Lafayette
Um dos principais instrumentistas dos anos 60, Lafayette anda sumido da mídia mas nunca parou de tocar com seu conjunto de baile. Ultimamente, voltou a agitar as noites cariocas a bordo da banda Lafayette & Os Tremendões, projeto do guitarrista, cantor e compositor Gabriel Thomaz - ex-Little Quail e líder dos Autoramas. Em entrevista exclusiva a Marcelo Fróes, realizada no apartamento de Gabriel em 9 de agosto de 2005, Lafayette falou de seu momento atual e lembrou também os velhos tempos.
Como está você, Lafayette? E como você está encarando esta nova fase?
Bem, eu tô bem e tô achando super interessante essa idéia que o Gabriel teve de me chamar - pra gente voltar, nesse momento em que o pessoal tá curtindo muito a volta da Jovem Guarda... relembrando aqueles tempos. E a gente tem feito aquele trabalho, só que com uma roupagem nova e mais moderna. Tem sido muito legal, eu tô gostando à beça.
Como é que você o conheceu?
Bom, foi assim: Gabriel me telefonou e se apresentou pra mim, dizendo que tinha muita vontade de bater um papo comigo e tudo. Eu disse alguns dos principais lugares onde eu estava tocando toda semana e ele ficou de ir lá, pra me conhecer pessoalmente e conhecer o grupo. Aí, numa sexta-feira ele foi lá - acredito que com o pessoal do Autoramas: Bacalhau, etc. Nós nos conhecemos, batemos um papo rápido e marcamos um outro dia pra conversar mais. Fomos conversando aos poucos, então ele expôs sua idéia e eu a achei legal. É gozado, porque antes eu já tinha recebido outras propostas para integrar outros grupos... mas eu nunca quis, porque eu tenho meu próprio grupo e não queria participar de outra coisa. Mas, não sei por que, no dia em que ele foi me conhecer, só de conversar houve um interesse de minha parte... e eu topei. Aí nós começamos a ensaiar, eu gostei da rapaziada toda... e foi logo marcado um dos primeiros shows, no Teatro Odisséia. Logo no primeiro show, a gente viu que o negócio ia dar certo... pelo desempenho do grupo no show e pela receptividade do público. Foram quatro shows, um mês de shows, cada um melhor que o outro. Então aí é que eu fiquei mais empolgado ainda, vendo que o negócio ia dar certo... e estamos batalhando agora, pra levar isso pra frente.
Quando foi seu último disco?
Olha, eu nem me lembro mais. Já tem bastante tempo, foi pela Copacabana... onde eu estive depois de minha passagem pela Continental.
Esse afastamento da indústria foi por você achar que o mercado estivesse desinteressado pela música instrumental?
Disco instrumental aqui no Brasil é uma coisa muito difícil, né? Se você foi ao centro da cidade, por exemplo, e fizer uma rápida enquete, ninguém saberá citar o nome de um músico famoso. Porque o povão não conhece músico famoso... Música instrumental aqui é muito difícil, então sei lá... pra disco instrumental dar certo aqui você precisa de muito apoio da gravadora, da mídia etc.
E não pode esperar muito, né? É um carreira diferenciada, pois não dá pra tocar no rádio e nem ter uma vendagem estrondosa... embora nos anos 60 e 70 seus discos vendessem bastante.
Sim, os discos vendiam bastante. Mas, como graças a Deus eu nunca dependi de disco, eu sempre direcionei o trabalho pra baile. Eu nunca dependi muito de divulgação de rádio, porque eu sempre toquei muito... em clubes, casas norturnas, que são um negócio diferenciado. Mas, é claro, com divulgação em rádio e um disco estourado, é melhor ainda... Mas eu nunca deixei de tocar porque não houvesse disco na parada. Eu nunca parei de tocar com meu conjunto. Uma vez que eu parei de gravar, eu continuei o outro esquema nosso... trabalhando e tocando, até hoje, bastante, fazendo bailes pelo interior do Brasil. Na época dos discos é que a gente chegou até a sair do Brasil um pouco, porque nosso disco ficava muito em evidência na Argentina.
Esse novo trabalho, com uma nova banda e um novo público, faz lembrar a época em que você estava começando?
Nunca vai ser igual, né? Igual àquela época da Jovem Guarda, nunca vai ser...
... mas você é anterior à Jovem Guarda, você começou antes.
Eu já estava tocando, mas eu tocava quase que como um amador. A gente já fazia uns bailinhos aqui e ali.
Como é que você começou na música?
Bem, eu tinha 4 anos de idade quando comecei a estudar clássico. Na época em que eu comecei a estudar, eram 11 anos... pra se formar, mesmo. Mas, com 7 ou 8 anos de estudo, eu vi que não ia seguir o clássico e parei de estudar... e com 12 anos já comecei a tocar. Na época Waldyr Calmon estava no auge e era um ídolo, mas eu era muito voltado pro rock mesmo. O primeiro conjunto com o qual eu comecei a entrar no mundo artístico foi o Blue Jean Rockers, que chegou a gravar um compacto pelo selo Tiger, do maestro Guio de Moraes... mas que acabou não saindo. Outro dia eu consegui uma cópia deste acetato pela Internet, com um cara do Rio Grande do Sul. De um lado, uma versão de Blue Suede Shoes cantada pelo Luiz Henrique, que era o nosso vocalista. Do outro lado, era um tema instrumental.
Você tocava com o Luizinho nesta banda, né? Depois ele formou o Luizinho & Os Dinamites.
Sim, nós éramos vizinhos nessa época. Eu morava na Av. 28 de Setembro e ele na Rua Jorge Rudge, pertinho lá de casa. Eu morava com minha avó e um dia nós fizemos uma festa lá em casa, e nessa festa várias pessoas compareceram. Eduardo Araújo havia chegado de Minas, não conhecia ninguém e ia muito lá pra casa... porque minha avó também era mineira. Mas uma vez nós fizemos uma festa e tinha uma turma que frequentava o cinema Imperator, no Méier. Todo mundo veio de lambreta, enchei o hi fi e eu me lembro que o Cyro Aguiar, que também era da nossa turma e cuja especialidade eram músicas de Pat Boone, mexeu com a garota de um dos caras daquela turma. Bicho, saiu uma briga... e quase quebraram toda a casa da minha avó, porque começou na casa dela e foi parar na Av. 28 de Setembro, uma avenida larga que virou praça de guerra. Minha avó ficou apavorada, e me lembro que até meu pai entrou na briga, tentando apartar...
Foi nessa época que você conheceu Erasmo?
Sim, numa época em que eu morava na Rua Afonso Pena, ali na Tijuca, perto da Rua Professor Gabizo, onde morava o Erasmo Carlos. Ali perto havia a Rua do Matoso, onde havia o Cine Madri e onde o pessoal todo se reunia: Tim Maia, Jorge Bem e até o Luiz Ayrão. Era a "turma do Madri", como chamavam. Quando Erasmo foi gravar seu primeiro disco solo em 1964, ele foi lá em casa e me chamou pra gravar. Eu ia gravar de piano mas, ao chegar no estúdio da RCA, onde se gravava os discos do selo RGE, nós descobrimos um órgão coberto lá num canto. Nós começamos a mexer, eu comecei a tocar e ele teve a idéia de gravar órgão ao invés de piano. Todo mundo se assustou: "Órgão em música jovem?" Então Terror dos Namorados e Na Onda do Jacaré foram as duas primeiras músicas que gravamos. Quando o disco ficou pronto, mostrou pro Roberto e ele também adorou a idéia, me chamando pra botar órgão no disco dele. Foi a primeira vez que eu fui na CBS, que naquela época era uma festa. Eu conheci todo mundo e já fui tirando fotografia, naquela onda toda... e eu comecei a gravar com Roberto. No segundo ou terceiro disco que eu gravei com Roberto, o Sr. Evandro - que era o presidente da CBS - me chamou e perguntou se eu queria assinar contrato pra gravar disco solo. Como eu gostava muito do Ed Lincoln nessa época, pois ele tinha um conjunto em que eu muito me espelhava, fazendo bailes sensacionais, eu quis fazer de meu primeiro disco um álbum só de sambas. Erasmo fez algumas músicas, Sr. Evandro fez minha vontade e tal... mas o disco não vendeu nada. No segundo disco, ele falou: "Agora você vai gravar do meu jeito! Eu já deixei você fazer do seu jeito..." Fizemos o primeiro LP da série "Lafayette Apresenta Os Sucessos", com músicas dos Beatles etc, e ele logo estourou... e nós continuamos nessa série até o Vol. 20. Depois disso é que começamos a ter uns títulos diferentes, fora os compactos.
Como foi sua carreira durante a Jovem Guarda? Você tocava no programa?
Não, e isso é uma coisa interessante, porque no programa do Roberto eu só fui uma vez... Eu só ia pra receber prêmios etc, mas pra tocar mesmo... eu só ia mesmo no programa Rio Hit Parade da TV Rio, Canal 13, porque minha música estava sempre na parada. Mas eu nunca fui muito de fazer televisão; não porque eu não quisesse, mas sei lá... ainda que eu tocasse tanto na maioria daqueles discos do Roberto. Na base dos discos do Roberto era sempre eu com uma parte dos Blue Caps - Renato, Paulo César e Toni, bem no início, mas anos depois o Toni foi substituído pelo Picolé, que era do meu conjunto, juntamente com o guitarrista Zé Carlos, que também era do meu conjunto e toca com o Roberto até hoje. Os metais também muitas vezes eram do meu conjunto.
Em que momento você formou seu conjunto?
Quando fui contratado para o primeiro disco, ainda não tinha... mas logo montei. A crooner já era a Dina Lúcia, que é até hoje minha esposa, além dos metais. Nós éramos 12 músicos... e a equipe acabou chegando a 20 pessoas, de forma que chegamos a ter um ônibus, fundamental para qualquer estrutura de grande conjunto de baile. A gente fazia baile em qualquer lugar. Nós compramos o ônibus por causa de uma turnê que faríamos por várias cidades da Argentina, então fomos de avião até Buenos Aires e lá embarcamos no ônibus.
Você chegou a gravar discos especialmente para a Argentina.
Quando a gente gravava faixas para o disco daqui, também gravávamos umas músicas que estavam fazendo lá. A CBS de lá mandava uma lista com seis, sete ou oito músicas, então a gente gravava e mandava o tape do disco brasileiro e as faixas extras, para que eles pudessem montar um disco compatível com o mercado de lá. Tem muitas gravações que saíram lá e que nunca saíram aqui, como Amada Amante por exemplo.
Como você organizava sua agenda? Você gravava discos, fazia bailes e ainda tocava nos discos de todo mundo!
É, de segunda a quinta, eu passava dentro do estúdio... e quase só ia em casa pra dormir... e mesmo assim muito pouco, porque na manhã seguinte já tinha que ir pro estúdio de novo. De quinta a domingo, era viajando e tocando.
Sim, mas você ganhou muito dinheiro, não?
Não senhor, aí é que tá, naquela época a gente fazia muito sucesso mas não ganhava muito dinheiro. Se fosse hoje em dia, sim. Você vê, tirando o Roberto e muito poucas exceções, ninguém daquela época ficou rico. Não sei se era empolgação, porque a gente era muito novo... então, se fosse hoje em dia, a gente teria ganho mais que o dobro do que ganhava na época.
Mas lembremo-nos de que o Roberto é famoso no mundo inteiro e, além disso, ele tem um catálogo muito grande: ele compõe.
É, eu acho que o que dá mais dinheiro é composição mesmo.
Com seu conhecimento musical, você não compõe?
Não, eu acho que eu tenho uma vida muito agitada. Não sei se penso errado, mas eu sempre achei que pra compor o cara precisa ter tranquilidade... coisa que eu nunca tenho. Sou eu que cuido de tudo no conjunto: eu sou o empresário etc. A parte musical mesmo, hoje eu escrevo só cifra... porque eu esqueci. Você tem que praticar sempre, senão perde aquele negócio de cabeça de nota etc. Eu gravava muito com a Orquestra Brasileira de Espetáculos, lá na CBS, e era tudo escrito e a gente tinha que ler. Hoje não, basta passar cifra.
Mas e quando você gravava nos discos do Roberto?
Era tudo com cifra, a gente fazia tudo de cabeça, de improviso mesmo. Não Quero Ver Você Triste, por exemplo, o Roberto só tinha feito metade da música e a gente tinha que gravar naquele dia... porque ele ia pra São Paulo. Ele cantou e o resto eu fui tocando o que veio à cabeça, e foi isso: ele declamou, com uma melodia assobiada, e eu fui fazendo aquela melodia depois... Ficou legal, a harmonia já estava definida. Com arranjo escrito mesmo, eu só gravava assim com a Orquestra Brasileira de Espetáculos... que na base tinha eu, Renato etc. Éramos sempre os mesmos que faziam as bases pro Roberto, mas em novos registros... com a orquestra presente no estúdio. Isso chegava a ser um problema, porque aqueles professores e senhores da Orquestra do Teatro Municipal, regidos geralmente pelo Alexandre Gnattali, gravavam de primeira. A gente tinha que fazer força pra não errar, porque todo mundo teria que parar e recomeçar. Também gravávamos base para Madrugada e seu Conjunto, com um velhinho solando no violino.
Como músico, você também grava com artistas de outras gravadoras?
Sim, acompanhando... Erasmo, Golden Boys etc, até com Zé Ramalho, que foi a última gravação de que participei... há uns 20 anos atrás. O LP era intitulado "Pra Não Dizer Que Não Falei de Rock", muito bom, eu nunca tinha gravado com ele e foi muito legal. Muitas gravações de que eu participava, eu nem sabia para quem era... pois a base já estava pronta e só faltava botar órgão. Eu nem sabia quem era o artista.
O fim da Jovem Guarda mudou sua carreira?
Não, porque eu sempre fiz baile... e, mesmo hoje, quando faço show com Os Tremendões, o pessoal participa muito e fica um clima de baile mesmo, dançando e cantando junto. Não é um show muito comportado, é um show agitado... tipo show-baile mesmo. Eu não me acostumo com esse tipo de show em que as pessoas ficam muito quietinhas, não... (risos)