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Lançamentos

Roberto Carlos
"Duetos"

O Rei compila duetos de seus especiais globais - escolhidos, segundo o próprio, por critérios "emocionais" - e lança em CD e DVD


Tom Neto

Na sua tradicional entrevista coletiva anual, Roberto Carlos manifestou o desejo de ter lançado um álbum de inéditas no último Natal - e só não o fez, por ter, nas palavras do próprio, "demorado a começar a compor". Dessa feita, surgiu o projeto Duetos, que reúne em CD e DVD - como o título anuncia - duos de Roberto com ilustres convidados em seus especiais de fim-de-ano, escolhidos pelo Rei por critérios "emocionais".

Já se pode ouvir o murmúrio daqueles que Nelson Rodrigues classificaria como "os idiotas da objetividade", descontentes pelo fato de o cantor, mais uma vez, não ter lançado um trabalho com novas canções [o último foi Pra Sempre, 2003; e antes desse, Amor Sem Limite, 2000].

E o que há para se dizer sobre isso é simples: feliz do artista que atinge um determinado estágio na carreira, que permite que ele possa... se divirtir (no melhor sentido) com seu farto acervo. O mesmo vale para os Rolling Stones, que, em 2003, lançaram a magnífica caixa quádrupla Four Flicks, reunindo três formatos diferentes de shows (estádio, arena e teatro), nos quais inúmeras pérolas obscuras foram resgatadas - algumas, até então, jamais haviam sido executadas ao vivo.

Outra observação que certamente será feita é a respeito da "diferença do padrão sonoro entre as faixas". Bem, considerando o hiato de 28 anos entre o fonograma mais antigo, de 1977, e o mais recente, de 2005 (e o conseqüente avanço das técnicas de gravação nesse período), esse contraste é natural, não?

Em Duetos, imediatamente, dois aspectos pouco comentados saltam aos olhos (e ouvidos). O primeiro é que Roberto é um soberbo intérprete para os clássicos de MPB - se ele, um dia, decidir lançar um álbum nesses moldes, certamente será um trabalho formidável. Os maiores exemplos disso são a tocante "Coração de Estudante", com direito a vocalises de Milton Nascimento e piano de Wagner Tiso, e "Lígia", com acompanhamento do maestro Antônio Carlos Jobim, onde o cantor, recorrendo às suas reminiscências joãogilbertianas, mostrou-se muito à vontade.

[Nota: RC já havia gravado Jobim anteriormente, na versão em espanhol de "Insensatez", no álbum Canciones Que Amo, 1997.]

E o segundo aspecto é que Roberto e Erasmo Carlos, embora parte da "intelectualidade" (propositadamente entre aspas) não reconheça, são autores à altura dos maiores de sua geração. O supracitado Milton Nascimento, Caetano Veloso [presente em Duetos com a sua "Alegria Alegria"], Gilberto Gil - Roberto e Erasmo nada devem a nenhum deles. E isso fica evidente em "Sua Estupidez" [com Gal Costa] e "Amiga" [com Maria Bethânia, disponível apenas no DVD].

O diferencial da dupla é a utilização de uma linguagem mais objetiva, fazendo com que a assimilação da mensagem - por pessoas de qualquer classe social, faixa etária e/ou nível cultural - seja instantânea.

E o Rei, particularmente, como cantor, é um caso à parte: seja no olhar triste ou no sorriso largo... ele é emoção em estado puro.

Além de "Amiga", existe uma outra faixa contida somente no DVD: o pot-pourri de faixas da década de 1970 ["Olha", "Você em Minha Vida", "Outra Vez", "Falando Sério", "Um Jeito Estúpido de te Amar" e "Proposta"], cantado na companhia de Rosana "Como uma Deusa" Fiengo. E, na verdade - considerando a habilidade histriônica de Roberto e seus convivas - o audiovisual funciona bem melhor que o seu correlato sonoro.

O melhor momento de Duetos, no entanto, é a arrasadora versão de "Se Eu Não te Amasse Tanto Assim", na qual uma impecável Ivete Sangalo conseguiu levar o cantor às lágrimas. E com isso, Herbert Vianna [co-autor da canção, ao lado de Paulo Sérgio Valle] comete a façanha de ser o único compositor de sua geração a ser gravado por Roberto Carlos.

Destaque também para a ótima versão rock de "Além do Horizonte", com Jota Quest [o anfitrião parecia confortável no arranjo da banda mineira]; a linda "Mucuripe", duo com Fagner [parceria deste com Belchior, que RC registrou pela primeira vez em 1975]; e a surpreendente "Rei do Gado", cantada com Sérgio Reis e Almir Sater - que pode ser compreendida como uma forma de Roberto, talvez, mencionar o epônimo álbum de 2005, de acentuado sabor regional.

Aliás, ainda com respeito ao CD do ano retrasado: esse é a segunda vez consecutiva em que Chitãozinho & Xororó [aqui presentes em "Amazônia"] participam do disco de Roberto. Em 2005, eles participaram de "Arrasta uma Cadeira".

[Nota: há uma outra coincidência em relação à bolacha de 2005. Novamente o espectro do outro Rei - o do Rock -, Elvis Presley, paira sobre o álbum de RC: no trabalho anterior em "Loving You"; e agora, ao lado do Tremendão Erasmo Carlos, no medley "Tutti-Frutti/ Long Tall Sally/ Hound Dog/ Blue Suede Shoes/ Love Me Tender", de 1977.]

Bem, é óbvio que todos esperam novidades de seus artistas favoritos. Mas o fato é que Roberto Carlos já é parte da História - e, conseqüentemente, Duetos é um trabalho histórico. Além disso, considerando os encontros que o Rei guarda em seus arquivos - com o supracitado Chico Buarque ["O Que Será (A Flor da Pele)"]; Titãs ["Pra Dizer Adeus"]; a também já mencionada Maria Bethânia ["Fera Ferida"]; Djavan ["Correnteza"]; Tim Maia ["Pede a Ela"]; Blitz ["A Dois Passos do Paraíso"] e Leandro & Leonardo ["À Distância"], entre tantos outros -, até que Duetos 2... não seria uma má idéia.