Festa da Juventude
Lançado originalmente em novembro de 2000, Jovem Guarda em Ritmo de Aventura, livro de Marcelo Fróes ganha reedição revista e ampliada.
Por Gustavo Montenegro
As mais variadas vertentes da música brasileira já foram abordadas em livro. Apesar de ser um campo pouco explorado pelas editoras do país, a música tem sido o foco de algumas publicações excelentes, que passeiam pela bossa nova, pela tropicália, o rock dos anos 80, a era dos festivais, as cantoras do rádio, o samba e a vida de ícones da MPB. Curiosamente, um dos mais importantes momentos da cultura popular nacional costuma passar batido pelas letras de renomados autores e críticos do assunto. A Jovem Guarda, em geral, só aparece nas notinhas de rodapé dos livros.
Entretanto, no ano em que comemora seu quadragésimo aniversário, a JG está mais viva do que nunca e todo o seu vigor pode ser conferido em Jovem Guarda em Ritmo de Aventura, livro do pesquisador carioca Marcelo Fróes. Um dos responsáveis pela maravilhosa coleção Pra Sempre, que deu nova vida ao catálogo do Rei Roberto Carlos, e também por outros resgates importantes da música nacional, Fróes conta com detalhes a história e algumas saborosas fofocas do ié-ié-ié brasileiro.
Da chegada do Rock ao Brasil, cantado em português por astros da primeira geração como Demétrius, Sérgio Murilo e Celly Campello, até o final do programa de TV que consagrou Roberto, Erasmo e Wanderléa, o leitor tem acesso a um vasto número de informações. "Eu comecei a fazer versão porque eu não sabia tocar, mas aí fui aprendendo a tocar violão devagarzinho. Roberto havia feito e gravado Malena e Susie, e um dia a gente conversou e concluiu que eu sabia fazer versões e ele compor", conta Erasmo sobre a gênese da parceria que foi a força principal por trás do sucesso da Jovem Guarda.
Entre as inúmeras curiosidades espalhadas ao longo das 284 páginas, um dos destaques está no episódio sobre a capa de "A Pescaria", primeiro álbum do Tremendão. A idéia original era trazer Tom & Jerry ao seu lado na foto, coisa que Erasmo achava ser uma boa promoção para os personagens e que o fez ir ao escritório da MGM pedir autorização para o uso das imagens. "O cara chegou e disse: 'Olha, você me desculpe, mas eu acho que a promoção vai ser pra você...porque Tom & Jerry são Tom & Jerry!'".
Outra história lembrada é a briga ocorrida entre Jerry Adriani e Wanderley Cardoso, nos bastidores de um show no Rio de Janeiro, tudo causado por um empresário espertalhão. O fato gerou a maior rivalidade entre artistas daquele tempo, fazendo com que os dois cantores passassem anos afastados. "Houve um estremecimento, porque o Wanderley veio falar comigo e eu, que era muito amigo dele, dei-lhe um chega pra lá....mas hoje não tem mais sentido, somos amigos como no começo", lembra Jerry. "Entre fã talvez ainda exista algo, a mentalidade Emilinha-Marlene prossegue".
A influência dos Beatles no repertório dos conjuntos da época era enorme, a ponto de uma mesma música de Lennon e McCartney ganhar mais de uma versão em português. A maioria delas tentava emular o clima ingênuo e romântico das primeiras composições dos rapazes de Liverpool, mas outras eram verdadeiras paródias cheias de sarcasmo e bom humor. Os Rebels, por exemplo, transformaram "I Want To Hold Your Hand" em "O Bode e a Cabra", enquanto que Os Carecas gravaram "Os Carecas São Demais", versão de Carlos Imperial para "A Hard Day's Night", que dizia: "Ser cabeludo é bom...mas ser careca é demais".
Renato e Seus Blue Caps, uma das mais importantes bandas de rock do Brasil, certa vez foram surpreendidos com a instrução de ensaiarem para o dia seguinte uma música que estava grifada na capa de um compacto. Por não dominar o inglês, Renato Barros viu que seria difícil fazer os companheiros decorarem a letra. "Sabe de uma coisa? Eu vou fazer uma letra em português, qualquer coisa pra gente cantar.' Aí eu fiz "Menina Linda" em cima de "I Should Have Known Better". Nós cantamos e foi uma chuva de telefonemas, pedindo pra gente cantar de novo", conta ele.
Além dos depoimentos de muitos artistas importantes, o texto conta com a riqueza de detalhes com que Marcelo Fróes trata do assunto. A perspectiva histórica que ele propõe mostra como a Jovem Guarda causou barulho em seus anos de glória. A histeria das fãs, as rusgas com a ala mais tradicional da MPB, a revolução que provocou no mercado fonográfico, a criação de bordões que viraram mania nacional, e o surgimento dos primeiros produtos ligados a artistas da música dão uma idéia do impacto causado pelo movimento. Desnecessário dizer que o livro é item obrigatório para os admiradores e estudiosos da música brasileira.
Agora a Jovem Guarda completa 40 anos e, embora tenham partido por caminhos diversos, a maioria de seus representantes ainda está por aí, tocando e cantando para platéias Brasil afora. Nada melhor do que comemorar a data ouvindo os discos, mas também relembrando, descobrindo e aprendendo sobre a fascinante trajetória dos primeiros pop stars brasileiros.