Renato Barros
Entrevista exclusiva de duas horas, concedida por Renato Barros a Marcelo Fróes num restaurante da Barra da Tijuca (RJ) - durante o almoço do dia 29 de agosto de 1997. Publicada originalmente no International Magazine de outubro daquele ano, a entrevista também continua perguntas enviadas pelo gaúcho Emílio Pacheco e foi a primeira longa entrevista de Renato sobre a história dos Blue Caps e os anos 60.
Como surgiram o grupo e seu nome?
Eu tenho dois irmãos, que são o Paulo César Barros, que foi nosso baixista e um dos principais vocalistas até 1989; e o Ed Wilson, que era cantor na época e imitava Elvis Presley. Em 1959, na nossa rua lá na Piedade, existia - e ainda existe até hoje - um clube chamado Esporte Clube Oposição. A gente já vinha com aquele negócio de rock desde 1956, se eu não me engano, quando Bill Haley esteve no Maracanazinho. Eu fui assistir e realmente fiquei louco com aquilo. Já três anos depois, aquele clube começou a fazer showzinhos para adolescentes que quisessem fazer rock. Todo domingo tinha showzinho e a gente se limitava a ficar sentado na platéia, assistindo. A gente jamais poderia pensar que poderia pegar uma guitarra ou um violão e cantar ao vivo. Mas o meu pai, também Renato Barros, era um cara coruja e tinha veia artística - porque trabalhou naqueles filmes da Atlântida com Oskarito, Grande Otelo, Anselmo Duarte e José Lewgoy, fazendo algo entre pontas e papéis secundários; e minha mãe foi cantora da Rádio Nacional, nos anos 30 e 40. Uma bela noite de domingo, o show de rock tava rolando e a gente estava na platéia assistindo. Mas por trás, meu pai tinha armado uma surpresa com o cara que era o organizador do showzinho: em determinado momento, eles nos chamariam para dar uma canja. Foi aquele negócio e a gente não conseguia levantar da cadeira porque a gente morria de vergonha. Era uma timidez incrível, a gente nunca tinha subido num palco. Até que a platéia começou de "canta, toca", que a gente foi lá tocar. E a gente foi tocar exatamente uma música do Elvis que meu irmão cantava muito bem: Don't Leave Me Now, uma balada lenta. A gente foi cantando um monte de rocks do Elvis, daí a gente fez muito sucesso. Os colegas ficavam: "Pôxa, vocês deveriam ir no 'Hoje é Dia de Rock', que era um programa do qual toda a juventude do Rio participava. Era um negócio incrível. Um dia eu tô na cidade com um amigo meu e vi a fila da Rádio Mayrink Veiga. O meu colega me deu força: "Por quê você não entra na fila? Faz uma inscrição, vamos lá". Esse programa realmente parava a cidade nas tardes de sábado: era feito diariamente às 18hs, só com discos, mas aos sábados era feito ao vivo no auditório da Rádio Tupi, com 2 mil pessoas assistindo. Tinha várias modalidades, tinha artistas ou conjuntos de mímica com coreografia e artistas ou conjuntos ao vivo. Eu não sei o que me deu na cabeça, mas eu entrei na fila e quando chegou a minha vez, o diretor Jair de Taumaturgo me perguntou: "Qual é o nome do conjunto?" Eu falei: Bacaninhas do Rock da Piedade, porque tinha um bloco de carnaval da rua chamado Bacaninhas da Piedade. Eu me inscrevi na categoria de mímica. Fomos fazer e levamos uma vaia incrível, porque juntei os colegas da rua e juntos fizemos mímica da música Personality. Aquele programa era tão importante e tinha uma audiência tão grande, que o grande grilo era a volta pra casa. Se você fazia sucesso, a vizinhança te esperava e fazia aquela festa. Mas, também, se você fosse mal, ha-ha-ha... O problema foi saltar do ônibus depois daquela vaia: foi horrível aquilo.
Programa de mímica em rádio?
Era rádio, rapaz, pra você ver. Mas a platéia era de 2 mil pessoas, a pessoa que estava em casa media pelo aplauso. Era um negócio de louco. Só fluem viveu a época, sabe que o negócio realmente funcionava. Conclusão: ninguém ligou pra isso, mas eu fiquei com aquele negócio me perturbando a cabeça. "Eu não posso ficar com essa vaia assim" . Um dia voltei lá e nem tinha conjunto. Quando o Jair de Taumaturgo me viu, eu nunca mais me esqueci disso, ele falou: "Pô rapaz, de novo? Não desistiu?" "Não, seu Jair, eu vou me inscrever de novo mas agora é pra fazer ao vivo". Aí ele gelou, né? Ele deve ter pensado: "Pô, se mímica já foi uma desgraça..." Então nós chegamos lá e ele falou: "Então tá, mas pelo menos vamos trocar esse nome, que é ridículo: Bacaninhas do Rock é ridículo". O nome Renato e seus Blue Caps nasceu daí, porque nós começamos a pensar num nome e eu não tinha nenhum preparado. Ele me perguntou meu nome, aí começou a pensar: "Renato e seus Cometas", "Renato e seus não-sei-oquê"... E ficou "Renato e seus Blue Caps...", por causa do Gene Vincent, mas ficou o rabinho "... da Piedade". Nós preparamos uma música chamada Be-Bop-A-Lula, que era o sucesso do Gene Vincent, mas na versão dos Everly Brothers - que era em duas vozes, tipo sertanejo. Eu não me lembro se era eu e Paulo César, eu e Edinho ou Edinho e Paulo César, mas eu só sei que cantar em duas vozes naquela época era um negócio de louco: era uma novidade. Quase ninguém fazia, principalmente aqui no Brasil. O jovem não cantava em duas vozes. Aí a gente arrebentou com o programa. Aquele auditório veio abaixo, foi um sucesso, mas a gente não pode dar o bis porque a gente tava concorrendo com os outros. Isso era no sábado, e na segunda-feira pela manhã eles davam o resultado: era todo mundo com o ouvido no rádio, torcendo. Saiu nossa vitória naquela semana e no final do mês nós fomos concorrer com os vencedores de cada semana. Levamos uma do Elvis, já com o Edinho cantando. Meu irmão Paulo César tinha 12 anos, com aquele baixão maior ,do que ele. Era um negócio meio cômico, mas era legal. A gente também ganhou corno melhor do mês e aí começou a história de Renato e seus Blue Caps. A gente conheceu Roberto Carlos, conheceu o Erasmo - que entrou para o Renato e seus Blue Caps...
Até então só somando, né? Quais foram as formações do grupo?
A primeiríssima foi eu de guitarra, Paulo César no baixo, Edinho de violão e voz e Beto na bateria. Tinha o Carlinhos e o Luiz Banana, que virou funcionário da IBM e ficou famoso como juiz de futebol: Luiz Carlos Dias Braga.
Como foi a entrada do Erasmo Carlos?
Antes disso, na época do "Hoje é Dia de Rock", tinhamos dois futuros integrantes nossos tocando em bandas concorrentes: o Gelson, nosso baterista, que era do Teenage Rockers (futuro Os Adolescentes); e o Cid, que era dos Silvery Boys. Entraram mais tarde. O Cid entrou em 1964, vindo da banda do Roberto Carlos. Ele deixou o Silvery Boys para tocar com Roberto Carlos, porque ele tinha o som do saxofonista moderno. O parâmetro de saxofonista era o Manito, de Os Incríveis: quem tocasse parecido com ele, tocava muito, e o Cid tirava aquele som rouco do sax que o Manito tirava. Ele foi tocar com o Roberto Carlos e um dia o Roberto chegou pra ele e disse: "O negócio é o seguinte, bicho: eu tô parando com a banda porque não tá tendo show, não tá tendo trabalho". Veja só, o Roberto parando com a banda porque não tava tendo trabalho! (rindo)
Mas isso antes dele ter estourado, né?
Sim, mas ele já tinha gravado Malena e aquelas coisas lá. Tava bem no início, diga-se de passagem. Mas ele falou: "Mas Cid, eu tenho o conjunto de uns amigos meus que eu vou te apresentar, que é pra tu ir pra lá: é o Renato e seus Blue Caps". O Cid falou: "Não precisa não, se é por isso pode deixar porque eles já me convidaram!" Meu irmão Paulo César tinha ido tocar num baile com ele e já tinha feito o convite. Essas pessoas já tinham conjuntos antes.
O Cid tocava com o Roberto em shows, né? Porque em estúdio ele gravava com The Youngsters, né?
Com os Youngsters e conosco. O primeiro rock que o Roberto gravou foi com Renato e seus Blue Caps: foi Splish Splash. Na verdade, o Roberto não gostava muito do nosso som. (rindo) Eu sentia que ele não gostava. Ele tinha lá as preferências dele. Mas a grande arrancada do Roberto dentro da CBS foi o Splish Splash, pois até então ele havia gravado aquele disco "Louco Por Você" e ele ficava falando: "Porra, eu fico gravando com aqueles coroas! Tocam bem, mas não têm o som que eu quero!"
Ele tem raiva daquele disco desde aquela época.
Tem. Se relançarem, ele compra tudo. Mas a história é mais ou menos essa. Foi aí então que o Erasmo entrou para o conjunto, porque ele era secretário do Carlos Imperial... Olha, rola tanta coisa ao mesm9 tempo que às vezes eu me embaralho. E muito difícil. Eu já tô falando desta fase, mas antes disso já tinha rolado outras coisas. Já tinha rolado o programa do Imperial, tinha rolado o programa dele na Guanabara - que foi quando eu convidei o Erasmo pra entrar para o conjunto. Por causa das menininhas, né, porque o nosso negócio eram as menininhas: não era pra ganhar dinheiro.
Como pintou o primeiro convite de gravadora?
Quando nós ganhamos o melhor do mês no "Hoje é Dia de Rock" em março de 1960, um dos prêmios era participar do programa do Chacrinha na TV Tupi. Era um negócio de louco e a gente foi lá. O programa tinha um cenário que parecia uma boate, com várias mesas e vários convidados. Numa dessas mesas estava o Nazareno de Brito, que era o diretor da Copacabana. Foi ali que pintou: ele se empolgou com a gente e fez uma proposta pra gente gravar um disco, que hoje seria chamado de pau-de-sebo do rock. Era Renato e seus Blue Caps, Reynaldo Rayol (irmão do Agnaldo) e Cleide Alves. Cada um teria 4 faixas no disco e nós fizemos assim. Não aconteceu nada com o "Twist" e aí é que pintou o primeiro disco do Renato e seus Blue Caps. A partir dali, nós ficamos marcando passo na Copacabana... porque não acontecia absolutamente nada.
Ed Wilson já tinha saído.
Sim, ele já tinha sido chamado pra gravar. Na verdade, ele foi chamado pra gravar primeiro que a gente. O Imperial chegou na Odeon e falou: "Pô, tem um cara aí, bicho, que é o Elvis brasileiro: tem que gravar com ele".
Bem antes do Jerry Adriani ter aparecido.
Muito antes, muito antes. Aí o Imperial perguntou ao Edinho: "Ou você fica no Renato e seus Blue Caps ou você grava um disco seu". O Edinho gravou seu disco, com a gente acompanhando. A música era Nunca Mais, depois ele gravou O Carro do Papai na RCA. Sempre com a gente acompanhando. Ele foi o primeiro a ter uma oportunidade, eu me lembro que uma vez ele foi chamado pra fazer um programa de televisão em Recife.
Mas bem que existe um boato de que ele saiu do conjunto porque não tinha como pentear seu cabelo crespo igual aos Beatles...
O pior é que é... Não foi bem assim não, mas é verdade. O cabelo dele não dava... (rindo) Eu me lembro que eu fui levá-Io ao aeroporto, quando ele foi pra Recife. Ele pegou o avião e eu fiquei com inveja. O Edinho fez sucesso antes da gente. A coisa rolou assim.
E quanto à liderança do grupo? O nome indica que você é o líder do grupo, mas por muito tempo o Paulo César foi o principal vocalista, depois de Ed e Erasmo, e hoje o "mestre-de-cerimônias" é o Cid. Como funciona?
Se eu algum dia fui líder, foi sem sentir. Porque, veja só, a gente tinha um sentido de família muito grande. Eu sempre considerei as pessoas que participaram do Renato como irmãos. Irmãos de verdade, mesmo. Quando o Renato começou, gravou e fez sucesso, era eu, Paulo César, Edinho - até aí três irmãos -, mas depois veio o Carlinhos, que era primo criado junto... Então, todo mundo que entrava a gente considerava da mesma forma. Quando um desses saía e outro entrava em seu lugar, era recebido da mesma forma. Eu nunca exerci uma liderança, pelo menos consciente. Eu me lembro de tê-la exercido. Eu sempre agi no Renato com a maior democracia possível. E aquele negócio de "a maioria é que está certa". Nem sempre a gente é dono da verdade. Às vezes eu pensava em fazer alguma coisa e, quando três eram contra mim e a maioria vencia, mesmo convicto daquilo que eu achava como certo, eu cedia. Eu nunca exerci uma liderança convicta, mas o que eu posso te dizer sobre minha importância é por eu ter feito a banda. Tudo na vida começa com uma idéia: eu tive a idéia, acreditei na coisa e fiz. Depois, mais tarde, eu acho que a minha importância foi por eu ter dado a minha vida pelo Renato e seus Blue Caps. Ou seja, se você me perguntar: "Renato, você curtiu sua juventude?", eu vou te falar: "Não". E não curti mesmo, porque eu vivia 26 ou 27 horas por dia no estúdio. Quando não estava em estúdio, estava fazendo turnê pelo país. Era mais estúdio, eu trabalhei muito dentro de estúdio... a partir de 1964, até meados dos anos 70. Pegava as músicas, fazia versões, fazia arranjos com Paulo César, sei lá. Eu me dediquei muito mesmo, mas sempre fui daquele tipo de cara: eu acho que a pessoa tem que ser a pessoa certa pro lugar certo. Eu perdi a minha juventude lá dentro. Não estou reclamando, porque eu gostava, eu fazia aquilo com prazer, aquilo era uma cachaça e aquilo foi um aprendizado. O Cid, por exemplo, é um cara ao qual eu dou um valor incrível. Reconheço um valor incrível nele, porque ele anima um show do Renato como ninguém. Eu jamais faria 1/10 do que ele faz, porque eu não sei fazer. Eu não sei chegar num microfone e encarar uma platéia grande e começar a contar piadas ou a falar um monte de coisas. Eu sou muito introvertido. E na banda ninguém sabe fazer isso, só ele. Então porque não ser ele? Tem que ser ele.
Por que ele parou de tocar sax? Porque vocês começaram a tocar como os Beatles e já não tinha mais espaço para o sax?
Exatamente, foi isso aí. Fizemos a formação de Beatles e não tinha sax. E nem tinha teclado, nós não tínhamos tecladista. Voltando à liderança, se eu a exerço eu acho que todos também exercem. Talvez essa nossa filosofia seja uma das razões pelas quais o conjunto exista até hoje. A gente briga...
Mas vocês nunca se separaram. Renato e seus Blue Caps é o grupo mais antigo do mundo.
Nós estamos lutando oficialmente por uma inclusão no Guinness Book Of Records, através de um jornalista de Brasília. Sabe por quê? Eu tava fazendo uma entrevista em Porto Alegre e me perguntaram: "Como é que você se sente estando na banda mais antiga do mundo em atividade?" Eu achei a pergunta estranha e falei: "Não, não é a mais antiga... "
Foi aí que você acordou pra essa realidade?
Foi. Ele falou: "Então qual é a mais antiga?" Eu respondi: "Rolling Stones". Aí ele falou: "Não, os Rolling Stones começaram em 1962... e vocês começaram em 1959!"
Jordans, Jet Blacks e todos os demais são posteriores?
São posteriores mas, mesmo que tivessem sido anteriores, deram uma parada em algum momento. Nós não. Os Incríveis não seriam mais antigos mas, de qualquer maneira, já pararam e param e voltam a toda hora. A gente tá nesse processo de entrar para o livro dos recordes e isso vai ser muito bom. Nós temos esse título. ~
Estávamos falando de Cid, saxofonista do grupo, mas antes dele vocês tiveram o Roberto Simonal. Parente do Wilson?
Tá vendo só como é que eu me perco? Ele é irmão do Wilson Simonal e entrou junto com o Erasmo e saiu junto com o Erasmo.
Erasmo foi pra RGE e vocês acabaram indo pra CBS. Como é que vocês foram parar lá?
Eu nunca mais me esqueço do estúdio da RCA lá na cidade. Erasmo chegou e falou: "Benil Santos quer que eu grave um disco sozinho, mas eu não sei como é que eu vou fazer". Eu falei: "Pô Erasmo, vai..." Dei a maior força e aí ele deu aquele tempo de um ou dois meses pra sair. O problema dele é que nessa época ele era o único que cantava, porque eu não cantava e o Paulo César jamais pensara em cantar... pois tinha vergonha, era tímido.
Antes do Erasmo, o vocalista tinha sido o Ed. E agora?
Aí a gente teve que se virar: a gente se lembrou do Be-Bop-A-Lula em duas vozes. Quando o Erasmo saiu, nós ficamos no ar e começamos a procurar uns caminhos a seguir. Foi aí que veio o caminho de cantar em vocal.
Quando vocês foram pra CBS, o LP "Viva Juventude" teve Erasmo cantando mas nenhum crédito para ele.
Ele participou desta gravação por uma questão sentimental, porque era uma turma e ele queria estar junto. Ele também ainda não tinha estourado...
Vocês tocaram com ele em seu primeiro disco solo pela RGE?
Tocamos, claro que sim. A Pescaria, Festa de Arromba e tudo isso. Pra você ver como tudo rolava ao mesmo tempo, nesta mesma época rolou o Roberto Carlos, que ficava dizendo: "Pô, eu fico gravando com o pessoal antigo, que não tira o som que eu gosto..." Os músicos eram profissionais mas eram mais velhos, não tiravam aquele som de guitarra e de bateria: aquela energia de jovem.
Cronologicamente, a entrada de vocês na CBS foi com Roberto Carlos em Splish Splash. Depois é que veio o disco de vocês...
Pois é, veja só como eram as coisas. Roberto batalhava muito pra que a gente fosse gravar com ele. Ele falava: "Pô, tem uns 'caras da minha idade e que tocam comigo no show... Eu quero gravar com o som que eu faço no show!" E a CBS era uma gravadora conservadora, tanto que a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal era toda contratada da CBS. Pra você ver como é que ela era... e ela tava vindo daqueles boleros e daqueles artistas e tudo. Rossini Pinto, por trás, também mexia muito lá na CBS, pra levar a gente pra lá. Um dia, Evandro Ribeiro assumiu a CBS - antes era Roberto Corte-Real - e chegou pro Roberto e disse: "Ah, então traz esses caras aqui e vamos ver o que é que acontece!"
Nós chegamos com aquelas guitarras feitas em casa, minha guitarra era feita por mim mesmo. Tinha um rame desgraçado, uma chiadeira, gravei com ela. Gravamos o Splish Splash e eu me lembro que no dia seguinte à mixagem, 'uma segunda-feira, tocava a fita em tudo quanto era sala. Foi um reboliço dentro da companhia. Era um som moderno, atual, pra época era bom. O que aconteceu? Um dia Evandro Ribeiro me chamou... mas com uma distância muito grande, não me dando muito cartaz: "Vocês têm contrato com Copacabana, né? Vê lá Quanto é que eles querem para rescindir e vem pra cá pra fazer um disco..." Meu pai foi lá na Copacabana e não teve que pagar nada. Eles deram a rescisão numa boa, não tavam nem aí. Chegamos na CBS e o seu Evandro mandou a gente gravar um compacto. Se você pegar este compacto, verá que as quatro músicas não têm nada a ver uma com a outra. Uma miscelânea danada, produzida por Jairo Pires. Não vendeu nada... mas aí a gente partiu pro LP. Estávamos_gravando "Viva a Juventude", e paralelamente fazíamos diariamente o programa do Carlos Imperial na TV Rio. Cada dia tínhamos que abrir o programa com uma música diferente. Um belo dia ele me chegou com um compacto duplo com uma música marcada a caneta: "Renato, tira essa música pra vocês tocarem amanhã!" Eu falei: "Pô, mas que música é essa?" Olhei e era dos Beatles, dos quais eu nunca tinha ouvido falar. "Pô Imperial, tirar pra amanhã?" "E, pra amanhã, pois esses caras estão estourados na Europa e nos Estados Unidos... e estão sendo lançados aqui".
Eu levei pra casa e tirar a letra, como eu não tinha conhecimento de inglês na época, ia ser difícil. Fazer todo mundo decorar a letra e cantar ia ser muito difícil, então eu falei: "Sabe de uma coisa? Eu vou fazer uma letra em português, qualquer coisa pra gente cantar..." Aí eu fiz Menina Linda em cima de I Should Have Known Better. Nós cantamos e foi uma chuva de telefonemas, pedindo pra gente cantar a música de novo. Imperial falou: "Vamos cantar de novo!" Quando nós saímos do programa, resolvemos gravá-la pro disco... porque, até então, a música não ia entrar. A música arrebentou de uma maneira, foi um sucesso tão grande, que os Vips gravaram querendo dar uma derrubada na gente lá em São Paulo. Mas não deu pra derrubar. A gente era muito inocente e, com Menina Linda estourada no Rio de Janeiro, eu nem imaginava que existisse um país. Um dia me chega um cara boa pinta na porta da minha casa, alto e bem vestido e com uma pastinha 007. Tinha uma pinta de Oficial de Justiça... e meu pai era Polícia Civil (a esta altura, ele já tinha desistido da carreira artística). "Sr. Renato Barros mora aí?" E aí meu pai falou: "Bem, tem eu e meu filho". O cara disse: "Deve ser seu filho..." Meu pai perguntou: "De que se trata?", achando que poderia ser alguma besteira que eu tivesse feito.
Já era época de repressão, né?
Principalmente porque teve o negócio da corrupção de menores, que na época foi um horror. Os artistas foram envolvidos e tal, meu pai ficou preocupado, mas o cara disse: "Eu sou da TV Record, de São Paulo..." O cara me conheceu e disse: "Renato, estou com passagem de ida e volta pra São Paulo e você tem que ir comigo agora, pra assinar um contrato com a TV Record". Eu falei: "Como é que é? O que é isso?" Ele respondeu: "Olha, já estreou um programa semana passada em São Paulo, chamado 'Jovem Guarda', liderado pelo Roberto Carlos..." E olha que o Roberto não tinha falado nada pra gente, hein... mas tinha Trio Esperança, Golden Boys, Rosemary, Wanderléa; Erasmo e os artistas de São Paulo - Vips, The Clevers, The Jordans, The Jet Blacks. Na hora fiquei pensando: "Pô, não disseram nada pra gente..." A gente tava fora dos planos, olha como a vida é engraçada. Nós estávamos totalmente fora dos planos. Meu pai me beliscava pra eu ir, pois eu não queria. Botei roupa e fui, chegamos lá e entramos no escritório do Marcos Lázaro. Ele estava com a parada de sucessos em sua mesa: "Renato, é o seguinte, o programa da 'Jovem Guarda' começou e foi um grande sucesso de audiência na estréia e eu pedi pra que você viesse participar porque não tem cabimento o conjunto que está em segundo lugar na parada de sucessos de São Paulo não participar..." Ele me mostrou: Menina Linda estava em segundo lugar, subindo pro primeiro, e eu nem sabia. Eu fui sozinho, só pra assinar, assinei e foi aí que nós começamos a participar da Jovem Guarda. E foi aí que eu descobri que a gente estava sendo boicotado.
Por quem?
Não sei, deixo no ar. Mas estava sendo boicotado... porque a gente realmente não estava nos planos. Porque daqui do Rio estavam Golden Boys, que fazia sucesso mas não tão grande como o nosso; a Rosemary, o Trio Esperança... Mas tudo bem, Deus escreve certo por linhas tortas. Começamos a fazer o 'Jovem Guarda' com a música já em primeiro lugar. Nós passamos o Roberto nessa parada... A gente ficava num ping pong, foi um sucesso muito grande. Aquele auditório da TV Record era uma loucura: você não precisava cantar, quando era sucesso eles cantavam pra você. Eu sempre digo: nós não somos oriundos da Jovem Guarda. Nós somos anteriores e não fizemos sucesso graças à Jovem Guarda, nem por causa da Jovem Guarda. Tá chegando onde eu quero? Pelo contrário, nós fomos participar do programa da Jovem Guarda porque nós estávamos fazendo sucesso. Agora, eu duvido que - se não fosse a Jovem Guarda - nós tivéssemos estourado um outro LP depois, com Feche Os Olhos. Eu já não sei, eu acho que a Jovem Guarda foi muito importante pra gente. E uma história engraçada.
Vocês tornaram populares no Brasil músicas dos Beatles que nem eles exploraram tanto lá fora. Coisas como You Won't See Me, que não é um grande sucesso deles. Anna é um outro exemplo. Como é que vocês escolhiam o repertório?
Nesse programa do Imperial, teve um dia que uma loja foi fazer um desfile de modelos. Eu conheci uma menina chamada Lilian, passei o telefone pra ela e nós começamos a namorar. Ela era uma beatlemaníaca daquelas;.. Eu não era tanto não, mas ficava contagiado com aquele negócio. Então, tudo quanto era disco dos Beatles, ela conseguia numa rapidez impressionante...
... o que certamente facilitava para que vocês lançassem músicas novas por aqui, antes mesmo da Odeon lançar o produto nacional.
A gente pegava as músicas que a gente gostava mais e eu fazia versões, ela também. A gente lançava antes dos Beatles, às vezes; essa foi a nossa sorte. (...) A verdade é a seguinte: eu não era fã do Oswaldo Montenegro, mas depois de uma entrevista dele eu passei a gostar dele. Ele é um cara sensacional. Eu não o conheço, não tenho intimidade, mas eu me coloco como fã dele. Ele falou uma coisa que eu sempre quis transformar em palavras e não conseguia. Você começa imitando seu ídolo, só que você não tem as mesmas aptidões e acaba fazendo algo diferente. Com essa diferença, você acaba criando um estilo próprio. O que aconteceu com a gente foi isso: a gente queria copiar os Beatles com perfeição, mas a gente não sabia e não tinha tempo.
Bem, Liminha já declarou que o baixo das gravações que vocês faziam ficava ainda melhor...
É aí que eu quero chegar. Nós pegávamos uma música dos Beatles e abrasileirava, sulamericanizando a música dos Beatles. Tem músicas dos Beatles, como por exemplo Run For Your Life, eu gosto mais da nossa gravação do que da deles. E olha que eu não acho a nossa perfeita, hein. Eu sou um cara muito pé-no-chão. Nossa maneira de tocar caía mais no gosto brasileiro.
Vocês também gostavam de outras coisas. A Primeira Lágrima é super Beach Boys.
Fui eu que fiz. Tentei fazer Beach Boys... (rindo), mas não consegui não. De repente, virou um Beach Boys meio Quero Que Vá Tudo Pro Inferno, porque tem aquela guitarrinha que os Beach Boys não tinham. Foi uma miscelânea que deu certo. Aí a gente já começou a compor inspirado, de tanto ouvir Beatles e todo mundo, começando a adquirir algumas particularidades.
Você sentiu-se ameaçado quando os Brazilian Bitles apareceram?
Não, não senti ameaçado porque era uma outra praia. A gente tinha muita consciência do nosso trabalho e pra onde a gente o endereçava. A gente tinha uma confiança incrível na nossa gravadora, a CBS. Quando me refiro à gravadora, é mais diretamente a pessoa de Evandro Ribeiro, que era muito competente. Depois de Evandro Ribeiro, só sobrou mesmo Miguel Plopschi... Eu sempre gosto de dizer isso, porque eu acho que o último produtor daquela safra de pessoas competentes e conhecedoras de mercado, uma águia realmente, é o Miguel Plopschi. E o último que resta, com respeito que tenho pelos outros. Mas eu tinha muita confiança no Evandro Ribeiro, porque ele tinha uma potência na mão. A verdade é essa, ele mandava uma circular pro Brasil inteiro, dizendo: "Estoura..." Se fosse na época o Waldick Soriano, ele teria estourado. Ele era respeitadíssimo e o que ele quisesse que fosse sucesso, geralmente era sucesso.
Como Liminha, né?
Como Liminha, exatamente. Liminha é outro que eu esqueci de citar: um senhor produtor. Hoje ele e Rildo Hora estão juntos numa matéria de "O Globo"; hoje ele é sambista, mas nós gravamos muita guitarra juntos. Ele tocou muito rock na Joven Guarda, naquela CBS... E um outro grande amigo meu. Ele tocava muito mais guitarra do que eu, acompanhando como músico de estúdio. (...) Mas você sabe qual é a banda que me balançou e da qual eu tinha uma pontinha de receio? The Sunshines, que estava dentro da mesma gravadora. Eles eram meus amigos e nós somos amigos até hoje, mas eu via neles um conjunto de talento. Eles tinham um produtor muito talentoso, que era o Jairo Pires... Seu Evandro, muito inteligente, criou concorrência dentro da própria gravadora. Ele tinha seu cast de Jovem Guarda e um dia chegou pro Jairo Pires e falou: "Olha, você vai fazer um outro cast..."
... e criou o selo Epic.
Sim, o do selo amarelo. E o Jairo fez seu cast, para concorrer com o cast do seu Evandro. E o Sunshines concorreu com a gente. Quer dizer, graças a Deus não deu certo... porque seria um conjunto que balançaria o Renato e seus Blue Caps dentro da própria gravadora. Brazilian Bitles, não. Eu admirava a rapaziada mas não, eu achava que eles faziam um negócio muito Rio de Janeiro, muito endereçado para aqui. Renato já pensava em coisas mais abrangentes.
Vocês foram bem nacionais, enquanto até os Fevers eram bem locais.
Muito local, depois é que eles saíram A gente gravava naquela época o que hoje é chamado de forró. Duvido que os Braziliar Bitles gravassem um negócio desses. A gente também não gostava, mas era obrigado a gravar... Então a gente sempre gravou coisas pras regiões, pro Brasil todo.
Você falou que no começo não dominava bem o inglês. Você procurava saber o que a letra queria dizer, antes de fazer suas versões? Escândalo em Família não tem nada a ver com a piada da música original.
Eu sabia da piada original, mas ele jamais poderia ter feito uma versão ao pé da letra daquela música. Não ia sair mesmo, mas eu achava aquela música muito boa e muito forte. Inventei uma história.
Na época da Jovem Guarda, você chocou um bocado quando foi o primeiro a usar rabo-de-cavalo.
Fui o primeiro... A história é muito engraçada. Nós estávamos na sala de maquiagem do "Jovem Guarda", passando pó na cara e tal. Eu estava sentado e ao meu lado estava o Roberto, também passando pó e ele teve em sua carreira uma mulher imprescindível, que foi a Edir: uma mulher que fez o Roberto em São Paulo; ele sabe disso e confirma. Toda semana ela procurava uma coisa diferente, para o Roberto entrar de uma forma diferente. Eu me lembro que tinha um cabelo muito comprido já em 1966. A Edir chegou com um elástico na mão, dizendo: "Roberto, você hoje vai entrar de rabo-de-cavalo?" Ele disse: "O quê? Eu entrar de rabo-de-cavalo? Isso é coisa pra bicha! Inventa outra coisa, porque isso eu não quero!" Ela disse: "Então entra você, Renato", e eu de brincadeira falei: "Eu entro, me dá aqui! Posso entrar mesmo?" (rindo) Aí eu entrei.
Qual foi a repercussão?
Começaram a me chamar de "puro sangue". Meu pai achava ridículo aquele negócio... mas valeu, porque marcou. O pessoal sacou que era piada, que era um troço diferente... Tinha uns caras que me gozavam na rua: "Renato, dá esse rabo pra mim?" (rindo)
Vocês participaram de alguns filmes, não?
Primeiro nós participamos de um documentário chamado "Rio à Noite", com o Chacrinha. Era um documentário sobre a cidade do Rio de Janeiro. Depois nós fizemos um filme com o Zé Trindade, chamado "Mulheres, Cheguei". Mas aí a gente já tava em turma, com Carlos Imperial e Roberto Carlos. Fizemos "Rio, Verão e Amor", um filme colorido com Augusto César Vanucci, Brazilian Bitles e Lilian. Na época eu não fui ver no cinema porque tinha vergonha. Agora é que eu fui ver e até gostei do enredo. Não é um filme vazio não. Depois fizemos "Na Onda do lê lê lê", em preto-e-branco.
As coletâneas de Jovem Guarda estão misturando as coisas, incluindo faixas de Odair José, Reginaldo Rossi e até Cláudia Telles. Você acha que a Jovem Guarda acabou em 68 ou no momento em que as gravadoras começaram a prostituí-la nos anos 70, querendo vender como artista da Jovem Guarda quem nunca tinha sido? Em que momento a Jovem Guarda acabou pra você, se é que ela acabou algum dia?
Essa tua pergunta é tão legal e tão séria, que eu não sei se vou saber falar tudo o que eu penso. Eu tenho muitas dúvidas a respeito de Jovem Guarda. Pra mim, primeiramente Jovem Guarda foi um programa. Então, paralelamente àquele programa aconteceram programas concorrentes, como foi o do Ronnie Von. Então eu já fico sem saber se o Ronnie Von foi da Jovem Guarda.
Wanderley Cardoso declarou que não foi da Jovem Guarda porque nunca cantou no programa do Roberto Carlos.
Pois é, apesar dele ser meu amigo eu não sei se ele é Jovem Guarda. Eu não sei se o Jerry Adriani, que é outro amigo, é Jovem Guarda. Pra mim, eu vou te ser sincero, Jovem Guarda são aquelas pessoas que participaram daquele programa. Então a Jovem Guarda virou uma grande bagunça. Os Vips pra mim são Jovem Guarda. Um outro detalhe também é que eu não vi o final da Jovem Guarda. Quando falo "o final da Jovem Guarda", é o programa. Graças a Deus eu não assisti, porque eu soube que foi um negócio muito triste. Sabe por quê? Eu considero Renato e seus Blue Caps o Tim Maia daquela época, porque fazia o monte de loucuras que só Tim Maia faz hoje.
Dava muito bolo?
Não só bolo, não. Eram atitudes loucas. Tim tem atitudes completamente malucas, peita e não tá nem aí. E o Renato e seus Blue Caps era isso, tinha muito de Tim Maia. Você acredita que, no auge do programa "Jovem Guarda", eu fui pedir rescisão de contrato ao Marcos Lázaro? Mas muita gente não acredita. Não tinha sofrimento maior pra gente do que chegar num domingo de sol aqui no Rio e pegar uma ponte aérea pra São Paulo, pra fazer aquele programa. Pra nós, era prazeroso chegar lá e encontrar os colegas; era um convívio muito legal. Agora, meu amigo, sair daqui domingo pra ir fazer um programa em São Paulo e voltar depois, não tinha coisa pior. A gente gostava de uma praia, eu sou amante de futebol até hoje. Na época, eu era louco por futebol e vivia no Maracanã. Era o Flamengo jogar, que eu estava lá. E às vezes jogava Flamengo e Botafogo ou Flamengo e Vasco, e eu tinha que pegar aquele avião às 3 horas da tarde. O que aconteceu? Esse mal pegou em todo mundo. Não era só eu não, todo mundo reclamava e ninguém tinha saco.
Sabe porque a gente pensava assim? Porque a gente achava que aquilo não ia durar muito. Aquela fase ia acabar depois a gente ia ter que seguir cada um seu caminho. Eu nunca ia imaginar que hoje eu ainda estaria no Renato e seus Blue Caps! (rindo) Uma vez eu peguei um avião, fui lá no Marcos Lázaro... Mas antes disso, o negócio era tão engraçado que o programa começava às 4 horas e ia até as 6. Sabe a que horas nós pegávamos a ponte aérea? Às 4, com o programa começando lá. Chegava lá às 4:50, queria ficar o mínimo possível, e sempre que chegava no teatro tava no final do programa. A gente geralmente encerrava o programa, mas não porque fosse a atração principal. A gente entrava no palco como tinha vindo no avião; ou seja, calça Lee rasgada e chinelo. A gente era vanguarda, rapaz; a Tropicália depois veio com esse tipo de postura, de tocar de camiseta, e colou. Só que a gente já fazia isso antes. Só que a gente fazia por relaxamento, tanto que um dia a Wanderléa estava cantando e a gente estava se preparando pra entrar. Roberto veio tomar uma água e me olhou de cima a baixo, dizendo: "Pô rapaz, tá sacaneando o meu programa? Vê se bota pelo menos um sapato, bicho! " (rindo) Mas a gente não viu o final porque a gente pediu rescisão... A gente acertou, sem querer; a gente pediu rescisão porque a gente realmente estava estressado da Jovem Guarda.
Enquanto a Jovem Guarda terminava, rolava um movimento de música popular e nomes como os Golden Boys e Leno participavam dos festivais de MPB. Vocês nunca sequer pensaram em participar?
A gente ia participar com o Raul Seixas. Foi desse que o Leno participou? Mas aí eu cheguei atrasado no Maracanazinho e perdi a hora. Mas eu convivi com os grandes festivais dá TV Record, pelo menos nos bastidores. A gente estava ali presente, aquela época da TV Record foi uma época de ouro. Eu vi essa gente toda começando ali: Caetano, Chico, Gil, Elis, Jair Rodrigues... A gente viu isso tudo de perto.
Como foi a saída do Paulo César do grupo em 1969? O que motivou a gravação daquele compacto solo, que foi engavetado pela direção da gravadora para que ele voltasse?
Eu não sei, eu era tão inocente... e o pior é que a música era minha. Foi uma grande burrice dele, nossa e da gravadora... porque aquilo não poderia realmente dar certo. Porque, veja só, com Renato e seus Blue Caps tocando, eu produzindo, a música sendo minha e o Paulo César cantando, aquilo era Renato e seus Blue Caps. E não aconteceu por isso. O que aconteceu com o Paulo César foi que, na época, não faltavam caras para dar bizu no teu ouvido como acontece até hoje. "Oh fulano, você é que é o bom". Aconteceu com Almir, dos Fevers. "Faz uma carreira solo, rapaz, você é que é o bom, os Fevers vendem por causa de você". "Paulo César, Renato e seus Blue Caps vende por causa de você". O que aconteceu com Ney Matogrosso e com Rita Lee deve ter sido isso, só que eles deram certo. Eu tenho a impressão de que deve ter sido isso', depois a volta dele foi natural. Anos depois, o Miguel Plopschi, muito inteligente, deu uma cantada no Paulo César pra ele gravar um LP com músicas dos Beatles na Odeon. Muito bom o disco, mas ali são os Fevers que tocam com ele. Na época eu fiquei com muita raiva, mas depois que eu fui trabalhar em gravadora eu passei a entender a cabeça dos dirigentes de gravadora. E eu acho que o Miguel tava certo e é por isso que hoje eu sou fã dele.
Como é que Michael Sullivan pintou no Renato e seus Blue Caps?
Justamente por isso, porque o Paulo César saiu de novo em 74. Antes disso, eu era produtor da CBS e um dia entrei numa gravação do Rossini Pinto, que também era produtor e estava produzindo um conjunto. E o Sullivan, que mais tarde eu apelidei de Porquinho e pegou, estava cantando naquele momento em que eu entrei pra falar com o Rossini. Ouvi, olhei lá pra dentro e eu gostei da voz dele, com um timbre meio triste e meio negro. Ele tem um timbre bonito. Na hora não passou na minha cabeça, mas eu guardei aquele momento... e, quando o Paulo César saiu, nós tínhamos o Pedrinho como baixista e como instrumentista ele não fez falta. Mas como vocalista, sim. Um dia fui à CBS, cruzei com o Michael e perguntei: "Você não quer fazer baile com Renato e seus Blue Caps?" Ele respondeu: "Pô, tá falando sério? Eu quero sim!" A entrada dele foi assim e ele ficou por três anos; gravamos Se Você Soubesse com ele, Não Aceito O Teu Adeus e Como Há Dez Anos Atrás. Três discos.
Como foi seu período como diretor artístico na CBS? O que você efetivamente fazia?
Eram várias atividades, mas eu também continuava como músico. Mas fui empregado mesmo, como o Raul Seixas, com salário e tudo. Na verdade, eu já produzia discos lá desde 65 ou 66. Quando deu 1970, se eu não me engano, eu tava jogando uma pelada no Clube Riviera, na Barra da Tijuca, e o Mauro Motta, que tava recém-chegado no Renato e seus Blue Caps como tecladista, falou: "Tá sabendo? A CBS vai criar um quadro de produtores fixos, empregados, e você está no meio, junto comigo e com o Raul". Eu falei: "Pô, legal". Então ficou eu, Raul e Mauro, além de Rossini Pinto e Luiz Carlos Ismail, que é primo do Roberto Carlos e hoje é seu backing vocal. Jairo Pires já era antigo, do tempo da concorrência sobre a qual eu falei há pouco. No setor nordestino, tinha o Abdias e eu acho que era só isso. Mais tarde, a CBS acabou com o quadro de produtores e começou a adotar o sistema de free lance, que funciona até hoje.
Como rolou a saída de vocês do cast da CBS?
Fomos nós que pedimos a rescisão. Nós nunca fomos mandados embora de uma gravadora. Cláudio Condé, que era o presidente da gravadora e que é uma pessoa que eu admiro muito, acabou com o cast de produtores. Por uma coisa de ficar com raivinha, eu poderia ter pedido a rescisão do contrato do conjunto... mas eu não fiz isso, Continuamos, só que tem que a CBS mudou da água pro vinho. Saiu todo mundo da minha época, não sobrou ninguém e chegaram aquelas pessoas novas, com outras mentalidades e contra as quais eu nada tinha. Eu acho que em tudo tem que haver uma renovação, mas aí começou a ficar uma situação incômoda pra nós. Porque eles queriam fazer coisas novas, então não colocavam azeitona na empada dos outros. Eles só colocavam azeitona nas coisas que eles faziam e eu acho que tá certo. A gente gravava e continuava merecendo respeito da gravadora, mas o disco saía e nada acontecia. Ninguém fazia nada. Aí a RCA veio e fez uma proposta pra gente. A gente foi pra RCA em 84, gravou o disco e fomos participar de uma noite inesquecível no Maksoud Plaza: convenção da gravadora, com show pra mostrar o disco. Quando a gente entrou, foi um sucesso... mas 15 dias depois, todo mundo que estava ali foi mandado embora! Pintou outra renovação, que foi quando chegou o Manolo Camero e o Miguel Plopschi. Eu hoje tô meio magoado com o Miguel por probleminha bobo, mas é uma pessoa da qual eu gosto muito e a quem eu tenho muito respeito profissional. Mas acontece que na banda, na época, nem todos gostavam do Miguel. Eu, por já ter uma cabeça de produtor e de conviver dentro de uma gravadora, sabendo o que é a cabeça de um diretor, eu não misturava muito as coisas. Quando Miguel chegou na RCA, me disse: "Renato, vamos fazer um disco bom". Quer dizer, disse que aquele disco que a gente tinha feito não estava bom. Eu entendi o que ele quis dizer, falei com o pessoal e ninguém quis fazer... Porque achavam que ele, por ser dos Fevers, ia fazer isso e aquilo. Eu falava que não era nada disso.
Seria como o Roupa Nova produzir o disco do Barão Vermelho. Não dá.
Não dá, mas eu achava que dava. Será que eu estava errado? Eu sempre acreditei muito nas pessoas, então eu quebrei lanças pra que o Renato continuasse na RCA com o Miguel. Mas não consegui.
Alguma vez pintou vontade de fazer um disco solo?
Passou há 30 dias atrás. Eu pensei... porque Renato e seus Blue Caps é uma coisa e Renato Barros é outra. E diferente, porque como eu te falei há pouco, no Renato e seus Blue Caps todos são líderes. O que é tocante ao grupo eu jamais posso dar uma palavra final sem antes consultar todos eles. Agora, minha carreira como autor e produtor, por essa eu posso responder. Eu tenho pensado sobre isso e, há coisa de um mês, durante uma longa viagem de avião, eu vim pensando: "Por quê não fazer um disco com as minhas músicas que foram sucesso?" A princípio, eu pensei em eu mesmo produzir e cantar... mas depois me veio a idéia de convidar os amigos e fazer um disco. Essa idéia eu tive e gostaria de fazer isso sem interferir no Renato e seus Blue Caps.
Durante seus anos de CBS, você fez muita coisa paralela sob pseudônimo: Super Quentes, Big Seven, Richard Brown, Richard Young etc. O que era isso?
Big Seven era os Fevers com Renato e seus Blue Caps. Os Fevers faziam a base e eu e Paulo César solávamos. Ninguém cantava. Já o Super Quentes éramos nós, Fevers, Golden Boys e Trio Esperança, todo mundo junto. E esses discos vendiam a rodo.
As capas eram feias, mas ali é que rolava a verdadeira "Festa de Arromba", certo?
Todo mundo junto, é verdade. (...) Aquilo ali era muito bom.
Como eram os shows de vocês na época? É engraçado que, com tantos anos de estrada, vocês nunca fizeram um disco ao vivo.
A CBS teve dois erros com Renato e seus Blue Caps: não gravou um disco ao vivo, coisa que a gente sempre pedia; e não gravou a gente em espanhol.
Vocês queriam fazer?
Pô, depois de anos nós chegamos a Montevidéu e todo mundo nos conhecia... através das músicas em português. Imagina se tivessem deixado em castelhano. Não tiveram interesse.
E o disco ao vivo, vocês sempre quiseram?
Sempre quisemos.
Por que nunca peitaram uma gravação própria?
Fizemos isso agora há uns quatro anos. A gente tem um tape lá na Cia dos Técnicos. Nós gravamos vinte e poucas bases... com todas as nossas principais músicas, aquelas que a gente toca nos shows. A idéia que eu tive foi a seguinte: pra gravar um disco ao vivo mesmo, a gente teria que deslocar uma equipe móvel ou pro Nordeste ou para o Sul, já que a gente não toca muito por aqui. Tivemos a idéia de, ao invés de pegar a gravação ao vivo e depois consertar em estúdio, como todo mundo faz, fazer exatamente ao vivo.
Faria um playback ao vivo, com as adições ao vivo e uma cozinha garantida. Rita Lee fez isso com seu "A Marca da Zorra" (95).
Então ela fez depois de nós, porque nossa idéia já tem quatro anos. A idéia era essa, mas não houve possibilidade. A gente ia pegar esse disco e ia rodar aqui neste circo aqui da Barra, lotando com pessoas de preferência conhecedoras de nosso trabalho - pra dar um efeito de platéia, cantando junto - mas não deu pra continuar. Mas a gente vai fazer isso um dia.
Faltou grana pra bancar?
Também.
Tinha alguma gravadora interessada?
Não tinha nenhuma, mas a gente não estava se preocupando com isso.
Vocês já pensaram em fazer disco independente algum dia?
Não, mas é uma boa idéia.
Voltando lá atrás, você fazia música por encomenda para Roberto Carlos, Leno & Lílian etc? Ou aquelas músicas eram sobras suas?
Tinha várias situações, uma diferente da outra. Com Roberto Carlos, teve uma história muito engraçada e que ele nem sabe... mas que vai tomar conhecimento através do jornal. (Você pensa que ele não é ligado, mas ele é sim, ele tá por dentro de tudo!) Sabe como é que eu agia com ele? A gente vem de família pobre, meu pai lutava com muita dificuldade e o grande sonho dourado que eu tinha era a de comprar uma casa ou um apartamento pra ele. O único cara que, se gravasse uma música tua, dava pra fazer isso, era o Roberto Carlos. Ninguém mais te dava condições de comprar um apartamento. Eu tinha feito O Feio com Getúlio Cortes, mas era parceria e não dava pra fazer muita coisa. Eu fiquei com aquele sonho na cabeça: "Pô, eu vou comprar um apartamento pro meu pai e pra minha mãe". Fiz Você Não Serve Pra Mim, mas na época ele era um cara estranhíssimo. Se eu chegasse e falasse "tenho uma música pra te mostrar", talvez pela nossa intimidade ele não tivesse tempo pra ouvir e não ouvisse. Ou então já ia ouvir com restrições, porque eu teria feito pra ele. Era um negócio muito psicológico. Fomos gravar "Ritmo de Aventura" e quem produzia era o seu Evandro. Não sei porque, ele gostava muito de mim e devia ver algum talento em mim. De vez em quando, o Roberto tava cantando no estúdio e eu estava com ele no aquário. Ele me pergutava: "Pô, essa nota não ficou esquisita?" Eu falava "ficou, seu Evandro" e ele dizia "ah Roberto, faz de novo!" Eu participava indiretamente das coisas e fui aprendendo. Nós gravamos a base inteira desse disco, que foi um disco complicado... Devia ser agosto ou setembro, por aí, quando eu fiz Você Não Serve Pra Mim. Como a gente estava no meio da gravação, eu escrevi a cifra em casa e dei pro Lafayette e pro Paulo César. O Toni sabia da batida, porque eu não sabia escrever pra bateria. Gravamos uma determinada música lá e o Roberto foi ouvir lá dentro. Nós ficamos no estúdio e eu falei: "Vamos tocar essa música". Ficamos tocando como se fosse um sarro, no intervalo... Tinha guitarra com distorção e o Roberto gostava dessas coisas. Ele ficou ouvindo e a gente tocando. Daqui a pouco ele veio, ficou disfarçando e finalmente parou de frente pra gente: "Que música é essa aí, Padinho?" (Padinho é um apelido de família). "Pô, legal, bicho! Toca de novo aí, bicho!" Nós tocamos e ele perguntou: "Quem vai gravar?" Eu falei: "Nós, Renato e seus Blue Caps!" Ele falou: "Deixa eu gravar, bicho?" Eu disse: "Não, Roberto, essa música é pra gente!" Passou um tempo, tipo uns 15 ou 20 minutos, e o seu Evandro me chamou lá dentro: "Renato, vem cá, o cara quer gravar essa música tua aí!" Eu continuei o charme e ele disse: "Rapaz, deixa de ser burro!" Eu disse: "Então ta, grava!"
E aí você realizou seu sonho...
É, mas aí eu não consegui comprar... Meu pai morreu logo depois, em dezembro, e eu não comprei. Mas a história foi assim. Todas as músicas minhas que o Roberto gravou foram assim: Não Há Dinheiro Que Pague, coisas que eu ganhava mais pelo arranjo do que pela própria música. A única que ele gravou a partir de uma fita que eu mandei foi Você Não Sabe O Que Vai Perder.