Roberto Carlos: Papo Sério
Por Tom Neto
A cada final de ano, diante de um novo CD de Roberto Carlos, pululam na imprensa comentários lapidares do tipo: "a capa é azul, igual a dos outros anos". Ou: "o título é 'Roberto Carlos', somente". Ou ainda: "ele não apresentou nada de novo". Análises desse tipo são absolutamente vãs, quase pueris.
A capa do disco recém-lançado (um ano após a dobradinha CD + DVD Pra Sempre - Ao Vivo No Pacaembu), por sinal, segue os padrões habituais de Roberto - uma foto do cantor, em close - e é azul como a maioria esmagadora de seus discos. Mas... e daí? O artista gosta da cor; que mal pode haver nisso? E o álbum, de fato, foi batizado apenas com o seu nome - talvez para não jogar toda a responsabilidade em uma única faixa, ou por não haver exatamente uma música que defina o trabalho.
Novidades? Será que um artista cuja biografia é ímpar em nosso país tem ainda a obrigatoriedade de provar algo mais a quem quer que seja? Ou alguém deseja vê-lo cantando hip hop? Se Roberto Carlos, nos últimos anos, realiza sua música de uma determinada maneira..... ora, é porque isso o agrada - da mesma maneira que Paul McCartney gosta de seu lendário baixo Höfner e Chico Buarque não faz rock'n roll.
Vamos ao disco, que é o que realmente importa. Muito se comentou sobre a possibilidade de o Rei finalmente pôr em prática o projeto intitulado, a princípio, Sertanejo, acalentado há muito. Não foi dessa vez. Lamenta-se: "Luar do Sertão", por exemplo, ficaria ótima em sua voz.
Entretanto, apesar desse trabalho não ter seguido as diretrizes inicialmente estabelecidas, o fato é que o mesmo (cujo lançamento estava planejado para setembro de 2005, mas acabou sendo entregue - por conta do famoso perfeccionismo de RC - aos 40 minutos do segundo tempo) apresenta realmente um leve tempero regional. Entretanto, seria definido com mais exatidão como um produto... híbrido.
A linda "Promessa" - parceria com Erasmo Carlos lançada por Wanderley Cardoso na década de 60 (porém jamais registrada por Roberto até agora) abre o disco com suavidade. Pouquíssimos intérpretes conseguem transmitir tanta emotividade de maneira tão... precisa ("pois eu já te entreguei minha vida/ e, se algo restar... eu te entrego também...").
Também composta com o Tremendão, "A Volta" vem a seguir. Lançada pelos Vips na década de 60 - e considerada o maior sucesso da carreira da dupla - , a canção foi registrada por RC pela primeira vez somente em 2005. A ótima gravação (com guitarras totalmente Dire Straits e uma interpretação que, em sua enorme intensidade, exala uma esperança, digamos... transcendental - quando ele canta: "só vejo a hora de você chegar", sabemos exatamente a que ele se refere) já assegurou o status de clássico na carreira do cantor e, merecidamente, obteve êxito no ano passado - auxiliada pela inserção na trilha da novela América.
Aliás, RC declarou recentemente que tem ouvido bastante a extinta banda de Mark Knopfler. Talvez viesse a gostar também de Neil Young (o excepcional folk de Harvest Moon, por exemplo) e Bruce Springsteen (o bom Human Touch).
"O Amor é Mais" (do ainda recente Amor Sem Limite, 2000), com sua poesia simples e direta - e, por isso mesmo, tocante - recebe uma nova oportunidade. A versão atual privilegia os violões de aço, trazendo um leve acento agridoce - ainda que não tenha lá grandes diferenças da bela gravação original. Em ambas, como de praxe, Roberto faz com que o ouvinte CREIA nas palavras que está cantando.
A face rural do trabalho fica mais nítida na guarânia "Arrasta Uma Cadeira", a única música verdadeiramente inédita do álbum, parceria com Erasmo. A letra é uma conversa entre amigos (lembra, de longe, "Amigo Não Chore Por Ela", de 1995), e conta com a participação de Chitãozinho & Xororó.
Surpreendentemente, o cantor retomou a antiqüíssima "Meu Pequeno Cachoeiro", singela homenagem à sua cidade natal, situada no Estado do Espírito Santo. A canção ganhou ares de moda de viola.
O álbum traz ainda "Índia" (guarânia paraguaia imortalizada por intérpretes que vão da dupla Cascatinha & Inhana até Gal Costa, passando pelo falecido Paulo Sérgio - , e integrante da trilha sonora da atual novela global das seis), "Coração Sertanejo" (em versão reverente a dos supracitados Chitãozinho & Xororó) e a despretensiosa "Baile Na Fazenda", baião gravado pela primeira vez por Roberto em 1998, agora com uma levada definitivamente country (e trazendo novamente o acordeom de Dominguinhos).
"Loving You", de Leiber & Stoller (e sucesso na voz de Elvis Presley), fecha o CD, em sofisticada versão fox.
Ainda que já tenha chegado aos (mitológicos) 64 anos da canção dos Beatles ("When I'm Sixty-four"), a verdade é que a voz de Roberto Carlos não apresenta qualquer sinal de envelhecimento. Pelo contrário: RC está cantando o fino - suas interpretações parecem melhorar com o tempo, ainda que o repertório desse CD (mesmo composto de boas canções e arranjos do mesmo nível) não prime exatamente pela coesão de Pra Sempre, 2003, seu último CD de inéditas.
* Publicada originalmente no "International Magazine" de Janeiro de 2006