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Entrevista

Liminha
Entrevista exclusiva para o International Magazine em 28 de abril de 1997, realizada por Marcelo Fróes no estúdio Nas Nuvens antes do início de mais uma sessão de gravação do produtor e ex-baixista dos Mutantes.


Seu início de carreira como músico foi com o Baobás? Fale um pouco sobre sua fase pré-Mutantes.
Eu comecei muito cedo, com 9 anos de idade eu estava soltando papagaio em São Paulo e de repente um amigo meu me chamou: "Corre aqui, vem ouvir este negócio!" Tinha uma garagem aberta e tinham três caras: duas guitarras e uma bateria. Foi naquela hora que meu deu um clic com essa coisa de música e de rock, eu nunca tinha visto uma guitarra antes. Isso foi em 1960, acho, e antes disso na minha casa meus pais eram músicos amadores. Meu pai era farmacêutico e tocava violino, violão e vários instrumentos de corda, enquanto minha mãe tocava piano clássico. Então eu cresci ouvindo música. Logo que eu vi esses caras tocando, eu já fiz uma banda no colégio - uma coisa de violão - e a coisa andou muito rápido. Meu pai viu que eu tinha jeito e quando eu tinha 12 anos ele me deu um baixo. Aí eu fiz uma banda mais legal, chamada The Shermans: na verdade um trio, pois não tinha guitarra base. Logo depois eu conheci um pessoal mais velho lá na Liberdade, em São Paulo: The Thunders, e aí fui tocar nos Lunáticos. A gente tocava na televisão, num programa do Júlio Rozemberg.

Já era Jovem Guarda?
O nosso sonho era tocar na "Jovem Guarda", mas a gente era muito moleque ainda. Fazíamos twist e surf music, tipo Shadows, Ventures etc.

Gravaram alguma coisa?
Uma vez eu gravei em Londrina, mas foi direto em acetato e eu não fiquei com ele. Depois, mais tarde, eu fui tocar com os Baobás, que era uma banda que fazia covers. Eu gravei com eles um primeiro single pela Rozenblitt com Light My Fire, dos Doors. No lado B, tinha uma música de autoria da banda. Aí depois disso, logo depois de o Caetano ter tocado Alegria Alegria com os Beat Boys, ele foi procurar a gente. Não sei como isso aconteceu, alguém nos recomendou. Foi aí meu primeiro contato mais profissional, por isso eu digo que eu me profissionalizei mesmo acompanhando o Caetano.

Mas era só pra show, né?
Só pra show, mas foi assim que fiz minha primeira viagem de avião. Foi tocando com os Baobás e por conseguinte com o Caetano que eu vim a conhecer os Mutantes, nos bastidores de televisão. Eu saí dos Baobás e toquei com os Mutantes num festival da Excelsior - uma música só, Mágica, e a gravei no disco "Mutantes" (69).

Você saiu dos Baobás para tocar com os Mutantes?
Eu não me lembro porque foi, mas eu fiquei pouco tempo parado. Logo depois os Mutantes me convidaram para tocar. Quando o Baobás ia gravar seu primeiro LP, eu saí fora. Cheguei a tocar no segundo single, Sittin' On The Dock Of The Bay, cover de Otis Redding. Conheci os Mutantes, comecei a tocar com eles e fiquei com eles do final de 69 até o 74 ou 75. Mudei pro Rio em 76 e já no final daquele ano comecei a produzir.

Qual foi a sua primeira produção?
Minha primeira produção assinada mesmo foi o disco das Frenéticas, mas antes disso eu gravei a Banda Black Rio e Carlos da Fé. Eu produzi mas naquela época eu tava começando, era assistente e ficava aquela politicagem de gravadora.

"Maria Fumaça"?
É, tá lá: direção de estúdio, mas na verdade isso não existe.

Não tem crédito de produção?
Acho que tem "produzido por Mazola". Mazola na época era o diretor artístico da gravadora. De lá pra cá, produção direto. De 77 a 80, eu considero meio como uma fase mais de exercício mesmo, de aprender as coias. Em 1980, eu comecei a trabalhar com o Gil e foi aí que minha carreira deu uma disparada.

Mas antes de sair dos Mutantes, você chegou a produzir faixas para um disco que a Rita Lee estava gravando, antes de sair da PolyGram.
É verdade, teve sim. Um segundo disco do Tutti Frutti, no estúdio da Eldorado lá em São Paulo. É mesmo! Tá vendo? Você acabou de descobrir que eu já era produtor antes! (rindo)

A fase entre a saída dos Mutantes e o "Luar" (81) teve vários discos? Você vivia de produção? Ainda era músico?
Eu trabalhava pra Warner, fui contratado pela Warner como produtor. Na época, Mazola era diretor artístico e Guti era um produtor. Mais tarde, depois que o Mazola saiu, a companhia foi dividida e ficou com três selos: eu com Warner, o Guti com a Elektra e o Sérgio Cabral com a Atlantic. Depois os dois saíram e eu fiquei sozinho.

Nesta época, você chegou até a tocar com Raul Seixas. Seu contato com ele foi bem supercial, né?
Eu mudei para o Rio em janeiro de 76 e até agosto fiquei trabalhando como músico free lance. Eu gravava muito na PolyGram e foi aí que o Raul me chamou. Eu devo ter feito uma meia dúzia de shows com ele, uns dez shows.



Ele gostava muito do Paulo César Barros.
Ah é, o Paulo César na verdade é muito bom.

Mas parece ser subestimado. Ele não aparece. Será ranço de Jovem Guarda?
Sei lá, e ele é um músico bem completo. Eu me lembro que o som dele não é só Jovem Guarda, ele tocava umas coisas mais sofisticadas. Pode ser, outro dia eu tava vindo de carro pra cá e tava tocando Deixar Você, do Gil, na Rádio JB. Cara, aquele baixo que ele faz é impecável! É um som maravilhoso, uma execução maravilhosa. É um cara muito bom. Eu me lembro do Paulo César, eu era muito moleque. Uma vez fui num programa da Rádio Tupi de São Paulo, que tinha a Débora Duarte apresentando com alguém. Os Lunáticos foram tocar lá, era um programa de rádio ao vivo e o estúdio era grande. Renato e seus Blue Caps apareceram lá como a grande atração e eu me lembro que ao final do programa o Paulo César destruiu uma guitarra. Ele tocava muito, ele sempre tocou muito. Eu me lembro que Renato fazia umas versões e que os baixos que o Paulo César fazia eram sempre melhores que os baixos das gravações originais! (rindo) Não sei como é agora, mas durante muito tempo Roberto Carlos gravou com Paulo César.

De muitos anos para cá, você pôde começar a escolher com quem trabalhar. Naquele período inicial, talvez não. Você fez alguma produção só para ganhar dinheiro?
Como falei, foi uma fase de aprendizado. Como empregado da Warner, eu tinha que fazer... mas eu tirei muito proveito dessa época porque na verdade eu considerava uma coisa muito boa ter acesso a um estúdio de 16 ou 24 canais. As pessoas me soltavam ali e aquilo era um luxo. Em alguns trabalhos que eu não curtia tanto, conceitualmente falando, eu me esforçava para gravar bem e para tirar um bom som.

Você foi autodidata?
Total.

Durante seus anos como músico, qual o produtor do qual você tirou algum aprendizado? Em quem você prestava atenção?
Foi meio na raça, entendeu? Quando eu comecei, ficava desesperado... porque eu ouvia discos de lá de fora e sabia o que era um som bom. Só que eu não sabia como tirar. Eu não tinha a manha de equalizar etc. Fui metendo a mão. Agora, desde a época dos Mutantes a gente sempre teve a atenção voltada para essa coisa de tirar som, né? Eu acho que uma das grandes vantagens da banda era essa. De repente, a gente fuçava um pouco a parte eletrônica. A gente não tinha instrumentos importados, as coisas eram feitas aqui. Tinha, por exemplo, um órgão Hammond ou uma caixa Leslie ou um phaser, mas os amplificadores mesmo eram feitos aqui. Eu sempre fui ligado nessa coisa de como tirar o som.

Ou seja, como gravar bem, para que na hora da mixagem você pudesse aproveitar o máximo, né?
É, e era difícil... porque o Mazola, que era um cara que na época tava um pouco na frente das pessoas, ele não ensinava muito. Ele meio que escondia o jogo, ele cobrava mas não dizia muito como é que fazia a coisa. Eu fui descobrindo, fui fuçando. Eu gostava muito de gravar bateria. Quando fui gravar o "Luar", do Gil, ele vinha de um disco muito importante: o "Realce", produzido pelo Mazola, gravado lá fora pelo Humberto Gatica. Tinha um som maravilhoso e eu fiquei com a incumbência de dar um "prossiga" nessa história.

Mas o Gil àquela altura também já produzia, né? Talvez nem tanto, pois hoje ele é capaz de produzir...
Gil não gosta muito de eletrônica, ele não gosta de botão. Ele vive me falando que não gosta de estúdio! (rindo) Ele é um excelente músico, tem um ouvido excelente, mas ele não sabe acessar as coisas.

Com um bom técnico ao lado, ele não pode ser um bom produtor?
Não, isso eu até posso falar... porque ele mesmo fala que ele estragou o som do "Refavela". Talvez o Roberto Santana tenha produzido, mas ele deu muito palpite e ele mesmo fala: "Eu consegui estragar o 'Refavela'!" Ele não gosta muito de estúdio. Portanto, quando fomos fazer o "Luar", eu estava apavorado... para conseguir manter o mesmo nível. Eu gravei aqui no estúdio e naquela época não existia muita coisa. Eu marquei todas as equalizações que havia feito, para quando fosse mixar nos Estados Unidos com o Gatica. Teoricamente, isso foi meio inocente. Se necessário, com a mesa que tinha, ele descobriria qualquer frequência. Isso foi legal porque, quando ele viu aquilo, ele falou: "Puxa, esse cara é realmente esforçado, gosta do que faz". Ele me deu uma aula, cara! (...) Pra resumir, ele se entusiasmou comigo e me levou pro Sunset Sound. Falou: "Senta aí!" Eu não me lembro quem tava gravando, os Stones tinham passado por lá. Tinha uma bateria montada e ele me falou: "Pega esse bloco aí. Quando você quiser microfonar a bateria, pega um microfone... " (...) Pô, o cara tava acostumado a gravar todo mundo em Los Angeles e me deu uma aula! O cara me ensinou tudo, cara, tudo!

O "Luar" seguiu com todos os defeitos apontados por ele?
Foi, mas tava bem gravado, entendeu? Tava legal... Mas quando voltei, cheguei no mesmo estúdio e era tudo igual. Botei meus microfones, posicionei de acordo com as instruções dele e afinei a bateria. Quando a gente abriu, era outra coisa. Esse foi um grande adianto, eu aprendi muito com o Gatica. Depois eu comecei a fuçar mais as coisas, eu sempre fucei muito as coisas. Tinha um baú que eu levava pro Transamérica, eu não usava quase nada do estúdio.

Você tem algum disco que gostaria de refazer?
Não sei se refazer, mas eu por exemplo gostaria de fazer um "best of" do Gil, separando as melhores faixas e tirando coisas que são meio datadas. Remixar, regravar algumas coisas. Eu gostaria, com certeza.

E quanto aos discos que você não pode produzir por falta de tempo ou porque outro foi chamado?
O primeiro disco da Blitz nem passou por minha mão, porque na época eu tava produzindo um disco do Gil. Eu era amigo do Barreto e conhecia o Evandro. Esse disco eu gostaria de ter produzido, além do primeiro do Ritchie. Eu produzi, mas na época não pude trabalhar em Menina Veneno. Eu também gostaria de ter produzido o que teve Óculos, dos Paralamas ("O Passo do Lui", 1984). Quem mais?

Você não produziu alguns poucos discos do Gil. Foi por falta de tempo?
Na época do "Deus Mu Dança" (89), eu tinha acabado de mudar para os Estados Unidos. Foi difícil. O "Unplugged" (94), que eu também gostaria de ter produzido...

... foi o próprio Gil quem produziu.
É, mas ele até me convidou para fazê-lo. Foi um convite do tipo "pô aparece aí", não foi uma coisa tão... Eu sei que ele queria que eu tivesse, mas na época o último disco que eu tinha produzido fora o "Parabolicamará" (91) e eu tivera sérios problemas. Na época, tava meio difícil falar com as pessoas na Warner.

Você já tinha deixado a direção artística, portanto?
Sim, o Nelsinho Motta tava lá.

Foi uma época em que a gravadora parecia não ter direção artística. O "Parabolicamará" não tem créditos de direção artística.
Exatamente, nessa época eles estavam se organizando. Estavam comprando a Continental, fazendo um monte de coisas e tava meio difícil falar com a Warner. O "Parabolicamará" foi complicado e, como eu não consegui ter uma coisa certa para fazer esse "Unplugged", acabou que não rolou. Foi uma coisa de última hora, assim como foi o "Tropicália 2". O Gil me chamou e falou: "Olha, não tá nem resolvido se vai ser Warner ou PolyGram, mas você tá a fim de fazer?" Pô, pergunta se macaco quer banana, né? Eu vim e a gente acabou fazendo, mas eu gostaria de ter feito o "Unplugged", sem dúvida.

Como é que pintou a direção artística na Warner? Você simplesmente subiu de posto, pois já estava lá dentro?
É, toda companhia precisa de um diretor artístico. Depois que o Mazola saiu, o André Midani dividiu a companhia em três e eu fiquei como um dos três diretores artísticos. Eu tinha uma função dupla, de produzir e de ser diretor artístico. E eu sempre gostei mais de produzir. Se um dia eu parar de produzir, talvez eu use minha experiência para ser diretor artístico de novo! Mas era difícil, pois o diretor artístico tem que estar o tempo todo na companhia... para atender a todos os artistas. Eu fiquei meio dividido nessa estória e acabei optando pelo lado da produção.

Mas você ficou muitos anos como diretor artístico e foi responsável por muitas contratações no início do Rock Brasil. Você "salvou" o Barão Vermelho, né?
Fiquei. Pois é, foi legal porque eu aprendi bastante do "record business". Eu vi como funciona uma gravadora, participava de todas as reuniões. Na época, era o André e logo abaixo vinha eu e o pessoal do conselho diretivo. Uma vez eu tava em Los Angeles e ele me ligou: "Jorge Ben, o que você acha?" "Eu acho o máximo!" "Só contrato se você produzir!" Eu falei: "Pô, tudo bem, vambora!"

Você pilotou a direção artística de Los Angeles?
Pois é. Estranho, né? Mas precisava ter esse crédito na contracapa dos discos. Eu pilotava... mas na verdade a partir de um determinado momento eu não tava mais gostando de ficar atrás da mesa, entendeu? Mesa pra mim era mesa de som e não mesa de escritório.

Em sua passagem por Los Angeles, você produziu algumas coisas internacionais, dentre elas uma faixa para um disco inédito de Brian Wilson (dos Beach Boys) - "Sweet Insanity" (92).
Foi através de um engenheiro de som, que agora trabalha com Babyface. Ele tinha gravado o disco anterior do Brian - "Brian Wilson" (88) - e naquela época ele cismou com o Brasil, queria fazer alguma coisa que tivesse alguma coisa de música brasileira. O cara logo lembrou de mim e eu não me lembro que disco estava produzindo - talvez o "Sob O Sol de Parador", de Lobão (91). O Brian e o Dr. Landy foram atrás de mim no estúdio, com uma fitinha da música. Conversamos e eu me lembro que eu pedi uma outra fita, com a voz de um lado e os instrumentos do outro, para que eu fizesse uma pré produção em casa. Eu a fiz e nós fomos gravar no estúdio dele, ficamos uns dois dias trabalhando. Nesta época, ele tava com problemas com este Dr. Landy e com sua família. Depois eu fui na Rhino e comprei todos os discos dos Beach Boys! Ele era super-legal, depois da sessão ele nos convidou para ir ao cinema. Eu vi o baixo que ele tocava na época dos Beach Boys, um branco... Um cara muito legal, louco manso, uma pessoa muito doce, nada estrela. O Paul McCartney é vidrado nele, diz que é o cara que mexeu com sua cabeça, que chamou sua atenção.

Você teve papel ativo nas contratações de Lulu Santos, Kid Abelha, Ultraje a Rigor, Ira! e vários outros nomes.
Com certeza. Eu me lembro que o Lulu foi o primeiro, pois eu já o conhecia há muito tempo. Ele era fã dos Mutantes, sempre que a gente vinha aqui pro Rio pra tocar no "Som Livre Exportação", ele sempre vinha encontrar com a gente. Ele sempre foi muito bem informado acerca de tudo. Na época, eu acho que ele estava trabalhando na Som Livre e cuidava de repertório para novela. Eu me reencontrei com ele, pois ele morava num prédio aqui perto. Eu vi ele tocando e pensei: "Pô, esse cara vai dar certo, esse cara tem tudo pra dar certo!" E acabei fazendo uma demo com ele e a música entrou numa novela, não me lembro direito. A gente o contratou e foi legal, foram três discos. O primeiro disco - "Tempos Modernos" (82) - eu acho muito legal; o segundo também: "O Ritmo do Momento" (83).

Mas conjuntos passaram pela Warner sem ter nenhum contato direto contigo como produtor, como o Ira e A Cor do Som.
A Cor do Som era do Guti. Já o Ira, eu produzi um disco. Eu gosto muito do Edgard, foi uma co-produção com o Peninha Schmidt.

Durante seu trabalho como diretor artístico da Warner, você teve poucas oportunidades de produzir artistas de outras gravadoras. Isso estava amarrado em contrato?
É, eu produzi poucas coisas como o segundo da Blitz - "Radioatividade" (84) - e o "Selvagem?", dos Paralamas (86). Era conflitante você produzir artistas da concorrência, mas o André foi legal nesse sentido... porque ele sabia que não poderia me segurar tanto. Como é que você vai dizer não para uma banda como Os Paralamas? Era meio difícil você receber um convite desses, eu podia até resolver me tornar produtor independente. Não tinha muito como segurar essa coisa. A melhor coisa que eu fiz foi ficar independente, porque alguns artistas queriam trabalhar comigo e estavam presos a outras gravadoras. Algumas vezes nem queriam assinar com a gravadora com a qual eu estava trabalhando. A melhor coisa que eu fiz foi ficar independente, posso trabalhar com quem eu quiser... É muito mais divertido, tem muito menos rotina. O universo fica muito mais amplo, tem vários estilos de música.

E quanto ao estúdio "Nas Nuvens"?
O estúdio foi uma brincadeira. Eu estava com o Gil em Nova Iorque, ele tinha ido pra gravar um disco pro mercado americano - produzido por Ralph McDonald em 1982. Ele tinha um estúdio na Broadway e a gente estava acostumado com esse clima de estúdio no Brasil: você tá gravando e já tem outro estúdio batendo na porta, querendo entrar. Tá sempre aquele esquema muito burocrático, muito de fábrica. Eu virei pro Gil e falei: "Pô Gil, bem que a gente podia fazer um estúdio, hein? Uma coisa bem da gente, pequena, só pra gente!" E o Gil falou: "Vamos fazer!" Eu falei: "Pô, legal!" Começamos a agitar, ele teve a maior confiança em mim, eu não tinha dinheiro nenhum para fazer, né? Ele agitou tudo, pôs uma grana na minha mão e disse: "Sai fazendo!" O André Midani entrou na sociedade depois... e aí o estúdio deu certo também porque tinha esse clima caseiro, coisa que eu percebi quando fomos mixar em Los Angeles. A gente fica o dia inteiro enfiado nesse negócio e precisa de um certo conforto. Não dá pra ser aquela coisa largada, por isso o estúdio deu certo.

Você acha que a modernização dos equipamentos talvez esteja rolando rápido demais? Não dá mais tempo para você criar tanto em cima quando finalmente passa a dominar um equipamento, pois aí já existe um outro mais avançado e que precisa substituir o anterior. Isto te desmotiva?
Eu tive uma conversa dessa com o cara do Soul II Soul, quando fomos masterizar um disco. Ele tava reclamando disso, na Inglaterra as pessoas estão sempre acostumadas a ter o equipamento mais novo que sai. Eles estão sempre lendo o manual e só sabem 30% do que o equipamento pode render. Nos Estados Unidos, as pessoas trabalham com o mesmo equipamento há 20 anos. Tem isso sim, tem tanta coisa saindo o tempo todo, que você precisa dosar um pouco. O bom equipamento é o que você mexe bem. Tem coisas que são insuperáveis, até hoje eu tenho uma câmera de eco de fita cujo som não tem eco digital que faça. O legal é combinar a nova tecnologia com isso, além disso tem muita tecnologia nova que não é muito racional. É chato, às vezes eu prefiro analógicos a digitais. Você perde muito o feeling da coisa. A masterização, por exemplo. É legal ter essas coisas, eu tenho utilizado computadores e Adat, mas geralmente para fazer pré-produção. Só não gosto do Adat na coisa do transporte, pois sempre tem problema de synch. O Adat facilitou muito a vida de todo mundo, pois hoje você pode gravar um disco em casa. Eu tenho trabalhado muito dessa forma, trabalhando em três estúdios ao mesmo tempo: Adat, analógico e pro-tools. Se for comprar tudo que sai, fica maluco e não para mais. Muita que sai é desdobramento e não faz tanto efeito assim.

O que você faria se pudesse produzir Roberto Carlos?
Me perguntaram isso outro dia. Olha, o Roberto já sabe. Ele sabe melhor do que eu o que fazer, é um cara que tá fazendo sucesso há tanto tempo, não é? Eu não sei, eu acho que eu ia estragar o som dele! (rindo)

Não daria uma sacodida nele? Não faria um "Unplugged"?
Um "Unplugged" ia ficar bacana, hein?

E João Gilberto?
João Gilberto eu acho legal pra caramba... Mas o Roberto, cara, você falou uma grande coisa... porque as músicas dele são músicas que ele provavelmente faz ao violão. São canções que fariam sentido se ele sentasse aqui com um violão e cantasse. De repente, podia ser uma coisa bacana dar uma outra roupagem. Mas ele nunca vai querer isso! (rindo)

Como está sua carreira de músico? Você sente vontade de ser mais chamado para participar como músico?
Eu gosto de ser músico, cara. Eu gosto de tocar direto. Em gravações, eu tenho tocado muito. Até me chamam para tocar em outras coisas; me chamaram para tocar no Paulinho Moska, só que eu não pude. De vez em quando, me chamam.

Você sente falta de poder ser músico com mais frequência?
Eu acho que eu tenho tocado bastante.

Mas de repente poderia querer participar de uma turnê.
É, isso é legal. Já fui pra Europa com o Gil, fiz vários com ele em 81, inclusive a turnê do Jimmy Cliff.

Você tem vontade de produzir gente nova como Pato Fu, Planet Hemp, Skank?
Fiz o Tantra e O Rappa, e adoro o Planet Hemp. O D2 até tinha me convidado para tocar numa música, eu adoro essa turma. Fiz o primeiro disco do Chico Science. Quanto ao Pato Fu, alguém me comentou alguma coisa...

Seria divertido trabalhar com eles. Afinal - de todos os Mutantes - você é o que mais curte olhar para trás e falar do assunto.
Pois é, Mutantes ficou uma estória meio complicada mesmo. É claro que eu gosto dos Mutantes, não tenho a menor dúvida, mas na verdade não é o meu carro-chefe. Se eu for comparar o que eu fiz com os Mutantes e o que eu fiz depois dos Mutantes, eu fiz muito mais depois.

Você compôs com os Mutantes e fez algumas parcerias com o Gil. Ainda compõe com frequência? Tem coisas guardadas?
Não, eu só consigo compor objetivamente.

Você nunca teve vontade de gravar um disco?
As pessoas vira e mexe falam... (rindo) Diretores artísticos já me falaram isso, artistas já me falaram isso. Pode ser, pode ser, mas eu vou chamar alguém para produzir! (rindo)

Tem alguma coisa prestes a acontecer? Ou você só está começando a ver com bons olhos e acha que ainda tem muito chão pela frente?
Eu agora estou começando a ver com bons olhos. Eu tinha até começado a pensar assim, eu tinha até planejado começar a pensar nisso a partir do segundo semestre. Mas... cara, o problema é que eu engato uma produção na outra. Eu vou ter que chegar uma hora e fazer. Eu não sei, eu vou... vou ter que fazer. Talvez algumas parcerias, eu não gosto de fazer nada sozinho. Além disso, eu não sou cantor... apesar de ter cantado Portugal de Navio, num disco dos Mutantes! (rindo) Vou ter que chamar gente pra cantar, é claro. Eu acho que daria um belo disco. Eu tô mais entusiasmado com essa idéia, houve uma época em que eu não queria saber. Eu acho que de repente vai rolar.

E quanto a idéia de criar um selo, não te seduz?
Tá na estaca zero. Um diretor artístico até me botou a maior pilha... Se eu fizer um disco, vou querer que seja uma coisa que venha a tocar e que seja uma coisa legal. Nada de experiências, porque eu sou um produtor pop e a música pra mim é uma maneira de me comunicar com as pessoas. Fico super contente quando paro num sinal e de repente o rádio do carro ao lado tá tocando uma música que eu produzi. Hoje fui num escritório e primeiro tocou Gil e depois tocou Zélia. Adoro chegar numa discoteca e ver as pessoas dançando uma música que eu produzi, sabe? Eu quero fazer uma coisa que tenha um certo alcance, entendeu?

Você já pensou em produzir alguma coisa sem assinar, pra ver se toca assim mesmo?
Não... (rindo) É, de repente acaba não tocando! (rindo) Seria engraçado... mas você acha que o nome induz tanto as pessoas?

Bem, estou olhando estas paredes aqui e de todos estes 40 e tantos discos premiados, eu tenho a grande maioria. Pouquíssimos discos produzidos por você não aconteceram. Quantos discos você produz por ano?
Varia, três ou quatro.

Pois é, multiplica por vinte, dá oitenta. Só nesta sala, tem a metade.
Eu fiz um levantamento quando tirei meu green card e já contabilizava uns 90 discos.

Muitos sem crédito, da época inicial?
Não, foram apenas dois ou três.

Mas e quanto a "Maria Fumaça"? Taí um disco que você não assinou e que aconteceu...
Logo depois eu fiz o disco das Frenéticas, que foi o primeiro disco de ouro da Warner aqui no Brasil. Guti e Mazola já tinham histórico como produtores e não tinham nenhum disco de ouro. O disco estourou e o André chegou e disse: "Pô, esse cara não vai ser mais assistente não!" Foram só dois discos sem crédito.

Não acho que só o nome baste não, acho que os discos já chegam às suas mãos já determinados ao sucesso. O disco vai acontecer, só falta aquele toque que faça com que ele mereça acontecer mesmo.
Acontece isso mesmo.

No início dos anos 90, você produziu alguns discos que não aconteceram: "Os Grãos", de Os Paralamas; "Parabolicamará", do Gil; "Psicotrópico", do Paulo Ricardo; o primeiro da Fernanda Abreu etc. Esta sequência te incomodou?
Não, mas é verdade. Os discos não venderam mas estão lá...

Nunca rolou nada próximo de uma reunião dos Mutantes?
Uma vez o Chediak quase nos reuniu para gravar Bat Macumba, para o "Songbook" do Gil (92). Ele quis reunir... mas é difícil botar todo mundo junto, principalmente... O Dinho não toca mais, o Arnaldo não sei como está...

Entrevistamos ele ano passado.
Como é que ele está?

Está bem. Disse que só reúne os Mutantes se você deixar o Rickenbaker de lado e tocar um Gibson!
(risos) Aquelas coisas dele! Muito engraçado! Tem o disco de Londres pra lançar, mas eles não conseguem entrar num acordo... É difícil a Rita e o Arnaldo entrarem em acordo e eu também não... não... não... sei lá, eu sou tão ocupado e teria que ser uma coisa de curtição. Eu acho que poucas pessoas me vêem como um mutante, porque os Mutantes ficaram parados e viraram uma lenda, uma peça de museu. Minha atividade começou depois, mas não resta dúvida de que ter tocado com eles naquela época foi a melhor coisa que poderia ter acontecido com um cara de 19 anos!