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Entrevista

Robertinho do Recife


Em 2 de setembro de 1996, Robertinho de Recife concedeu uma longa entrevista em seu Estúdio Lagoa para o International Magazine. Durante algumas horas, Marcelo Fróes e Marcos Petrillo conversaram com o guitarrista e produtor sobre o início de sua carreira no final dos anos 60, sobre os caminhos que percorreu e sobre suas opiniões acerca do mercado musical brasileiro. Vale conferir.


Vamos contar sua vida de uma forma bem didática.
Querem um bom começo? Uma boa introdução seria a seguinte: aos dez anos, fui atropelado lá em Recife e passei oito meses num hospital - sem poder andar. Levaram uma televisão pra mim e eu tava assistindo à TV Jornal do Commercio, que para aquele tempo já era bem adiantada. Passava vários documentários da BBC e num desses apareceram os Beatles e eu fiquei apaixonado... um tanto pelos Beatles, mas mais pelas guitarras. Principalmente por aquela Rickenbaker do John Lennon, que era bem pequena. Depois apareceu um outro com os Rolling Stones, mostrando o Brian Jones fazendo uma demonstração de uma guitarra Vox - aquela que parece uma gota d'água.

Você nem sabia que o nome daquilo era guitarra.
É, eu perguntei ao meu pai e ele disse: "Isso é manola! Tem um cara na feira que toca esse negócio!" (risos) O Lulu Santos agora usa esse nome aí, mas eu acho que ele nem sabe o que é uma manola. A manola é um instrumento de cantador, só que com uns alto falantes embutidos. Meu pai disse que guitarra era aquilo e ninguém sabia o que era guitarra, até que a gente conheceu um cara que tinha um conjunto que cantava música do Elvis. Tony alguma coisa, que até hoje é conhecido em Recife por fazer sistemas de som. Ele tinha uma guitarra pra vender e meu avô me deu de presente. Mas eu não sabia tocar naaada, eu peguei aquele negócio como um briquedo para mim. Meus amigos me dizem: "Pô, você é um cara que nasceu com um talento!" Eu não nasci com porra nenhuma.Talento não existe. Até existe, em pessoas que... sei lá.

É, mas já existiam músicos em sua família.
Já tinham... mas eu era totalmente tapado: cantava fora do tom e batia palma em Parabéns Pra Você fora do ritmo. Eu era doido pra aprender Quero Que Vá Tudo Pro Inferno. Pelo menos aquela frase da introdução, mas meus amigos chegavam e diziam: "Bicho, tu não dá pra tocar, tu é muito ruim, tu não sabe tempo, tu não é afinado pra tocar..." E eu tinha uma mão muito pequena pra tocar, como ainda tenho os dedos muito pequenos, e não conseguia fazer a pestana da guitarra. Daí eu cheguei e fui deixando as cordas da guitarra irem quebrando, até que fiquei com somente uma corda. Aprendi a tocar numa só corda. Uma vez fui assistir a uma banda de um amigo de escola, chamada Os Fabulosos. Eu adorava esse conjunto e fui convidado a ir ao ensaio deles. Eles tocavam músicas de The Ventures, grupo que tinha guitarristas excelentes. Eles tocavam Route 66 e eu queria fazer essa introdução, que é ridícula pra qualquer garotinho de hoje. Era uma coisa muito fácil, descendo o dedo numa mesma corda, mas eu não conseguia fazer e fui pedir ao cara pra me ensinar. Bicho, paguei o maior mico - ele olhou pra mim e falou: "Vou te ensinar uma coisa: pega toda a roupa suja da tua casa, vá pro tanque e comece a esfregar, esfregar, esfregar... pra fazer a tua mão ficar grande! (risos) E tem outra coisa: desiste totalmente de tocar, porque tu não dá não! Bicho, tu é muito ruim!" Eu era o pior do mundo e cheguei em casa chorando, porque todo mundo ficou rindo da minha cara. Eu tinha onze anos e me senti o cocô do cachorro que ia correndo atrás do cavalo do bandido! (risos) Eu passei dois dias sem querer comer ou ir à escola, porque esse meu amigo estudava lá. Eu não queria nem olhar pra cara dele, tava morrendo de vergonha. Encostei a guitarra mas todo dia mal ou bem ficava tocando. Até Parabéns Pra Você eu tocava errado... e eu achava que tava certo. Isso é que é o mais grave, entendeu? (rindo) Daí minha mãe me perguntou: "O que é que você tem?" "Os caras falaram que eu não dou pra tocar não" "O que é isso?" "Ninguém quer me ensinar, eu não quero mais não, fala pro meu avô vender minha guitarra!" Minha mãe falou: "Eu vou te ensinar". E ficava cantando as músicas, pois não sabia tocar guitarra. Mas ela era cantora e dava dicas sobre notas erradas etc. Eu fui aprendendo tudo de ouvido e isso foi muito bom pra mim. Se hoje você canta uma melodia pra mim, eu sei qual é a nota. Eu tenho essa coisa e foi isso que fez eu me dar muito bem quando eu cheguei aos Estados Unidos. Logo que eu cheguei, eu fui pro Mississipi e o blues tem muito disso. O cantor faz uma frase e a guitarra vai atrás. E isso não é nada ensaiado; o cara tem que ter ouvido. Eu acho que passei por uma verdadeira escola. Eu vejo que os guitarristas de hoje em dia têm muita dificuldade nisso. O aprendizado de hoje segue as escalas e os books, ou então os vídeo-aulas que ensinam escalas. Mas você não pega essa coisa de ouvido, que te ajuda muito na hora de compor. O jeito certo de compor não é juntar um monte de notas e fazer uma música; é ouvir uma música na sua cabeça e traduzí-la pra realidade. Quando eu comecei a tocar profissionalmente em bailes, me ajudou bastante... porque em bailes você tem que fazer covers perfeitos. Os grupos de cover estão de volta e muita gente acha isso ruim, mas eu acho bom porque é como se fosse o baile das antigas. Dá uma escola fodida, porque você vai aprender tudo que os caras fizeram. E se você vai criar em cima, o problema é seu. No tempo em que eu tocava música de sucesso, eu criava muito em cima. E nossa banda - Os Ermitões, quando eu tinha 12 anos - tocava muito bem. Não existe esse negócio de talento... (O telefone toca) Bicho, eu odeio telefone. É por isso que eu deixo meu celular com a Cláudia, senão eu o jogo na Lagoa! (risos) É por isso que eu trabalho de madrugada! Ninguém perturba e dá pra trabalhar numa boa, eu vivo num timing diferente do resto das pessoas! (O telefone toca de novo)

Depois dos Ermitões, você foi para Os Moderatos. Também era banda cover?
Era banda de baile, se bem que - como a gente gozava de um certo prestígio - só tinhas os melhores músicos e era o maior sucesso. A gente nem era mais contratado, a gente alugava os clubes e fazia por conta própria. A gente arrendava um monte de clubes e ganhava a maior grana. Eu ganhava muito bem, tanto que fui para os Estados Unidos bancado por mim mesmo. Tocávamos Blood, Sweat and Tears, Spinning Wheel, Chicago e coisas que não tocavam em rádio. Eu tocava Jimi Hendrix, porra! E nego adorava! A gente tocava tudo: Janis Joplin etc, o que era quente na época. Muita gente nem conhecia a gravação original, não sabia de quem era. A rádio de lá no máximo tocava Raindrops Keep Falling On My Head.

Então essa minoria que comprava disco e conhecia esse material é que ia ao show de vocês?
Não, era o povão. Quando a gente entrava com Spinning Wheel, por exemplo, eles ficavam cantando. Lá em Recife, quando alguém cantava em inglês nego achava o máximo. Otto Nelso e Help cantavam muito bem em inglês, a gente tocava música de Beatles igualzinho. A maioria ficava de boca aberta. Foi uma fase que me deu muita coisa e paralelamente eu fazia várias outras coisas. Tinha um trabalho com uns músicos americanos que moravam em Recife, inclusive o Arto Lindsay, que era o cantor do Contribution. Tocávamos em escolas de estrangeiros, em consulados etc, mas aí já era um estilo mais Jefferson Airplane, John Mayall, Yardbirds.

E quanto ao Arame Farpado?
Era um outro trabalho, com um cara de Recife chamado Flaviola. Além desse, tinha o LSE - Laboratório de Sons Estranhos, com Aristides Guimarães. Trabalhávamos com o Tropicalismo. Eu tocava com todos esses grupos. O Arame Farpado também era uma coisa assim meio Mutantes. A gente também fazia coisas com o Lula Côrtes.

Ninguém chegou a gravar?
O Arame Farpado não chegou a gravar, mas todo o seu repertório serviu depois para um disco do Flaviola. Muita coisa também foi usada com o Lula Côrtes. E foi do Arame Farpado que saiu Zé Ramalho, Lula Côrtes e até Alceu Valença, que nos conhecia. Mas o que me dava dinheiro mesmo eram os bailes, e é por isso que eu os fazia. Os Moderatos é que me sustentavam. Eu fazia aquelas coisas porque era onde eu podia chegar e botar minha inventividade e minha criatividade pra trabalhar. Porque toda aquela minha falta de talento era ótima. (rindo) Uma pessoa que eu admiro muito e que traçou um percurso bem parecido com o meu é o Herbert Vianna. Pode muita gente não gostar dele, mas ele conseguiu pegar todas as suas limitações e fazer delas uma onda. Tá me entendendo? Esses é que são grandes. Você vê uma pessoa fraquinha e tal... mas do defeito ele fez um efeito. E é por isso que ultimamente eu gosto desses artistas que são meio aberrações no mercado. Falcão é uma aberração, Rogério Skylab é uma aberração... mas é uma aberração porque o cara foge do padrão e é totalmente talentoso. Eu prefiro mais do que uma pessoa previsível. Tem umas estranhezas por aí, com as quais eu me identifico bastante. Como tem outras que eu também já acho que o cara quer ser estranho só por ser estranho. Eu não vou citar nomes, mas me soa falso. Ele quer ser out... mas ele é out mesmo! (risos) É assim que ele fica mais por fora ainda! (...) Bem, voltando ao Contribution. Esse pessoal voltou todo pros Estados Unidos. Enquanto o Artozinho foi estudar na Flórida, o Carl Kolb foi pro Mississipi levando consigo um monte de fitas do Contribution. Mostrou pra uns amigos dele do Candy Shoe String, que era uma banda de country music. Ele me mandou uma carta dizendo: "Pô, os caras de amarraram em você e eles queriam fazer uma audition contigo. Só que eles não mandam passagem e nem porra nenhuma. Mas tu não quer vir pra cá? Pelo menos, tu conhece aqui. Tem um monte de banda querendo. Seria uma boa se você pegasse logo essa banda, porque ia abrir pra você fazer um nome aqui. Eu acho interessante". Eu tava com 16 pra 17 anos e cheguei com a maior mentira pra cima do meu pai, porque a princípio ele havia dito: "Você é louco? Vai deixar seus estudos? Se fosse pelo menos pra estudar..." Aquilo meu deu uma idéia, eu falei com o Carl Kolb e ele me mandou uma carta com papel timbrado, dizendo que eu havia sido aceito pela universidade. Meu pai não sabia ler porra nenhuma em inglês. Meu pai chegava pros amigos dele e dizia: "Aí, vai estudar nos Estados Unidos, ó! Foi aceito numa universidade de lá!" (risos) Aí eu fui, né? Com essa banda, o Candy Shoe String, foi um fracasso... porque eu era roqueiro e os caras tocavam country music. Isso foi em 1971, quando Led Zeppelin, Almann Brothers e o resto da galera mandavam ver. Primeiramente, eu fui preso pelo FBI.

Quando desembarcou?
Sim, quando eu desembarquei em Miami.

Por que? Porque estava sem visto?
Nããão, porque a gente sempre mandava uns bagulhinhos lá pros Estados Unidos e os caras nos mandavam mescalina. Eu adorava mescalina. Eu mandava bagulhinho dentro de carta... naquele tempo em que tava uma repressão fodida com esse negócio.

Eles tinham os nomes anotados?
Os caras pegaram e na última carta a gente dizia que tava chegando. Quando cheguei lá e mostrei meu passaporte, o cara disse: "Ah legal". Pum, apertou um botão e eu só vi que apareceram dois caras do FBI e que me pegaram pra levar lá pra dentro. Até eu provar tudo, que aquilo era brincadeira e coisa e tal, os caras não me deram descanso. O que me salvou foi que o pai do Carl, que havia ido me buscar no aeroporto, era chefe da missão batista nos Estados Unidos. Pagou fiança, mas eu fiquei sob observação. O cara disse que eu tava numa outra...



O fato de ser menor não pegou?
Eu fui pra ficar na casa deles. Já cheguei dando trabalho... porque eu passei seis horas preso, sem ele poder se comunicar comigo. Me botaram nu e abriram o meu rabo com um palitinho de sorvete, pra ver se tinha alguma coisa lá dentro. Eu fiquei nu, bicho, durante seis horas... Nem de meia eu fiquei. Eles pegaram minha guitarra e a desmontaram toda. O salto das minhas botas, eles arrancaram pra ver se tinha coisa dentro.

E a comunicação? Você falava inglês?
Eu não, eu só sabia falar letra de música. "I love you"... Eu já fui logo falando: "I don't speak English e me chama alguém aí!" Aí chegou um cara da Varig, que ficou traduzindo. Só terrorismo, né bicho? "Tudo vai voltar hoje, senão tu vai ficar preso" Eu, com 17 anos, era a maior criança. Bem, aí o Candy Shoe String não deu certo e eu fiquei fazendo jam session, dando canja em vários shows.

Até então você não tinha gravado nada?
Eu já havia participado de um disco do Lula Cortes, chamado "Satva" e lançado pela Mocambo. Até que eu participei de um show beneficente num parque da cidade e, ao descer do palco, fui abordado por um cara que me perguntou: "O que é que você vai fazer hoje à noite?" Eu não tinha nada pra fazer e ele falou: "Pô, vamo fazer uma jam session lá em casa. Tem vinho etc"... Aí eu pensei: "É viado, só pode". (risos) Mas tudo bem, ele falou: "Pode levar seu pessoal". Fui pra lá, ficamos fumando unzinho e bebendo uns vinhos. Fiquei tocando a noite inteira com o cara e lá pelas três da manhã ele falou: "You got the job". Não entendi, mas como sabia que job é trabalho, achei que tinha trabalho. Carl Kolb tava lá e, como sabia fala muito bem o português, disse: "Olha, ele está te chamando pra tocar na banda dele". Eu falei: "Mas a banda dele é legal?" O Carl falou: "É o Watch Pocket! Sabe essa última música que você tocou, o Mammy Blue? É deles!" Aí eu pirei, porque essa música já havia sido o maior sucesso no Brasil. "Esse cara é do Watch Pocket?" "É!" Ele não era o cara que cantava, mas ele disse: "Eu vou botar você pra tocar na banda porque o Mike, que canta, faz a guitarra base e fica ruim de solar". Eles tinham uma menina no piano, mas eles queriam tirá-la fora... porque ela ia fazer carreira solo e era muito problemática. Isso aconteceu no Mississipi mas eles eram de Memphis. "Você tem que viajar pra Memphis". No dia seguinte, era o meu aniversário - dia 5 de novembro. "Você não quer ir amanhã?" "Eu posso ir no dia 6, porque amanhã é meu aniversário e eles vão me fazer uma festa". Tudo bem, dia 6. Só que, quando eu tava indo - bicho, eu já tinha visto a placa de Memphis -, teve um acidente com o carro e quem mais se fodeu fui eu. A última coisa que eu vi foi a placa de Memphis. Tanto que, quando alguém fala em Memphis, eu tremo todo. Resultado: foi uma coisa que foi ao mesmo ruim e boa. Passei um mês no hospital, porque tive paralisia facial. Depois eu fui de ônibus pra Memphis, com medo de que os caras não me quisessem mais e até já tivessem arrumado outro. Foi ruim porque tive um acidente e me fodi todinho, mas foi bom porque: Primeiro, eu peguei um visto de tratamento de dois anos, para fazer visitas periódicas para ver como estava a coisa (era caso de operação, mas eles não me operaram); e segundo porque, quando eu me acidentei, todos os jornais do sul dos Estados Unidos vieram com matérias do tipo "guitarrista brasileiro do conjunto tal teve um acidente etc". As rádios todas falaram. Eu fiquei famoso. Robert Little ficou famoso. E o que vinha de gente me visitar, fazer doação e não sei o que. Bicho, minha conta de hospital foi de 50 mil dólares! Isso tudo foi pago com doações, shows beneficentes que fizeram etc, mas são 50 mil dólares! Eu liguei pra casa e meu pai disse: "Ih, esse carro não tinha seguro? Eu não vou dar porra nenhuma!" Foi aquela coisa. Primeiro, porque eu tinha mentido. "Ah, mas você não tava na escola??" Eu tive que abrir o jogo e aí pronto, fudeu tudo.

Ele encerrou a conta.
É, encerrou a conta! (rindo) Quando eu cheguei em Memphis, os caras piraram: "Porra, você fugiu do hospital?" Comecei a fazer excursão com eles, tive a oportunidade de ver o Jeff Beck gravando. Aliás, foi o maior mico da minha vida. Nunca mais eu dou uma de tiete. Eu fico na minha. O Steve Cropper, do Booker T and the MG's, era o papa no sul, era o produtor da nossa banda e estava produzindo o Jeff Beck. Ele falou: "Olha, venha assistir o Jeff Beck hoje... que eu vou te apresentar a ele". Só que eu fui separado dos outros caras, junto com uma garota que eu tava namorando. Ela veio me pegar, pois estava querendo ir junto. Eu cheguei atrasado e os caras já estavam lá. Quando cheguei ao estúdio, tava todo mundo saindo pra ir num bar pra comer alguma coisa. Eu vi um monte de gente e no meio tava um cara igualzinho ao Jeff Beck. Pra mim, era ele e eu cheguei: "Hey man, I love you, you're the best guitarist in the world"... Gastei todo o meu inglês e o cara ficou olhando pra mim, como se me achasse louco. Foi quando eu vi outro vindo, um sósia. Pra mim, era um sósia... mas era o verdadeiro. Alguém falou: "He is the man". O Steve Cropper estava vindo junto e me apresentou, mas o cara já havia me visto todo desconsertado e foi me cumprimentando com a mão mole, pela pontinha dos dedos, já puxando a mão... (risos)

É, o Cozy Powell e o Jeff Beck eram muito parecidos. Naquela época, usavam o mesmo corte de cabelo. É como Ron Wood e Rod Stewart. Mas você quase conheceu Duane Allman, não?
Eu conheci um cara da Georgia que era vizinho do Duane e ele lhe falou sobre mim. O cara quis me conhecer. "Amanhã de manhã eu passo aí pra te pegar". Eram 9 da manhã, eu estava me aprontando e as rádios só tocavam Allman Brtohers. Eu pensei: "O que aconteceu?" Foi aí que o cara me ligou, dizendo: "O Duane morreu num acidente de moto". Fiquei arrasado. Deixei de conhecer a maior fera do slide guitar. Ele era muito bom. Mas Estados Unidos foi muito bom pra mim.

Por que você voltou?
Porque já havia passado o período de dois anos e eu tinha o maior problema para receber o cachê. Toda vez eu arrumava um amigo pra receber, mas chegou a hora da gente gravar. Eu tinha visto de visitante e não podia assinar contrato. O advogado da CBS me chamou e disse: "Eles vão começar a gravar agora e você vai ter que assinar contrato como membro da banda, mas você não pode assinar com visto de visitante e nem eu posso conseguir converter este visto de visitante em visto de trabalho com você aqui. Você vai ter que voltar e ser chamado de novo".

De repente, só se você se casasse.
Até se cogitou dessa coisa, mas eu precisava de alguns papéis. Eu não tinha servido o Exército e precisava regularizar a situação por aqui. Se eu servisse por lá, encararia um Vietnã pela frente. Pra tu ver só como é, eu fiquei no meio de uma encruzilhada. Nesse tempo, eu tava viciadão em todo tipo de droga. Eu tomava um ácido todo dia. Heroína, pra caralho.

Maconha era café-da-manhã.
É, eu tava piradaço... por um esquema grande de super-star, nas proporções daquele tempo. Passava três meses num ônibus, viajando pra todo lado. Cada dia num lugar. Eu tomava um comprimido pra dormir e outro pra acordar, saca? Aí eu voltei pro Brasil e, bicho, quando minha mãe me viu, pirou. Eu tava chapadão. "Meu filho, o que foi que fizeram com você?"

Então você não chegou a gravar com o Watch Pocket?
A gente ensaiou o disco todo, apenas. Quando eu cheguei, não tinha drogas em Recife. Fumei e tal, mas teve uma hora que eu pirei de vez. Foi quando eu conheci a mãe da Roberta. Ela ficou grávida, enquanto eu via as coisas junto ao Exército. Eu tava trincadão e ficava em casa - só fumando bagulho e olhando pro teto, me lembrando da América.

Entrou no bode? Suou frio?
Muito. Passei por cada crise, bicho, uma pior que a outra. Foi quando eu cheguei e entrei para o seminário.

Com uma filha a caminho? (rindo) O que te levou a sair dessa loucura toda e entrar para um seminário?
Eu tinha um amigo que me convidou pra ir pra Delmiro Gouveia, na divisa entre a Bahia com Pernambuco, na beira do Rio São Francisco. Perto de Petrolina. Tinha uma festa, eu não quis ir e fiquei sozinho em casa. Foi quando eu comecei a ouvir umas vozes, uns chamados esquisitos... Eram versículos da Bíblia e eu não tinha lido a Bíblia... Eu não conhecia, era uma coisa. Até que, voltando para Recife, aquilo começou de novo. As vozes falavam que eu deveria procurar... Eu fui pro seminário e lá chegando, o chefe do seminário me ouviu: "Eu quero estudar Teologia e quero muito aprender música sacra". Eu queria muito aprender sobre a filosofia da arte, sobre a inspiração etc. Porque, nos Estados Unidos, eu fiquei como residente numa universidade com o Artozinho em que moravam os maiores pirados. Arto Lindsay é muito louco, eles falavam muito sobre filosofia da arte, inspiração, aspiração. Música não era só uma coisa técnica, era outra estória. A gente discutia muito sobre a parte conceitual da coisa, sobre estética etc. Isso já tava na minha cabeça e lá no seminário, depois de eu ter conseguido entrar, eu fui aceito como chamado por Deus. O cara me deixou entrar mas disse que não poderia me dar diploma ao fim do curso.

Eles achavam que você era maluco, não? Você chegou com a guitarra nas costas?
Eles viram minha autenticidade na coisa. Eu tava sendo totalmente sincero, não tava influenciado por ninguém. Tanto que eu fui uma pessoa que se destacou muito lá dentro. Se você chegar lá dentro e perguntar por um cara chamado Robertinho, todo mundo sabe.

Quanto tempo você ficou lá?
Passei dois anos.

Você terminou o curso ou o Fagner é que te tirou lá de dentro?
Uma vez eu tava tocando numa igreja lá em Recife e o Fagner viu. Eu estava fazendo um trabalho totalmente espiritual na guitarra. O som que a gente fazia era totalmente diferente. Fagner pirou por causa disso. Não dá nem pra te dizer o que era, mas era uma coisa espiritual como teve uma fase espiritual do John Coltrane. Era uma coisa meio jazzística, mas não era esse jazz bebop que rola por aí. Tinha influência oriental, clássico, uma loucura. Foi quando ele me viu e falou comigo: "Bicho, vamo comigo lá pro Rio".

Ele ainda estava começando?
Ainda, mas já era alguma coisa na região.

E quanto ao resto do pessoal: Zé Ramalho, Alceu e os outros da época do Arame Farpado?
Estavam trabalhando, mas nada em especial. O Fagner já tinha vindo ao Rio, já havia gravado "Ave Noturna" e "Manera Fru Fru Manera". Eu entrei no "Raimundo Fagner", que foi o terceiro disco dele, já pela CBS. Eu já tinha vindo aqui, não só pra pegar o avião para os Estados Unidos como também num trabalho dentro de um navio que saía de Santos e ia até Manaus. São tantas estórias... Estava tocando com a banda do navio, pois o guitarrista havia perdido o guitarrista na saída de São Paulo. Quando eles pararam em Recife, foram buscar um guitarrista na TV Jornal do Commercio e eu fui indicado. Fui de Recife a Manaus e depois passei direto. Eu não disse a meu pai que iria até o Rio e fui direto a Santos, de onde fui pra São Paulo visitar meu tio numa boate em que ele tocava, que por acaso era do pai do Lanny Gordin. Eu era louco pra ver o Lanny tocar e depois meu sonho era conhecer o Rio de Janeiro. Eu cheguei ao Rio com 15 anos, sozinho e com algo como R$ 50 na carteira. Passei dois dias aqui, com a passagem de volta no bolso. Só pra conhecer, peguei uma carona em São Paulo e vim pro Rio. Daqui, peguei um avião e fui embora. Só fui voltar com o Fagner, pra ficar. Um tempo depois de meus dois primeiros discos pela CBS, eu decidi parar de tocar porque minha vida tava um caos. Voltou a ser um caos. Quando eu tava no seminário, era a maior paz, mas quando eu vim pra cá a coisa virou uma loucura.

A idéia de se gravar discos solo brotou de seu envolvimento com Fagner?
Jairo Pires ia assistir aos shows do Fagner e via que a galera levantava quando eu começava a solar. Nelson Motta foi o grande responsável pelo lançamento de meu primeiro disco, porque ele era um cara que toda semana falava em mim em sua coluna em "O Globo". Toda semana ele me dava um destaque, colocando foto e dizendo: "Nosso Jimi Hendrix etc". Ele foi uma pessoa muito legal pra mim. Jairo Pires viu isso e quis gravar um disco comigo. Inclusive aquele primeiro disco tem bandas minhas de meu repertório com a banda do seminário... A Chamada é bem assim.

O segundo é que foi produzido pelo Fagner e conta com participações de Gal Costa, Elba Ramalho etc. Falemos sobre o caos em que sua vida entrou depois daqueles dois primeiros discos. Por que rolou? Stress ou drogas?
Nada disso, foi a loucura do showbiz mesmo. Eu não ganhava grana com o meu trabalho com o Fagner, minha filha tinha ficado com minha mãe em Recife e eu tava com a Neuza aqui no Rio. A gente morava mal, num quarto-de-empregada que não comportava nós dois. Tinha dia que eu não tinha dinheiro pra comer.

Mesmo com dois discos lançados por uma multinacional?
Mesmo com dois discos! Cara, era um caos. Porra, era aquela coisa. A Neuza teve um bebê - o Abel, quando eu estava gravando o segundo disco. O garoto morreu e eu não soube. Eu tava gravando de madrugada, ele teve uma forte meningite e morreu. Até pro enterro eu tive que pedir dinheiro emprestado. Eu pensei: "Bicho, eu vim aqui pra comer o pão que o diabo amassou? Peraí! Não, eu vou voltar pra Recife". Meu pai me deu a maior força: "Vem aqui que você não pode ficar sofrendo". Ele me deu uma guarita. O Fagner tinha ido pros Estados Unidos e tava lá com o Laudir de Oliveira, que tocava no Chicago. Um dia ele me ligou lá pra Recife. Tinha morrido um guitarrista do Chicago e o Fagner me ligou: "Pô, o Laudir quer que você entre pro Chicago no lugar do cara". Eu falei: "Não Fagner, eu não quero mais tocar". "Você é louco? Você tem que vir, você tem que vir, é pro Chicago!" "Eu não quero mais tocar" E passei seis meses sem nem olhar pra guitarra. Eu não conseguia... nem ouvir aquele segundo disco pela CBS. Depois de um tempo, a música falou forte na alma e o Fagner me chamou pra fazer uma guitarra no disco dele: "Bicho, você vem e depois você volta". Eu falei: "Tudo bem, eu vou ver". Eu vim e era somente uma música pra tocar. É exatamente a única que tem guitarra no disco: Revelação. Era exatamente o momento que eu tava passando. "Quando a gente tenta/ de toda maneira/ dele se guardar/ sentimento ilhado". Eu passei tudo pro solo, eu cheguei com o coração todo despedaçado e botei aquilo tudo na guitarra. Foi como se eu estivesse escrevendo uma carta para o que eu tava sofrendo. A música pipocou e me consagrou mais ainda. A música começou a tocar pra caramba no rádio e ele insistiu pra que eu viesse pra ficar. Ele havia comprado um apartamento em Santa Teresa e falou: "Você vem morar comigo". Aí as coisas foram melhorando... Eu tava morando com ele, ele me deu uma guarita, eu tinha um quarto lá. Eu pude trazer a Roberta, entendeu? Foi quando as coisas começaram a melhorar, depois de um tempo eu fui convidado pra tocar com a Gal. Eu lancei o disco que tinha O Elefante e aí minha vida começou a melhorar em termos financeiros, porque a música vendeu muito. Eu tive que fazer um disco pra vender, pois até então meu disco não vendia nada. Eles vendiam 7 mil, 10 mil cópias e não davam pra segurar. Eu vi que no Brasil só fazia sucesso música de merda. Quando pior a música, mais sucesso faz. Com raros os casos. O que faz o disco vender é a pior música do artista. Até grandes talentos... Aí eu comecei a entender mais o mercado e lancei O Elefante, que é minha música mais conhecida. Raras são as pessoas que se lembram de mim quando eu fiz o heavy metal ou quando eu fiz os clássicos. Inclusive, quando eu estava fazendo o show clássico, tinha gente - até o Herbert Vianna mesmo, só faltou eu dar uma porrada nele - que gritava: "Toca O Elefante!" (risos) Eu cheguei: "Pô Herbert, tu quer me fuder? Logo você?" "Não, é que eu adoro essa música" "Mas eu não gosto!" Você tá me entendendo? É a mesma coisa que alguém gritasse pro Paulo Gracindo fazer o Odorico Paraguaçu no meio de peça de Shakespeare... Parece que o cara tá dizendo: "Pô bicho, tu só sabe fazer aquilo!" No Brasil, tem uma coisa sobre a qual eu quero falar e repetir exaustivamente, muito embora eu não possa fugir muito dela quando estou produzindo discos: o que tá acontecendo é que a cultura tá muito miscigenada e muito dirigida e muito dominada pela mídia. Todo mundo fala que no tempo da ditadura não tinha liberdade artística, mas hoje em dia a gente também não tem liberdade artística, porra. A liberdade que você tem varia de acordo com os padrões da mídia, que é muito pior do que a censura. Se não vende, tá fora. É muito pior, porque na época da censura o tiro saía pela culatra. Quanto mais se censurava, mais as pessoas davam força. Ultimamente, nego não quer ouvir quem não toca na rádio. Disso ninguém fala, porra! O Brasil tem um trauma fodido com o negócio da ditadura, mas é uma coisa que acabou e que passou. Aqueles problemas se transformaram em outros que são muito piores e muito mais poderosos. Não se trata de meia dúzia, é o sistema, é o dragão que chega e estraçalha os verdadeiros talentos. Só quem "tá rápido" é que dá certo, porque tem o que "tá lento" (que tem talento) e o que "tá rápido". O que "tá rápido", vai lá e consegue um sucesso rapidinho, enquanto o outro - que tem um puta talento - vai lento... até conseguir alguma coisa. Cem por cento dos caras de rádio estão cagando pra talento.

Só o rádio?
Não, todo mundo... mas tudo vem daí. E cada vez mais subestimam a inteligência do povo, porque tiram dele a opção de escolha. Você não tem mais opção de escolha. Antigamente, você tinha opção... mesmo que a censura chegasse e barrasse, porque você tinha como comprar no câmbio negro. Foi assim que um monte de gente fez carreira. Hoje em dia, não. A pessoa vai ser queimada e vai se foder. "Esse aí tira, entra outro".

Não existe mais o conceito de marginal?
Não existe. Hoje em dia, esse aí não dá mais certo. Fica todo mundo levantando bandeiras... Ah, deixa de palhaçada. Eu fico puto quando eu vejo toda essa polêmica em cima do Tiririca...

Você pode estar cansado da máquina, da idéia de lançar discos e tal, mas você podia fazer shows e curtir o público. Isso não te comove?
Acontece o seguinte, bicho. Quando as pessoas vão assistir shows hoje em dia, elas não vão mais pra ver o artista em si. No tempo da ditadura, as pessoas iam assistir shows pra ver o que o artista ia fazer e não atrás de uma coisa ou outra. As pessoas iam pra se divertir, pra ver o que você fizesse. O objetivo era o show, era o artista e não uma música que esteja tocando no rádio, porra. Vão à merda! Que geração burra essa que vai assistir ao que dita a Rede Globo. Esse poder, quem dá é o povo. Power to the people? Não, people give the power. John Lennon tava errado nessa coisa.

Ou o mundo é que mudou muito?
Então eu vou perder meu tempo sozinho no deserto? Pra eu trabalhar nesse sistema, eu quero ser apenas produtor... porque eu ajudo os artistas a suavizarem suas dores. Eu chego assim: "Existe isso, isso e isso. Eu também concordo que isso aqui é do caralho, mas..." Acontece, por exemplo, de muitos artistas serem versáteis pra caramba e não tocarem somente um tipo de música. É o caso do Rogério Skylab, ele trouxe vários estilos de coisa que ele faz. Pra mim, isso significa diversificação e versatilidade... mas, quando você grava um disco, você tem que seguir uma linha. A minha posição, quando estou produzindo, é a de pegar a coisa mais diferente e seguí-la. É difícil de se fazer qualquer coisa hoje em dia. Eu não penso que todas as 12 músicas de um disco sejam pra tocar no rádio, quando o estou produzindo, porque nunca que todas elas serão tocadas. Eu penso que quatro sejam feitas dentro dos padrões, para que o disco venda e o artista sobreviva. Mas tem que ter outras coisas, pois as pessoas vão levar o disco pra casa e ouvir o artista educando e informando o povo com certas novidades. Quando os caras não têm 4 músicas, fazem doze que vão brigar entre si pra ver qual vai dar certo. Esse inclusive é o padrão de 90% dos produtores. E o padrão que eu uso é diferente.

E quanto à sua entrada no mercado de produção? Como rolou?
Eu fui uma pessoa eclética em minha discografia e gosto de todo tipo de música, daí ser mais fácil.

Esse ecletismo poderá ter atrapalhado sua carreira discográfica?
Totalmente e é por isso que eu não vou mais fazer disco. Se eu for fazer disco agora, vou fazer disco de quê? Se você lançar uma pesquisa no IM, sobre qual o estilo que Robertinho de Recife deveria seguir em seu próximo disco, eu tenho certeza de que vai ser uma loucura. Eu não sei, não daria pra fazer um disco com todas estas facetas minhas.

Por que? Você acha que todo disco tem que ter um conceito? Você não pode fazer 4 músicas pra tocar no rádio etc, da mesma forma com que trabalha nos discos que produz?
Olha, com os outros eu tenho paciência pra isso.

Eu sei que você tem um monte de fita guardada. Nem precisaria gravar, bastaria mixar e masterizar. Você tá dando uma de Prince, gravando e guardando pra sempre...
Eu tenho... mas isso aí só rola a título de brincadeira. Eu voltei a tocar pra Deus, então eu toco nos discos que eu produzo. Você sabe que eu produzo Elba Ramalho, Rogério Skylab, Falcão e outros, todos estes estilos que eu conheço e tal. Quando eu estou produzindo, eu boto minha criatividade em dia e me satisfaço. Outra coisa que eu detesto é lançar um disco e ter que passar um ano tocando aquelas coisas. Sempre que eu ia fazer um show novo, o povo queria ouvir aquelas músicas.

Você não tem o seu público?
Olha bicho, eu tinha... mas o mais fiel foi o público do heavy metal. Se eu tive um público, foi o público dos metaleiros. O resto foi graças a Fagner, mas aí é público do Fagner que gosta de me ver tocando com ele. Tem o público da Gal, que gostou de me ver tocando com ela. Sempre o público desses artistas. Eu toquei com o Elymar durante dois meses e na mesma época marquei um show meu no Canecão. Como no show dele eu sempre tocava uma música - o Pepperland -, todo mundo batia palma de pé. Ele é campeão de público no Canecão.

Onde é que o Yahoo entra na história?
Pois é, depois que eu fiz o "Metalmania", eu não consegui contrato com ninguém. Pra você ver, ninguém queria me contratar.

O "Metalmania" não tinha dado certo?
Em parte, mas não vendeu discos. Eles queriam um segundo "Elefante". Miguel só deixou eu gravar o heavy metal se eu gravasse o Chocolate, então uma coisa matou a outra.

Você achava que o pessoal havia de colocado na geladeira na época do "Metalmania", mas existe uma estória de que o disco não foi devidamente trabalhado e por isso não vendeu.
Não foi isso. Na verdade, por eu estar sufocado por toda essa coisa, eu fui um cara que briguei, subi em cima de mesa, mandei diretor de gravadora ir tomar no cu e depois de um certo tempo eu até mandei flores para estas pessoas... Na verdade, eles estavam fazendo o trabalho deles e não tinham culpa disso. Isso era uma crise mas era a realidade. E o que eu poderia fazer contra a realidade? Aí eu cheguei e falei: "Ah, a estória é essa? Então eu vou produzir uma coisa!" Então aí vem o Yahoo.

Pra você ganhar uma grana.
Aquilo foi intencionalmente comercial. Se você quiser, você monta uma banda de pagode e vai ser a mesma coisa. No tempo do sertanejo, se o Yahoo mudasse de nome pra Os Tira-o-Leite ia vender. Pronto. É só você ir na veia do mercado. Tem uma hora pra baiano - então você se veste de baiano, se veste com aquelas coisinhas e faz um corte de cabelo estranho e vai lá. Consegue. Depois, você entra em outra onda. E aí você fica esperando pelos modismos, porque senão nego não contrata. Porra bicho, eu tenho passado por isso também como produtor... com outras coisas que eu produzo. Eu produzi uma banda de Recife chamada Pinguim, que era uma banda muito boa mas não vendeu mais de 50 mil cópias. Se você vende 20 ou 30 mil cópias, não interessa pra eles. "Traz outro pra tentar". E gravadora também tem o seguinte, eles não fazem muita coisa. Muitos artistas ficam iludidos, pensando: "Pô, tem que arrumar uma gravadora grande". Às vezes, é melhor ele procurar um selo... porque tudo vai depender do trabalho dele; do trabalho físico, com o fôlego pra correr atrás sozinho... porque vai acontecer a mesma coisa se estiver numa gravadora. A gravadora vai lançar e vai esperar pra ver. Se não acontecer nada, eles também não vão fazer nada.

Continua a história do Yahoo. Você vendeu a idéia pra EMI?
Não. Aí é que tá, eu fiz um caminho totalmente diverso. Eu cheguei, banquei o disco do Yahoo e fiz tudinho. Quem cantava era Rosana, do Como Uma Deusa. A gente mandou uma demo pra todas as gravadoras... com ela cantando. E ninguém quis. Foi quando eu cheguei e banquei uma produção nos Estados Unidos, botando o Zé Henrique (ex-Analfabitles) pra cantar. Eu botei a voz dele e levei a fita pro Roberto Talma e pro Jodele Larcher, que gostaram da versão de Def Leppard e a colocaram na novela. E eu não tinha gravadora. Geralmente, a música toca na novela mas não toca em rádio. Mas essa se destacou tanto, que começou a tocar nas rádios. Chegou ao 2º lugar e a Odeon nos contratou, mas isso não tem mérito nenhum. A gente não precisava deles. Se eu fosse independente, teria vendido até mais do que dentro da Odeon. Mas aí a gente acabou se fudendo. Eu tinha todo um plano de marketing em cima do conjunto, porque todo mundo ouvia aquilo e não sabia se era uma mulher cantando ou se era um homem. Que diabo era o Yahoo? Um cara ou uma banda? Existia uma coisa ali e eu ia jogar em cima disso o tempo todo.

Ninguém sabia que era o Robertinho de Recife?
Ninguém sabia de nada. O disco não tinha foto da gente na capa, mas mesmo assim eu não queria aparecer. Eu só queria fazer grandes programas, tanto que o primeiro programa que eu abri pra fazer foi o "Globo de Ouro" - com a gente no primeiro lugar da parada. Foi aí que a gente mostrou a cara e eu só queria isso. Mas aí começou: "Clube do Bolinha", "Raul Gil" e não sei o quê. Não era aquilo que a gente queria.

E aí rolou a estória com o Sílvio Santos. Conta pra gente, ela é o corolário disso tudo.
Depois do quarto mês, o Sílvio vinha com aquelas brincadeiras de animar platéia. "Como é o nome? Yahaa?" "Não" "Yahoo?" "Ééééé" A gente esperando pra entrar e ele: "Hoje a gente tá trazendo aquele mesmo conjunto, com a mesma roupa de sempre e pra cantar a mesma música de sempre!" (risos) Porra bicho, eu fiquei tão puto com isso. Eu falei: "Tá vendo? É isso que a gente merece". Eu quase não entrei. Eu fiquei puto da vida, errei todas as perguntas do programa só de sacanagem... Ele viu que eu tinha ficado puto. Ainda assim, nos entrevistou perguntando: "Vocês mandam essa roupa pra lavanderia? Todo programa que eu vejo vocês estão com essa mesma roupa! Só o pernambucano que vem diferente..." Eu fiquei puto. Na outra semana, queriam a gente de novo no programa e ficaram mendigando a semana inteira: "Pô, você tem que fazer. Não liga não, ele usa sempre o mesmo sapato". Eu exigi roupas novas. Insistiram tanto que me convenceram a ir. Às vezes meu coração me diz pra não fazer uma coisa, eu vou e me fodo. Neste dia eu fui e, quando tava pertinho lá do SBT, eu tava puto da vida com o rádio-táxi parado no sinal e fiquei olhando pela janela. Tinha uma loja de fardas para profissionais - porteiros, faxineiros etc - e eu falei: "Pára aqui, pera só um pouquinho".

Comprou uniforme pra todo mundo?
Nããão, tinha um balaio cheio de sapatos horríveis. Eu pensei: "É isso!". Eu queria um par mas não sabia o número do pé do Sílvio Santos. Liguei pra produção do programa e descobri. Eu falei: "Faz um pacote bonitinho que é para o Sílvio Santos!" O sapato era feio pra caralho, cara! Cheguei lá e começamos o programa. Ele já tava sabendo que eu tava puto. Eu entrei no palco com o presente e botei na beira do palco. Ele ficou olhando e eu tocando bem sério. Quando terminou a música, ele veio falando: "Pô, vocês hoje estão todos bonitinhos. Indumentária nova?" Eu perguntei: "Posso dar uma palavrinha no micronofe?" "Pois não" "Sílvio, é o seguinte. Como nós já estamos aqui no seu programa há quatro meses, a gente tem notado que você é uma pessoa muito elegante. Mas outra coisa que a gente notou é que toda semana você tá com um terno novo, mas este sapato azul você não troca nunca. (risos) Aí a gente trouxe um sapato novo pra você!" "Ah muito obrigado!" "Tem que calçar agora!" Aí as meninas da platéia começaram: "Calça, calça, calça". Quando ele olhou o sapato, ele ficou espantado com o mau gosto. Botamos o sapato nele e ele ficou falando: "Me pegaram no ar, foi muito boa a idéia... mas eu vou armar uma pra vocês, esse pernambucano quer me sacanear..." "Você é que quer me sacanear, porra, e eu fiquei puto, Sílvio. Porque bicho, se a gente tá todo o tempo aqui no teu programa, é porque você quer. Porque por mim a gente não vinha mais; não tá sendo bom pra gente." "Como não?" "A gente tá se expondo o tempo todo e a gravadora não dá dinheiro pros caras comprarem roupinha. Por que não mandou sua produção comprar roupinhas pra eles? É muito fácil pra você!" Mandei na lata... porque, bicho, quando eu fico puto...

Você pulou fora do Yahoo mais ou menos nessa época?
Depois disso, o que aconteceu foi que eu sempre fui muito o general do grupo. Eu dava toda a atenção ao Zé Henrique, porque eu fiz o grupo pensando mais nele mesmo. Tanto que eu fiquei por trás. A intenção já era a de sair, passando a bola pra ele. Só que eles criaram uma democracia ali e democracia é uma palavra na qual eu nunca acreditei. Tem muita gente que usa essa palavra com demagocia, só pra conseguir coisas. Criaram a democracia para despistar e tirar fora o ditador da estória... que na verdade é o criador. Na verdade, todo líder pode às vezes até ser um agente estranho a esta falsa democracia. Mas tudo tem um líder. Os pássaros têm um líder, os animais têm líderes. É ele quem vai direcionar... mas, como a gente vive neste trauma de ditadura, tudo que lembrar poder incomoda. Bicho, isso é um trauma que o Brasil leva e que é uma pedra no sapato. (...) Ah, isso é que dá a super-exposição. O que é que acontece hoje? A mídia te expreme até o bagaço. O artista precisa conhecer seu timing de exposição.

Talvez hoje as pessoas já tenham aprendido.
Mas isso muda o tempo todo, bicho. A Odeon fazia de tudo pra gente ficar o tempo todo dentro do "Qual é a Música?", do Sílvio Santos, e a gente acabou passando quatro meses lá - todo domingo. O que acontecia? A gente tava super-exposto ali. Ninguém precisava comprar o disco se a música tocava toda hora. Bastava ligar a televisão que a gente estava em todos os canais, como é Tiririca hoje em dia. O que acontece? Isso muda todo dia. Se você não está aparecendo hoje em dia, é porque você não está fazendo sucesso. A cabeça das pessoas é assim. As pessoas são tão desinformadas que acham que, se você não aparece na televisão, você não é sucesso. Pra começar, é assim.

Infelizmente, mas a televisão é o melhor meio de se chegar a qualquer parte do país.
É, mas eu não estou tão interessado nisso. Eu tô dando essa entrevista porque é para vocês, porque eu geralmente não procuro essas coisas. Você pode dizer que eu sou um cara difícil de dar entrevistas... porque eu não dou mesmo. Eu não saio daqui. Não é mágoa, é porque minha cabeça está num outro lugar.

O seu ego não exige que você apareça.
Nem um pouquinho, eu não tô nem aí... Às vezes sai uma matéria dizendo que "o Robertinho de Recife produziu esse disco", mas eu fico puto. Eu prefiro que não falem em mim. E tem outra coisa: "Aparece lá no show pra você fazer uma participação especial". Eu não quero aparecer em show nenhum. Não me importa o público, não me importa o público. Não tô nem um pouquinho interessado nele. Não tô mesmo. Eu não quero nada deles, não quero que eles comprem nada meu.