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Entrevista

Netinho na Luta


Uma das lendárias e heróicas bandas brasileiras dos anos 70 está de volta. Numa época em que fazer rock de verdade no Brasil era um péssimo negócio (gravar já era difícil; tocar no rádio, praticamente impossível) o Casa das Máquinas lançou três LP e emplacou alguns sucessos. "Casa de Rock", por exemplo, virou uma espécie de hino. E isso numa década que culminaria com a explosão da "disco music", afastando cada vez mais os roqueiros da mídia. O chefe da casa era o baterista Netinho, que vinha dos Incríveis. Quem o imaginava como um músico nostálgico, preso à Jovem Guarda, teve uma surpresa. A evolução do Casa foi notável, partindo de um pop bem produzido, passando pelo progressivo e chegando à linha de frente do rock básico, onde já estavam Made in Brazil e Bixo da Seda.

A volta do Casa das Máquinas começou a nascer em dezembro de 2003. Netinho remontou o grupo para uma apresentação única em Matão, no interior de São Paulo. A resposta do público foi melhor do que a esperada, cantando as músicas, pedindo autógrafos e vestindo camisetas com o nome da banda. Mas o retorno definitivo só agora está acontecendo. A atual formação do Casa traz novamente Netinho e seu irmão Marinho Thomaz na bateria e Mario Testoni Jr. nos teclados. Na guitarra está Sandro Haick, filho de Netinho, que também tocou na última formação dos Incríveis. As novidades são o baixista e vocalista Andria Busic (Dr. Sin) e o cantor Nando Fernandes (Rádio Show, Cavalo Vapor, Hangar) para fechar um supertime de roqueiros da nova e da velha geração. O novo Casa promete. Vem aí um CD com participação de ex-integrantes como Piska, Aroldo, Carlos Geraldo e também alguns convidados especiais. A gravação será no sistema analógico, no estúdio Mosh, com produção conjunta de Netinho, Sandro Haick e Osvaldo Malagutti (dos Pholhas). Nesta entrevista - em que se conversou sobre tudo um pouco, inclusive Incríveis e Originals - Netinho mostra muita vontade de ousar com o Casa das Máquinas. Diz que "nem pensa em comércio" e que o disco terá músicas de "sete, oito, dez minutos" e até uma faixa com três baterias, violinos e trompas.


Por Emílio Pacheco

Conte um pouco sobre o seu começo na música. Sua carreira iniciou com The Clevers?
Em breve estarei lançando meu livro, que já está com mais de 100 páginas, e lá eu conto minha vida aos lados das baquetas desde os meus 7 anos, quando comecei tocando o sino da igreja da cidade de Itariri. Em tupi guarani, "ita" significa pedra e "riri", o barulho delas rolando, por isso o nome do livro será "Pedra Rolando" (sou um rolling stone). Com 14, meu primeiro emprego foi de baterista da Orquestra Tropical, em Itariri. Em 60, me mudei pra Sampa pra continuar os estudos, mas abandonei com o sucesso do The Clevers em 62.

"O Milionário" era originalmente um lado B de compacto dos Dakotas. A versão dos Incríveis com certeza fez mais sucesso do que a original. Como descobriram a música e tiveram a idéia de gravá-la num andamento mais acelerado?
"O Milionário" nos foi apresentado pelo próprio solista, o Risonho. Eu nem conhecia com os Dakotas.

Ainda existem cópias em bom estado do filme "Os Incríveis Neste Mundo Louco"? Alguma chance de lançamento em DVD? Você alguma vez conversou seriamente com o cineasta, antes de seu recente falecimento?
Consegui uma cópia do filme "Os Incríveis Neste Mundo Louco" com o Primo Carbonari, pouco antes de ele morrer, e agora tô pensando seriamente em editá-lo e talvez fazer outros trabalhos, como CDs com músicas não tão populares e que não foram lançadas. E também o segundo filme, "Conflito em San Diego", um faroeste filmado em Ribeirão Preto em 71, produção italiana que acabou não vingando porque a banda se separou. Mas eu consegui uma cópia, também.

No Uruguai existia um grupo com trajetória e estilo muito parecido com o dos Incríveis, que era Los Iracundos. Inclusive existem músicas em comum no repertório dos dois grupos, como "Israel". Vocês tiveram algum contato com eles?
The Clevers mudou para Os Incríveis na Argentina, quando ficamos lá por um ano, em 64. Gravamos LP em castelhano, "Los Increíbles", e fizemos muitos amigos, inclusive todos os Iracundos.



Como aconteceu o seu hoje lendário namoro com Rita Pavone?

Cara, esse episódio ainda tento remoer em meu íntimo pra poder entendê-lo. Fiquei famoso no mundo inteiro, porque, afinal, ela era a maior estrela mundial do momento e até hoje ninguém esquece. Na época, recusei fazer um filme na Itália contracenado com Alain Delon e confesso que deve ter sido por medo. O "boom" foi muito rápido pra minha cabeça, que não aceitava, no fundo, aquela armação de interesse em cima do caso. Bem, alguma coisa estará no livro.



Um compacto dos Incríveis que é hoje raridade é o tema de "Se Meu Fusca Falasse", com foto do filme na capa. No lado B vocês gravaram uma música inédita contando o enredo do filme. Por que vocês lançaram esse disco?
"Se Meu Fusca Falasse" era uma parceria pra divulgar o filme, mas que a Disney não aprovou. Com o filme-desenho "Os Incríveis" aconteceu igual.

O que você achou dos discos lançados por Mingo, Risonho e Nenê como "os Incríveis" nos anos 70?
Quando a banda resolveu parar em 72 eu comprei a Promoções Incríveis com toda infra-estrutura, escritório, equipamento, transportes e estúdio. Assumi a equipe técnica, inclusive o direito de uso do nome Os Incríveis, mas a gravadora quis intervir e acabou lançando os três, que segundo o Nenê me contou foi uma armadilha da RCA. Foi por isso que mudei o nome para Casa das Máquinas.

O primeiro LP do Casa era muito diferente dos outros dois discos que vocês lançariam depois da entrada do vocalista Simbas. Algumas letras tinham um teor de pregação religiosa. Seria influência de musicais como "Jesus Cristo Superstar" e "Godspell"? Ou a proposta inicial do grupo era mesmo essa, de pregar a fé através do pop?
O Aroldo entrou nos Incríveis em 69 no lugar do Risonho e foi quem fez a maioria das letras do primeiro disco do Casa. Ele tinha esse lado espiritualizado.

O Casa das Máquinas veio a fazer rock numa época em que esse gênero vendia pouco no Brasil, ao contrário do que aconteceria a partir dos anos 80. Em 1975 saiu o "Lar das Maravilhas", considerado um clássico do progressivo. Já em 1976, com a era da discoteca cada vez mais forte, vocês lançaram "Casa de Rock". Foi difícil remar contra a maré? Ou o Casa conseguia fazer sucesso e atrair um bom público?
Não foi fácil, ralamos muito pra que o Casa acontecesse. Eu tinha uma reserva de dinheiro ainda dos Incríveis e investi durante três anos no Casa até fazer sucesso.

Como descobriram o Simbas?
Em 75, fui a Londres a convite do pessoal da banda Genesis e após passar duas semanas com a turma do Phil Collins, babando, cheguei em São Paulo, fui direto ver uma apresentação do Simbas e o convidei. O Simbas entrou quando todas as músicas do "Casa de Rock" já estavam gravadas. O estilo musical desse disco teve grande influência do Piska, que compôs as músicas. Eu fiz as letras.

Em que momento você retomou os Incríveis?
Em 90, reuni o pessoal dos Incríveis para participar de uma comemoração de 35 anos de Jovem Guarda, com vários artistas, mas logo o Mingo faleceu e a banda foi mudando.

Você conta no Portal da Jovem Guarda que ficou em dúvida se entrava ou não para os Originals por causa do Casa das Máquinas. Por que acabou entrando para os Originals e por que depois saiu para retomar o Casa?
Entrei para o Originals a convite do Miguel [Plopschi, saxofonista original dos Fevers]. A princípio, eu estava comprometido com outros projetos, mas coloquei de lado. Com o tempo, percebi que as coisas não aconteciam como deveriam ter sido e os shows não rolavam. Tocando, eu tenho necessidade de sentir que estou aprendendo mais e não estagnar. Mas, na boa, adorei ter participado do Originals, porque as pessoas que fazem parte dele são realmente especiais. Já não é mais minha praia. Vou ralar por aí!

Qual a diferença, para você, entre tocar nos Incríveis e no Casa das Máquinas? E entre o público de um e de outro?
Bem, não há como comparar. Os Incríveis são uma banda de músicos que não ensaia e nunca toca igual as músicas. Cada show é uma coisa conforme o momento e o público. Sempre foi assim e é por isso que eu adoro tocar com Os Incríveis. O Casa é diferente. É uma banda de composições próprias que depende de som, da tecnologia, pra transmitir o que foi gravado com maior perfeição possível. Demorou-se muito ensaiando e criando cada detalhe das músicas e também por isso ainda não lançamos o quarto disco. Estamos trabalhando direto nas novas músicas. A meu ver, é minha nova paixão. Tô amando e nem penso em comércio. Será 90% inédito, tudo novo. Tem música de dez minutos, de oito, de sete e assim vai ser. Entraremos em estúdio em janeiro com a consciência de que não vai ser fácil e nem sabemos quanto tempo vai levar, porque vai ser tudo gravado no sistema analógico, com duas baterias. Uma música vai ter 3 baterias, violinos e trompas. Serão dois vocalistas.