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Marcelo Fróes relembra o dia em que George Martin esteve no Brasil

O produtor Marcelo Fróes, tradutor do livro “Paz, Amor e Sgt. Pepper” e responsável pela vinda de George Martin ao Brasil, fala sobre o seu mestre e inspirador.

Quando encontrei Derek Taylor na EMI de Londres em 1992, ouvi algo que nunca esqueci: “Se você quiser estar com um artista, a melhor forma é através do trabalho”. Entendi muitas coisas nas entrelinhas, e cada vez entendo melhor. Nunca me iludi, sei diferenciar amizade do coleguismo que brota de projetos e que estes às vezes se prolongam ou desdobram. E existem influências, referências, mestres, gurus, como prefiram chamar.

Há anos concluí que os Beatles são para mim a influência pessoal mais importante depois de meus pais. Pode soar piegas, mas é realidade inegável quando vejo que nenhum professor engraçadinho ou qualquer outro contato da adolescência deixou essa certeza. E há muito sei também que George Martin é uma forte referência nesses mais de 20 anos de atividade musical, como são Renato Russo, Gilberto Gil, Zé Ramalho e Erasmo Carlos, dentre outros.

Conheci George Martin em Londres em 1992, quando preparava um livro sobre os Beatles com Ricardo Pugialli para o grupo Jornal do Brasil. A EMI havia pedido que ele nos concedesse uma entrevista… e ele simplesmente negado. Um VP da gravadora explicou que havia uma treta contratual entre eles e que deveríamos pedir pessoalmente. Redigi na hora uma carta e a mesma seguiu por fax. Alguns dias depois, na véspera de nosso retorno, o telefone tocou no quarto e era Judy Martin, esposa de George, informando que por sorte o apartamento deles era praticamente vizinho ao nosso hotel em Lancaster Gate, e que na manhã seguinte George apareceria para uma prosa de 15 minutos antes de seguir para o estúdio. Dito e feito, às 9 da madrugada já esperávamos que algum Rolls Royce fosse encostar. Estávamos tão distraídos com o movimento dos carros que nem vimos sua aproximação solitária pela calçada. Ele diagnosticou os dois beatlemaníacos de longe com certeza, e veio direto. Tinha 20 minutos mas ficou quase uma hora, e o bate-bola ocupou a parte inicial do livro “Os Anos da Beatlemania”, lançado para os 30 anos de sucesso dos Beatles ainda naquele ano.

George não sabia que sua “Pepperland” havia ficado popular no Brasil anos antes, ao ser gravada por Robertinho de Recife e usada na trilha de uma novela. Prometi o disco e, na volta, procurei o guitarrista e peguei um CD. Conversamos sobre os concertos esporádicos que George fazia com orquestras mundo afora e disse que seria interessante pensar em trazê-lo, então Robertinho sugeriu o Projeto Aquarius e marcou um jantar em sua casa para apresentar-nos. Um ano depois George Martin desembarcou no Rio para um concerto na Quinta da Boa Vista. Na mala trouxe-me de presente um exemplar da primeira edição de sua autobiografia “All You Need Is Ears”, que na era pré-Internet eu não conseguira achar pra comprar. Na dedicatória, “an old book, by an even older writter”

Super profissional, George nem quis saber de provar a culinária brasileira. Tinha medo de passar mal e perder algum ensaio durante a semana, então apesar de curioso pelo doce de leite nem quis provar, ao fim de um almoço de domingo no Iate Clube. Passeou num barco de Roberto Marinho pelas Ilhas Cagarras, conheceu a feira hippie de Ipanema. Tudo muito bom, tudo muito bem, mas ao começarem os ensaios com a OSB não demorou muito e ele desceu do palco e veio pro fundo da plateia vazia da Sala Cecília Meirelles, onde eu estava, para ver se havia algum problema na acústica. Mas não, o problema não era esse e ele comentou muito discretamente: “This orchestra is not very good”.

Essa frase ecoa até hoje, morri de vergonha e ele registrou em sua autobiografia “Playback” (2002), da qual colaborei com algumas fotos. Músicos da OSB pareciam não ter ensaiado, apesar dele ter mandado uma mala cheia de partituras com seus arranjos originais para os clássicos dos Beatles. Uns ficaram brincando durante o ensaio, outros levantaram quando deu meio-dia porque tinham que almoçar e/ou buscar o filho na escola. E aí, apesar do ensaio geral bastante satisfatório da véspera do concerto, quis o destino que no dia chovesse sem parar e a orquestra não pudesse subir ao palco – projetado sem teto! Após algumas longas horas de inútil espera, George Martin entrou na ducha e regeu as Meninas Cantoras de Petrópolis, acompanhadas – numa tenda improvisada – pela banda formada por Robertinho de Recife, Giles Martin e algumas feras. Após o concerto, jantar na Churrascaria Gaúcha na Tijuca, e no dia seguinte um jantar na Mariu’s para apresentá-lo a Tom Jobim.

Ao longo dos anos mantive contato com George e na verdade o visitei no estúdio todas as cinco vezes que fui a Londres. Até hoje. Tive sua autorização para traduzir dois de seus quatro livros, “Summer of Love” e “Making Music” (parte), e vê-lo trabalhar no projeto Anthology na Abbey Road em 1995 me fez mergulhar de cabeça nisso que faço há 20 anos – revirar arquivos, aproveitar sobras etc. Há anos não vou a Londres e mantínhamos contato por email – substituindo os cartões de Natal manuscritos por Judy Martin. Sempre mandava uma mensagem geral de Natal, Ano Novo e aniversário, e ele ficava feliz das pessoas lembrarem de sua data. No último final de ano, quando ele se preparava para fazer 90 anos em janeiro, mandei email e um sedex com o livro de fotos de Lizzie Bravo. Estranhei o silêncio dos Beatles por ocasião da data especial e, como pela primeira vez ele também não respondeu, temi por sua saúde. Então de certa forma não me surpreendi com a notícia de ontem, embora tenha representado muito e aberto um baú de lembranças.

Comentários

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  • Além dos Beatles,duas pessoas foram de grande importância em suas carreiras.A primeira foi Brian Epstein ,o seu descobridor e empresário, e George Martin,produtor e grande arranjador das músicas dos Beatles.Martin foi o quinto Beatles,sem dúvida,pois esteve junto com eles em todas as suas gravações,só não produziu o àlbum ” Let It Be “.Ele foi o lapidador destas músicas maravilhosas que foram feitas para a eternidade.
    Enquanto houver música neste Mundo,a música dos Beatles será sempre a referência,e voce,George Martin fez parte desta história.Obrigado,vá com Deus e descanse em paz.