocar em grupo, muito mais do que qualquer coisa. Eu sempre achei que eventualmente poderíamos mudar. Eu sempre vou estar com O Terço vivo, fazendo shows e discos. Até porque, como eu sempre fui super-honesto nos discos – com relação à musicalidade – e todo mundo sempre respeitou isso, apesar das mudanças de O Terço, nós sempre fomos respeitados… pelas gravadoras e pelo público. Nunca fomos grandes vendedores de discos, nunca fomos um puta sucesso, mas sempre existimos no meio. Sempre conseguimos um patamar legal. Eu tenho uma abertura legal nas gravadoras, não tenho grandes dificuldades em gravar e lançar discos e nem em fazer shows. Sempre temos público. Vou seguindo.

Quando vocês voltaram em 83, o disco contou com uma parceria desconhecida. Mas teve uma série de parcerias com Vinícius e Amiden. Eram sobras ou durante a parada vocês encontraram tempo para compor?

Não, foram feitas especialmente para o disco.

Mas só Vinícius fez uma participação. Vocês não tiveram vontade de aproveitar para remontar o grupo?

Nesse meio de campo também teve vezes em que a gente se encontrou com o Flávio e o Magrão. A gente chegou a falar em voltar àquela formação “original”, que não era a original mas que foi a que ficou. Mas todo mundo tava sempre fazendo coisas. O momento já tinha passado, seria difícil voltar a ser o que era.

Existe alguma idéia de show ou disco em que todos se reuniriam?

A gente já conversou isso várias vezes, mas é difícil de concretizar. Agenda de todo mundo, arrumar quem queira investir, a gente ter tempo para ensaiar, fazer os arranjos etc.

Depois você levou mais um monte de anos para lançar o próximo disco. De 83 a 90, mais um espaço enorme. Você não estava tão cansado do grupo, estava?

Foi mais por falta de oportunidade. Agora tá mais frequente, tá mais regular! (risos)

E o De Boni? Quando entrou?

Ele entrou no “Time Travels”, idéia que surgiu do André – um cara que sempre foi nosso amigo e que sempre esteve com a gente na década de 70. Uma vez a gente estava conversando e ele falou que estava querendo montar um selo, para distribuí-lo no mundo inteiro. “Pô Serjão, por que você não faz um disco bem progressivo mesmo?” Eu falava: “No Brasil não tem mercado pra isso!” Ele disse: “A gente faz um disco só pra lançar no exterior!” Eu estava sem tecladista, então ele me apresentou a um amigo seu – o De Boni, que eu já conhecia de vista. Quem havia feito a capa do “Mudança de Tempo” é Zé de Bone, irmão dele. (…) Aí a gente remontou O Terço, voltando o Franklin.

E quanto ao disco?

Quando o De Bone entrou e a gente fez os primeiros ensaios, Flávio Pimenta pirou. Não achou que o projeto era legal, havendo uma dissidência. Ele saiu, o outro saiu e aí a gente teve que reformular O Terço. No primeiro dia de ensaio, rolou tudo isso. O “Time Travels” foi algo que nós sempre quisemos que fazer, só que teve que ser voltado totalmente para o mercado internacional. (…) Entrou legal nos Estados Unidos e no Japão, mas nos Estados Unidos nada. O mercado americano é muito difícil.

Alguma possibilidade de show na Europa?

A gente tentou, cara. Mas não rolou.

Depois rolou o “Live At The Palace” e agora temos “Compositores”. (…) E quanto aos relançamentos dos discos originais de O Terço em CD?

Sabe o que é que é? O negócio é o seguinte: o mercado do disco nunca me deu grana. Nunca. A grana sempre foi ridícula, mesmo naquela época. Então eu nunca me preocupei. Todo mundo tem a consciência de que grava disco para usá-lo como argumento para fazer show e ganhar dinheiro. Ninguém nunca ganhou dinheiro com disco. Ganha-se dinheiro com disco se ele vende milhões de cópias. E no Brasil, como toda empresa subfatura tudo e a gente não tem controle sobre o número de discos, o lojista liga pra gravadora e pede: “Olha, me veja aí 50 discos do fulano!” O vendedor pergunta: “Você quer nota de quanto?” “Ah, de dez!” Vai pagar o artista em cima de quê? Dos dez, né? O grande rolo de que todo mundo reclama é o subfaturamento.

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Jose Carlos Almeida

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