Márcio Greyck
Primeiro popstar mineiro, Márcio Greyck nasceu em Belo Horizonte e estabeleceu-se como cantor na cidade - como crooner do grupo Brazilian Boy's. No Rio de Janeiro foi contratado por grandes gravadoras e fez bastante sucesso nos anos 60, 70 e 80, estando afastado do disco há alguns anos. Em simpática entrevista a Marcelo Fróes, realizada no dia 2 de setembro de 2005, Márcio contou muitos detalhes de sua história.
Eu soube que você está pensando em publicar suas memórias...
Estou agora corrigindo meu livro, que está praticamente pronto. Mas nunca fica pronto, né? A gente vai sempre melhorando, mas agora estou na última revisão. Mas só fala de minha infância, sou eu no ônibus - indo para o Rio de Janeiro. Quando encosto a cabeça na poltrona, vêm as lembranças todas... desde que eu nasci. Todas as memórias que eu tenho, desde a infância, até chegar no Rio de Janeiro - quando o motorista puxou o freio do ônibus. Ali encerro o primeiro tempo. Vai só até o Rio de Janeiro, não conta a história do Márcio Greyck não. É a história do menino Márcio até virar Márcio Greyck. Quando ele vira, aí é outra história... porque estou escrevendo somente sobre o menino que eu fui. Aí depois eu posso fazer um outro livro. É a história de um menino qualquer, só que sou eu... e com todas as nuances de um adolescente, as peraltices e mil coisas que estão inseridas neste livro. Só que o personagem vai se transformar no Márcio Greyck, entendeu? Esse é o primeiro tempo, depois tem o segundo tempo - que já sou eu no Rio. Eu não estou nem tão interessado no Márcio Greyck, estou apaixonado com minha infância aqui.
Você já tem editora?
Não, mas tem uma amiga minha aqui que quer lançar. Mas eu acho que vou lançar independente, porque esse negócio de editora é complicado.
É como gravadora...
Sim, e é por isso que tenho antipatia por gravadora. Eu acho "bem feito" que elas estejam todas quebrando, porque foram elas que provocaram todas essas coisas.
Mas, enfim, nossa entrevista começa justamente no começo. Pra você ter vindo pro Rio, é porque alguma coisa já estava acontecendo em Minas.
Desde garoto, porque - sendo uma família italiana, por parte de mãe - todo mundo canta. Somos acostumados a cantar e a tocar instrumentos, em volta da macarronada. Aliás, meu irmão e parceiro Cobel foi meu primeiro empresário - porque um dia ele chegou em casa e falou: "Você quer cantar na televisão?" No outro dia ele me levou num clube, da extinta TV Itacolomi de Belo Horizonte, e era um programa infantil. Fiz um teste, passei na hora e no domingo já estava me apresentando... cantando uma canção de um menino espanhol chamado Joselito, que estava estourado na época e fazia filmes etc. Eu tinha uma voz muito aguda e participei deste programa, mas meu pai não deixou continuar. Eu tinha 12 anos e ele achou que era muito cedo pra eu começar, mas tempos depois cantei no programa de um boêmio aqui de Belo Horizonte chamado Rômulo Paes, compositor de marchinhas de carnaval e que tinha um programa na televisão. Ele estava sempre com um copo de uísque na mão, era vanguarda antes de Vinicius de Moraes. Ganhei o primeiro lugar... e ganhei também um contrato na TV Itacolomi, para cantar todo domingo uma canção italiana. E aí foram cinco meses cantando música italiana, mas nessa época eu já tinha uns 15 ou 16 anos e já existia iê iê iê, a Jovem Guarda já estava se formando. O movimento era um sucesso aqui em Belo Horizonte, Jerry Adriani já tinha vindo pra cantar.
Vocês tinham uma cena local.
Sim, e depois a cena local foi acontecendo... quando a Jovem Guarda estourou mesmo. Com os Beatles, a coisa proliferou e vários conjuntos começaram a se formar - centenas de conjuntos imitando Beatles e Rolling Stones. Eram os Jungle Cats, essa turma toda, Brazilian Boys. Quando eu cantava nesse programa, havia um disc jockey que era produtor de um conjunto chamado Brazilian Boys, que fazia muito sucesso. Eles nem cantavam não, eram instrumental tipo Ventures etc. Ele me perguntou se eu queria abrir o show dos Brazilian Boys cantando em italiano, e eu topei. Aí ele falou que eu não iria falar nada, pra ficar parecendo que eu viera diretamente da Itália (rindo).
Você tinha algum pseudônimo?
Não, era Márcio Grec - porque a minha família é Cherch. Meu nome não é Márcio Greyck, isso eu inventei depois... com o advento dos Beatles e os ingleses invadindo. Quando fui assumir meu nome pra valer, coloquei um Y, um C e um K... e virei Greyck, na onda do Paul McCartney. Hoje já tem mais de 30 Márcio Greyck por aí, é uma loucura.
E aí, você abrindo shows pros Brazilian Boys...
Sim, um dia o Jerry Adriani veio fazer um show aqui em Belo Horizonte e eu fui abrir. Quem o acompanharia seriam os Brazilian Boys e, enquanto ele estava no camarim, o Maurílio Grilo, que era um apresentador junto com Dirceu Pereira, perguntou se eu não queria cantar enquanto ele ainda estivesse se preparando. Cantei e foi um sucesso, parecia que eu era a atração principal... porque eu já tinha o meu público aqui também. Othon Russo, que era empresário do Jerry, me deu um cartão e falou: "Olha, quando você for ao Rio me procura!" Pronto, já acendeu o estopim.
Você já foi fazer a mala, né?
Quinze dias depois, o mesmo clube me contratou pra fazer sozinho - cantando somente em italiano. Eu fiz o show e ganhei 150 cruzeiros, que equivaliam a três salários mínimos. Com esse dinheiro, eu me invoquei e fui embora pro Rio.
Você já tinha mais de 18 anos?
Não, ainda tinha 17 anos... mas fui nessa primeira vez. Falei tchau e benção pra minha mãe, que era separada do meu pai, e fui embora com meu dinheiro no bolso. Fiquei numa pensão na Rua da Lapa, pra tentar uma reunião com Othon Russo...
Naquela época, a CBS era ali perto mesmo.
É, mas foi difícil. Demorei três dias pra conseguir falar com o Othon, mas eles disseram que o cast já estava completo etc. Jerry já tinha gravado em italiano e eles tinham outro contratado fazendo música italiana etc, e aí eu me desiludi e fui pra casa do meu tio em Botafogo. Ele me deu um sofá pra eu dormir... e aí eu fui no programa do Jair de Taumaturgo, cantei lá e, quando estava me empolgando pra cantar, o Dirceu Pereira - meu descobridor - mandou me chamar. "Tá tudo errado, primeiro você tem que gravar uma demo aqui... pra depois chegar e pleitear um disco! Não é assim não, cara! Não é aventura assim não!" E aí eu voltei e gravei um acetato nos estúdios da Rádio Itatiaia com os Brazilian Boys. Com esse acetado debaixo do braço, eu conseguiria um contrato com a Polydor - levando junto cartas assinadas por vários disc jockeys locais, avalisando meu talento.
O que você gravou naquele primeiro acetato?
Cantei uma canção do Bobby Solo, que na época era um sucesso. Serviu só pra demonstrar que eu cantava, mas eu nem tenho mais. Talvez os caras do Brazilian Boys tenham cópia. Mas, enfim, aí funcionou e eu fiquei contratado pela Polydor e arranjei um lugar pra morar, e isso faz parte da minha história... porque eu acabei me casando com a moça lá. É uma história longa, o Dirceu Pereira conhecia essa família e nós fomos visitá-los. O dono da casa, um industrial, disse pra eu ficar morando lá e "me adotou". Eu dividia o quarto com o filho dele, que tinha 14 anos, e ele tinha duas filhas, uma de 15 e outra de 13 anos. Aí apareceu uma oportunidade de eu me apresentar na TV Tupi e eu fui cantar no programa da Bibi Ferreira. Eu já estava contratado por Glauco Pereira, diretor artístico da Polydora, e fui cantar músicas dos Beatles. Cantei "Minha Menina", aquela versão de "Eleanor Rigby", e ganhei um contrato na emissora - participando de todos os programas, já numa vanguarda. O estímulo era o trabalho dos Beatles... a partir do "Sgt. Pepper's".
Sim, quando você gravou seu primeiro compacto o LP dos Beatles tinha acabado de sair, em meados de 1967.
Sim, ambos os lados com arranjo do maestro Guerra Peixe. O lado B de "Minha Menina" era "Venha Sorrindo", parceria minha com Fernando Adour e Carlos Wallace. Adour ainda nem tinha formado o Mamães e Papais, tinha chegado de Pernambuco e foi meu primeiro parceiro. Cobel ainda estava em Belo Horizonte, a gente só faria música junto mais adiante.
Este compacto estourou?
Não estourou, mas vendeu bem. Quarenta mil cópias era uma vendagem expressiva, praticamente toda no Nordeste. No Rio de Janeiro não aconteceu muita coisa, porque a TV Tupi não tinha a força que a Globo já tinha. No Nordeste eu virei um Deus, de repente sem saber. Eu cantava as canções dos Beatles na grande parada da Tupi, antes mesmo do meu primeiro compacto sair... e muitas vezes antes mesmo dos novos discos dos Beatles saírem nas lojas. Tudo em inglês mesmo, Penny Lane e outras - sempre com orquestra acompanhando. Eu já era ídolo e nem sabia... e a primeira vez que fui fazer show no Nordeste eu me surpreendi. Foi uma loucura, eu já tinha 2 fã-clubes uniformizados e o aeroporto tremeu. Eu não entendia nada e o Teatro José de Alencar parecia aquela cena dos Beatles cantando em "Os Reis do Iê Iê Iê". Eu achava que as mulheres iam cair lá de cima daquelas galerias, tudo desmaiando etc. Aí eu resolvi começar a tratar o disco com mais seriedade, porque eu estava muito acomodado com meu salário na televisão. Eu já tinha comprado meu carro etc, e fui amadurecendo na medida em que fui fazendo aqueles três primeiros LPs pela Polydor nos anos 60.
As gravações de seu primeiro LP foram divididas em duas partes, com sessões com os Brazilian Bitles e outras com uma orquestra.
Sim, a orquestra da Polydor com arranjos de Guerra Peixe e participações de músicos como Sérgio Carvalho (teclados) e Wilson das Neves (bateria). O primeiro compacto havia sido somente com Guerra Peixe, mas para fazer o LP - já que os Brazilian Bitles também gravavam lá - eu resolvi aproveitar pra fazer algo mais tchan em algumas bases - "Lucy In The Sky With Diamonds", "She'd Rather Be With Me", "Gosto de Você e Você de Mim Também" etc. Foi praticamente produzido pelo Carlos Wallace, que também fez todas as letras das versões e escolheu o repertório comigo. Em "Penny Lane", tivemos que mexer na rotação para que o trompete pudesse alcançar o tom e o timbre da gravação original dos Beatles, já que eles haviam utilizado um instrumento que não havia aqui no Brazil. Fernando Lobo escreveu a contracapa, eu era uma "nova dimensão do iê iê iê" e saí em matéria de duas páginas na revista "O Cruzeiro".
Ronnie Von também estava na mesma praia, com a música barroca.
Exato, mas eu tenho isso até hoje. Eu sou barroco até hoje. Eu tive que me "prostituir" um pouco, porque a gente tem que sobreviver e no Brasil - sabe como é que é - você brinca até um certo ponto, mas depois você tem que levar a sério... senão morre de fome! (rindo) Eu, pra cantar "Penny Lane", "Eleanor Rigby" e "When I'm Sixty-Four", viajando pelo Nordeste, cara, você não sabe as histórias que eu tenho pra contar... porque era brincadeira! Pra você ter uma idéia, uma vez eu cheguei num lugar pra ensaiar lá e simplesmente me chegou um grupo formado por violão levemente eletrificado, uma zabumba, uma sanfona e um pandeirinho. E o cara ainda falou: "Pode dar confiança, porque esse cabra é o maior acompanhador aqui do Nordeste! Ele já acompanhou Waldick Soriano, Núbia Lafayette e Bartô Galeno!" E eu tive que puxar meu violão elementar para cantar "Penny Lane", pra salvar os cachês. Então eu pensei: "Esse negócio tá meio complicado, eu preciso popularizar um pouco o meu trabalho... pra poder minha performance ao vivo" E aí foi quando eu misturei um pouco, mas depois eu consegui fazer minha grande realização - que foi o LP "Corpo e Alma", que eu fiz pela CBS em 1971 e do qual eu tenho o maior orgulho. Aliás, devo a você este relançamento em CD.
Voltando lá atrás, depois daquele primeiro compacto em 1967, o que aconteceu com seu primeiro LP?
Vendeu bem... especialmente no Nordeste, acima de 40 mil cópias. Fiz um segundo disco, que também vendeu bem... 30 e poucos mil.
O segundo LP já foi gravado com The Bubbles.
Sim, eu gostava muito dos Bubbles e nós ficamos amigos. Eu gostava do estilo deles, eu achava que eles estavam mais dentro das características que a minha perspectiva alcançava do que os próprios Brazilian Bitles, que começaram a gravar Pára Pedro - fugindo muito da idéia. Eles estavam muito comercializados, mas os Bubbles não - eles tinham uma postura Beatles. Nós fizemos uma festa no estúdio, gravando as bases... e as fotos da contracapa mostram isso.
Este segundo disco ainda teve Guerra Peixe.
Sim, ele ainda prosseguiu comigo por mais algum tempo.
Mas como foi ter um disco produzido por Durval Ferreira, um cara totalmente ligado na Bossa Nova etc?
É verdade, mas o Durval me deixo bem à vontade - como se eu fosse o produtor. A Polydor era um selo dentro da Philips - que tinha era o cast da MPB e era o templo da MPB. Mas eles tinham este selo, que visava concorrer com a CBS na coisa jovem da Jovem Guarda. Uma coisa jovem e despretensiosa, culturalmente falando... A minha influência era internacional, eu gravei "A Whiter Shade Of Pale" e "Can't Take My Eyes Off You" porque ainda não tinha uma base pra compor e desenvolver um trabalho autoral. As letras das versões condiziam com minha imagem juvenil e eu gostava, então gravava... mas meio que constrangido, doido pra começar a compor... porque aquele negócio de versão já me incomodava, entendeu? Mas o destino já estava fadado.
De qualquer forma, antes daquele segundo LP, você gravou um compacto com músicas de Carlos Imperial - aquele que tinha "Passaraio".
Esse compacto eu gostaria de eliminar de vez da minha vida, mas fazer o que? Já está feito! Aquilo ali ainda foi minha falta de maturidade, por "estar na mão" das pessoas. Eu ainda não tinha autonomia suficiente pra dizer não e, como a Sandra tinha sido lançada comigo na "Operação Trevo" e cantava "Uni-Duni-Tê", uma canção de roda do Nonato Buzar gravada com arranjos barrocos do maestro Guerra Peixe, eles acharam que eu também tinha que ter uma canção juvenil ou infantil como ela. E o Carlos Imperial queria que eu gravasse, porque ele já tinha dado "A Praça" pro Ronnie Von e agora queria que eu gravasse alguma coisa nesse estilo. Eu tava me esquivando mas aí não deu pra me esquivar, porque ele tinha muita moral na companhia e todo mundo me cercou dizendo que eu tinha que gravar. Mas eu gravei contra a minha vontade mesmo... e lamentavelmente foi a canção que abriu o filme que eu fiz com Adriana, que na época fazia grande sucesso com "Vesti Azul", também assinada pelo Nonato Buzar. Eu tinha lançado a música e fui cantá-la no programa do Aerton Perlingeiro, "Almoço Com as Estrelas", da TV Tupi, quando então aproveitaram para fazer uma tomada de cena que acabou servindo pra abrir o filme, que também tinha no elenco Grande Otelo e Vanja Orico, ícones do nosso cinema.
O filme não teve grande repercussão.
Não, não teve. Nem o compacto. Inclusive o filme demorou a ser lançado, porque teve problemas de produção. Quando ele saiu, acho que eu já estava indo pra CBS... e foi lançado num circuito sem expressão. Eu até fui ver lá num cinema da Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, mas entrei depois que a sessão havia começado e saí antes que terminasse.
O terceiro e último LP para a Polydor é um pouco diferente, por Ter sido produzido pelo Sérgio Becker dos Youngsters.
Esse eu também gostaria de eliminar a primeira faixa, ali já era uma questão apelativa, porque eu estava num conflito tremendo... porque até então ainda não havia conseguido meu espaço, nem no Rio e nem em São Paulo. Até em São Paulo havia conseguido com "O Mundo é dos Jovens", mas ele dava 4 pontos de audiência... enquanto Roberto Carlos dava 17 ou 18. Eu não tinha expressividade, minha carreira estava acontecendo mas não estava funcionando. Veio então o Sérgio Becker, que tinha inclusive acompanhado Roberto Carlos e tudo, com aquela influência jovenguardiana. De qualquer forma, por exemplo, na faixa "Que Seria de Mim Sem Você" quem toca e assina o arranjo é o José Roberto Bertrami, que mais tarde fundaria o conjunto Azymuth... mas as outras faixas foram gravadas pela Orquestra Polydor, com arranjos de Severino Filho (dos Cariocas). Eu impliquei um pouco... porque eu achei que aquele trabalho em cima de versões não podia mais caber, pois já estava meio cansado.
Sim, e além do mais em 1969 já não havia mais "Jovem Guarda". Você estava na hora de definir se faria rock ou música brega.
Ah, pois é, é verdade. Eu ainda tinha aquela bandeira, de querer ser vanguarda em termos de arranjos... porque os temas das canções ainda eram juvenis. Mas aí nesse terceiro disco pra Polydor eu já comecei a colocar algumas coisas minhas, porque eu também já estava percebendo que os compositores já estavam gravando suas próprias canções. Os cantores estavam ficando para depois. Eu precisava compor e os Beatles foram a grande carta branca, porque - se eles compunham e se outras bandas também compunham - eu também teria que compor, uai! Renato e seus Blue Caps estavam compondo, todo mundo estava compondo! Por que é que eu não ia compor? Conseguir composições de outros bons compositores estava ficando difícil. E eles também não tinham a mesma sintonia que eu, nem a idéia do que eu queria pra mim. Então eu comecei a compor... e fiz um trabalho com Cobel, no amadurecimento dele.
Sérgio & Cobel, uma dupla que também gravou pela CBS, era formada por dois irmãos seus.
Eu os levei pra morar no Rio, depois que eu comecei minha carreira. Eles montaram um grupo chamado Papaguzzi... formado por eles e também por Fernando Adour e Carlos Alberto, mas que logo acabou. Os dois fizeram um compacto com produção do Raul Seixas na CBS na mesma época em que eu fui contratado, cantando uma música chamada "Bem Que Eu Lhe Disse", que tocou muito na época.
Você cumpriu seu contrato com a Polydor até o final ou sai ou foi saído antes?
O contrato acabou... mas eu já estava doido pra sair, porque ali eles não tinham idéia do que eu queria. Na verdade, o meu sonho no início foi a CBS mesmo... só que eu me frustrei. Eu me encontrava sempre com o pessoal da CBS e eles me falavam: "Pois é, você tinha que estar aqui!" E eu então eu ficava doido lá, olhando a grama mais verde no quintal do vizinho. Aí, quando terminou o contrato com a Polydor, eu parti logo pra CBS... e pedi pro Renato ser meu produtor, porque ele gravava versões dos Beatles e ele iria entender toda a minha influência e tudo o que eu queria fazer em termos de disco.
E foi ali que começou sua parceria com Cobel.
Sim, nós já tínhamos um bom acervo de composições... e estávamos empolgados, naquela onda dos Beatles de compor. E aí então eu resolvi fazer a coisa do jeito que eu queria, tanto que me lembro que o Renato me deixava muito à vontade no estúdio... até dormindo muito... Ele me confiou esse trabalho, ele sabia que eu tinha essa consciência, mas me dizia: "Olha, não inventa muito não... porque o Evandro (Ribeiro) vai achar ruim!" Inclusive a capa eu fiz produzida, inspirada pelo "Sgt. Pepper", em que eu apareço sentado num trono, sem sapatos e comendo uma maçã. Tudo era simbológico, mas na CBS tudo era um ultraje. Evandro ainda estava alienado do meu trabalho, mas o Renato estava comigo e eu fui fazendo tudo. E aí, quando eles foram ver, já estava tudo pronto, entendeu? Foi, na minha opinião, o meu melhor trabalho até hoje... porque realmente ali tem eu...eu, Cobel, Fernando Adour... e o pessoal dos Shakers e dos Innocents. Caio (bateria) e Pelin (baixo), ex-membros dos Shakers uruguaios, tocaram nas gravações... junto com membros dos também uruguaios The Innocents - Rubén Lorenzo, Carlos e Hector - na época apelidados de Tupamaros pela turma da CBS. Eu fiz um disco como se eu fosse os Beatles... e saiu do meu jeito. Felizmente o disco foi sucesso, porque o compacto "Impossível Acreditar Que Perdi Você" arrebentou e o puxou.
Mas a crítica patrulhadora não entendeu nada, pra variar.
Nada, nada. Inclusive outro dia, há uns 8 ou 9 meses, o "Estado de Minas" trouxe uma comparação idiota que um crítico de música fez, colocando as capas dos discos da Jovem Guarda como bregas e como coisa de mau gosto... e as de Bossa Nova como uma coisa de bom gosto. Isso é uma briga que existia naquela época, mas o cara foi tão equivocado que o cara botou a capa de um cara que tocava caixinha de fósforos, que não era Bossa Nova, e a minha como se fosse Jovem Guarda. "Corpo e Alma" não é mais Jovem Guarda, pois o disco é de 1971 e a Jovem Guarda tinha terminado em 1968. Que falta de informação!
Talvez a culpa seja parcialmente minha, porque eu relancei em CD dentro de uma coleção de Jovem Guarda em 1998 - mas não tinha jeito, era a única forma de relançar aquele disco naquele momento.
Não, pois é, mas talvez tenha provocado esse entendimento dele. Mas eu sei que ele usou essa capa na comparação do mau gosto da Jovem Guarda com o bom gosto da Bossa Nova. Puta merda, é o tal negócio, mesmo na época ninguém entendeu nada. Ali eu tava sentado no trono; ou seja, eu estava à vontade. Estava consciente, dono de mim e segura. Outra coisa: comendo maçã; eu já tinha transpassado a barreira da adolescência, eu já estava maduro. Eu comi a maçã com dois simbologistos: a maçã dos Beatles, com a influência do "Sgt. Pepper's" etc, já tinha uma visão contemporânea da música que estava rolando; e a maçã do pecado, com a maturidade. E desprovido de vaidade, descalço porém cercado por todo um universo (violão, holofotes etc). Eu queria passar essa imagem e, eu ainda vou te contar, até que eu consegui... mas sabe quantas fotos foram batidas? Três fotos! Era o Mafra, um cara caro pra caramba naquela época. O filme era caro, né? Eram três chapas e tava feito o troço. Eu tive que escolher entre as três chapas.
E aí, como foi depois deste imenso sucesso?
O Evandro então, naturalmente, veio pra produzir o disco seguinte. Ele tirou o Renato, mas na época ele nem soube disso. O compacto fez sucesso, mas não sei como ele assimilou o LP. Ele começou a chegar e eu pensei: "Puxa vida, isso é uma faca de dois gumes. Ou ele vai me ajudar, ou ele vai me foder... porque ele é produtor do Roberto Carlos!" Eu já estava vendendo 500 mil compactos, numa época em que o Roberto vendia 300 mil. Eu pensei "ou ele vai me ajudar, ou ele vai me sacanear". Mas, na verdade, a intenção dele era ótima... mas era o tal negócio, ele tinha um pensamento retrógrado. Ele não estava com o meu pensamento.
Ele quis repetir a fórmula do "Impossível Acreditar Que Perdi Você" em "O Mais Importante é O Verdadeiro Amor", seu compacto seguinte?
Exatamente, ele veio com essa canção - que era uma versão de um sucesso italiano. Eu ficava em conflito, porque eu não conseguia transmitir pra ele uma sintonia do que eu previa pra mim. Mas, ao mesmo tempo, foi muito bom esse equilíbrio... porque ele me colocou na realidade das coisas, porque eu andava sonhando muito alto mesmo... e sem preparo para tal, né? Era uma coisa meio intuitiva. Quando ele me mostrou essa música, e falou pra mim que guardaria o lançamento do original italiano, a música acabou saindo nas "14 Mais" em 1972. O Roberto Carlos sempre puxava aqueles volumes das "14 Mais" com um sucesso inédito, mas neste volume quem puxou fui eu. O lado B era "Sabne de Uma Coisa", gravada com acompanhamento de Renato e seus Blue Caps. Então o compacto chamou muita atenção, ele então acreditou mais ainda que estivesse no caminho certo... e aí me veio com uma outra versão, o "Infinito", que felizmente se encaixou e foi um grande sucesso. Mas eu acabei ficando limitado.
"Impossível Acreditar Que Perdi Você" foi regravada em espanhol, para lançamento em países latinos em 1971.
Sim, essa só saiu na Argentina. Mas existe uma outra, feita com um playback refeito anos mais tarde para a trilha sonora de "A Indomada" - quando a música foi cantada pelo Fábio Jr. Quando a novela foi comercializada para os outros países, em especial para os países latinos, quem gravou o vocal em espanhol sobre aquela base refeita fui eu.
Sua discografia naquele início dos anos 70 acabou ficando muito rala, pois depois do LP de 1971 você só lançou um novo álbum em 1974.
Porque em 72 eu lancei "O Importante é O Verdadeiro Amor", que fez um sucesso imenso o ano inteiro. Não cabia nada, se estendeu até 73 - quando eu gravei o "Infinito", que também foi um compacto de sucesso e que durou um ano inteiro. Para arranjar repertório para gravar um LP, eu demorei mais um ano também. E aí esse também já foi relançado em CD, o que pra mim foi uma grata surpresa.
Você continuou na CBS por mais um tempo, até que - depois que mudou a diretoria - saiu quase todo mundo da época da Jovem Guarda, menos Roberto Carlos.
Pois é, aí houve uma série de confusões. Em 1978, eu tive problemas no casamento e fui morar em São Paulo. Houve mudança na CBS, o meu trabalho ficou defasado e um tempo depois eu acabei parando.
Você estava profissionalmente muito bem, inclusive Roberto Carlos tinha gravado uma música sua.
É, nessa época eu gravei um LP chamado "Sentimento" - que já mostra a minha confusão e a minha insegurança. Ao mesmo tempo, mostra minhas outras intenções. Era uma coisa meio confusa.
Você chegou a gravar disco que não saiu?
Anos depois, na RCA eu gravei disco que não saiu... porque eu saí primeiro. Mas, ainda na CBS, houve muita defasagem no meu trabalho, porque todo o processo de lá foi modificado. Eles botaram Eduardo Lages como diretor artístico, e eu tinha contrato pra cumprir... mas nem eles o cumpriam, nem eu. Aí ele me chamou pra fazer um disco, eu topei e nós fizemos o disco que estourou com "Aparências", que foi um sucesso tremendo. E aí virou disco-de-ouro, só que eu nunca recebi o troféu. Quando chegou a hora de renovar, eu pedi um adiantamento de 1 milhão para eu me estruturar. Estavam pagando fortunas para Zé Ramalho, Amelinha e Pepeu Gomes, mas eu - que já estava lá há dez anos e só queria aquele adiantamento, que na época era uma merreca - não consegui. Eles disseram que não iam me adiantar nada, então eu aceitei um convite da RCA - que me deu 6 milhões de presente e mais 5 milhões de adiantamento, para serem descontados de vendas futuras. Eles me deram 11 milhões, enquanto a CBS não queria me emprestar 1 milhão. Aí eu fui pra lá, fiz LPs até em espanhol - para lançamento no Chile etc - e tive música em novelas. Mas, quando eu estava bem embalado, mudaram a diretoria e minha carreira entrou em defasagem. Eu já estava cansado disso e não consegui dar a continuidade que eu queria, então me invoquei e parei. Como eu tinha um sítio em Saquarema, aproveitei a gota d'água e fui pra lá plantar batata, literalmente. Durante seis anos ninguém sabia onde é que eu estava. Eu continuava recebendo alguns direitos autorais e, morando num sítio, não precisava de muito dinheiro pra viver. Além disso, eventualmente fazia alguns shows... porque eu parei realmente... e sumi da mídia, mas depois resolvi vir pra Belo Horizonte. Restabelecida a motivação, eu botei o pé novamente na estrada. Eu hoje faço muito mais show do que na época, daqui pra lá, de cima pra baixo.
E aí nos anos 90 você fez um CD para o selo Albatroz, de Roberto Menescal.
Eu estava parado há anos e o Menescal veio fazer shows aqui no Minas Tênis, em Belo Horizonte. Nós nos encontramos e, na conversa, ele me perguntou se eu não queria resgatar os meus sucessos - que estavam disponíveis somente em vinil. Eu topei, fui pra lá e nós gravamos este CD - com arranjos mais contemporâneos. Na época eu fiquei empolgadíssimo mas, quando eu estava lançando o disco, a Sony começou a lançar compilações remasterizadas e eu fui descobrir com o tempo que as pessoas preferem os originais. Aí eu me desencantei com aquele trabalho.
Você não tem composto material pra um novo trabalho?
Sim, mas como eu conheço bem o processo, isso me desestimula. Só de olhar pro cenário, eu tô fora. Eu tenho um CD gravado, que eu fiz em 16 canais no estúdio do Terra Molhada. Paguei tudo, está pronto e só falta fazer a capa. Está guardado, desde aquela época.
Então lança.
Lançar como? Pra que? Por que? O último CD do George Harrison saiu recentemente... É maravilhoso, ele tinha gravado em casa e seu filho lançou.
E aí, vai deixar o teu pro Rafael lançar?
De repente fica pro Rafael, porque eu realmente não tenho a perspectiva de fazer isso. Lançar por lançar, bicho? Na época, ninguém quis nem via licenciamento. Mas, enfim, eu me desestimulei... ainda mais depois de tudo o que passei lá atrás. Mas o que é mais importante é que eu amadureci e hoje sou um artista completo, modéstia a parte. Hoje eu sou muito melhor que o Márcio Greyck que todo mundo conhece - inseguro, pretensioso em algumas coisas e confuso em outras. Hoje eu tenho a cabeça mais tranquila, eu sei muito bem quem sou eu e o que quero. A minha performance no palco é muito melhor, hoje sou melhor músico e melhor cantor e melhor compositor. Mas essa desmotivação me deu a oportunidade de me auto-analisar e ver as coisas de uma outra maneira, me permitindo também me contemporaneizar... porque às vezes eu trombo com alguns personagens daquela época e eles ainda estão lá.
Pra fechar, uma coisa. Você comentou que levou um susto quando o Evandro Ribeiro quis segurar a tua ousadia influenciada por "Sgt Pepper" etc. Naquele exato momento, no início dos anos 70, uns conterrâneos teus estavam surgindo com um trabalho em cima justamente do trabalho maduro dos Beatles. Não deu vontade de se enturmar com esses caras? Anos depois também vieram Flávio Venturini e o 14 Bis, "perdidos em Abbey Road" etc.
É verdade, mas eles não eram a minha turma... porque vim um pouco antes. Não sei se Milton é mais novo que eu, mas Beto Guedes pelo menos parece ser mais velho. Eles eram um clube um pouco fechado, como os Beatles também eram fechados entre si. Ninguém entrava lá não, nem o George Martin se metia a besta. As letras do Clube da Esquina tinham uma conotação mais madura... enquanto que as minhas tendiam mais pro romantismo. Eles já estavam evoluindo suas letras pra filosofar...
Você foi o primeiro popstar mineiro.
É verdade, mas o Agnaldo Timóteo já estava estourado. Mas, é verdade, o popstar mineiro que deu certo naquela época foi o Márcio Greyck. Vários da Jovem Guarda nasceram no interior de Minas e foram pra São Paulo, e lá se estabeleceram... mas eu tenho uma história profissional muito grande aqui e que antecede ao Márcio Greyck de 1967.
Agradecimento especial a Regina Côrtes.