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Entrevista

Os Incríveis


Após a longa entrevista dos Originals no dia 11 de maio de 2005, Marcelo Fróes e Elias Nogueira acompanharam "os incríveis" Netinho e Nenê numa viagem de táxi da Barra até o Aeroporto Santos Dumont, onde embarcariam de volta a São Paulo. No trajeto, aproveitaram para fazer uma entrevista de cerca de uma hora sobre Os Incríveis.


Os Incríveis tinham uma estrutura enorme, eram uma das maiores bandas brasileiras numa época em que isso nem existia por aqui.
Netinho - Nós tínhamos um entrosamento de empresário com gravadora, e nós chegávamos a xingá-los por trás. Era um pouco de ingenuidade, de imaturidade e até de burrice, mas a gente não deixava eles atuarem com a gente - colocando músicas mais populares, pra que vendesse mais etc. A gente brigava muito por causa disso, mas a gente também tava certo... porque a gente era bom músico, e com isso a gente tinha um cachê maior que o do Roberto Carlos. De repente Elis ou Roberto estavam estourados, cobrando 10 mil por show, mas a gente cobrava 12 mil. Ele podia estar estourado e ser o maior fenômeno, mas ele cobrava 15 mil... e a gente cobrava 16 mil. Era engraçado... Nossos shows eram performáticos, a gente fazia coisas inusitadas no palco. Isso nos levou pra fora do Brasil. A gente fazia show lá fora e ninguém sabia que música era a nossa. A gente fazia show no Japão, na Itália, tocava em navios. A gente passou um ano na Itália. A gente chegou a ganhar sete prêmios Roquete Pinto seguidos, um atrás do outro, além do troféu Governador do Estado de São Paulo.

A viagem à Argentina tem algo a ver com a mudança de Clevers para Incríveis?
Netinho - Nós mudamos lá, primeiramente para Los Increibles. Na verdade, quando nós fomos pra Argentina, nós tínhamos um empresário - quera o Antônio Aguillar - e aí acabou que entrou outro empresário na jogada.

Foi aí que rolou a briga?
Netinho - Foi aí que rolou uma confusão, não nossa com o Aguillar... mas, naquele medo de nos perder, os empresários brigaram porque queriam nos ganhar. A gente então resolveu mudar o nome para Os Incríveis, porque ele já tinha sido utilizado como adjetivo no disco "Os Incríveis The Clevers".

Sim, mas isso porque o Aguillar tinha registrado o nome The Clevers, não?
Netinho - Sim, também tinha isso. Exatamente, mas como lá na Argentina o pessoal pensava que a gente era americano, por causa do nome The Clevers, e a gente estourou e se tornou a primeira banda de lá - sem disco mesmo, tocanco outras coisas, e não as músicas do nosso repertório de cá. Ninguém nos conhecia, a gente fazia show mesmo... e aí nós gravamos lá, pela Columbia, como Los Increibles. E foi aí que a banda estourou lá, mas a gente quis voltar... e eles não queriam deixar, porque a banda estava estourada também na Venezuela. Aí eu, pra variar, pisei na bola... pra voltar pro Brasil... como voltei da Itália do mesmo jeito. Saí com a mulher do empresário lá e deu um rolo do caramba. Voltamos pro Brasil... e foi a sorte nossa, eu sempre dei sorte nisso, porque eu não agüentava mais ficar lá. Ninguém agüentava mais. Era pra gente ter feito mais discos lá, mas em função deste "problema" nós acabamos retornando pra cá. E foi a época que deu umas confusões, mas eu não vou contar... porque senão daria muita confusão.

Com empresário ou com mulher?
Netinho - Com empresário, com mulher, com a Rita Pavone e com todo mundo. Eu pisei na bola.

Você foge deste assunto Rita Pavone, não?
Netinho - Não é que eu fuja, mas é que foi uma coisa que não foi muito boa pra mim. Ela foi boa agora, porque fiquei marcado por isso, mas na época fiquei triste. A família inteira era contra, mas eu também pisei na bola... porque eu sempre fui meio irreverente nessa situação e pisava na bola, machucando muito eles. Tanto que a gente se separou por causa disso.

Durou quanto tempo?
Netinho - Nós ficamos três meses na Itália, depois fizemos toda a Europa com ela - Suíça, França etc. Fizemos mais de 40 shows com ela... e depois ainda viemos pra cá e durou mais um pouco. Mas ela escrevia pra mim e eu não respondia, depois ela mandava telegrama e eu não respondia. Eu não queria nem saber, não tava nem aí. Os caras marcaram a despedida dela aqui no aeroporto, porque ela ia embora... e aí todo o conjunto foi e eu não fui. Eu não tava interessado mesmo, mas eles falavam mentira... dizendo que eu era famoso empresário, fazendeiro, artista de cinema etc. Não era nada disso, eu tinha 17 anos e estava começando. E aí a coisa não rolou, do jeito que era mesmo. Não foi verdade, né... e eu acredito até que é por isso que o brasileiro tem essa curiosidade de toda hora me perguntar por ela.

Bem, eu nunca vi você falar sobre este assunto da forma como falou agora. Acho que não houve problema nenhum em falar, até porque não há problema nenhum com este assunto.
Netinho - Não tem, mas sempre falou-se uma outra história. Eu recebi o IBOPE da Itália, de julho/agosto de 1963, onde estou como o cara mais fotografado da Europa - com Alain Delon e Richard Burton em segundo e terceiro lugares, respectivamente. Qual é a verdade disso? Nenhuma! Os caras mentiam sobre a minha imagem e criaram uma imagem diferente. Anos depois nós voltamos à Itália como Incríveis, mas já foi uma outra coisa. Mas foi uma loucura, eu não podia botar o pé na rua lá na Itália. Não podia sair do hotel, todo mundo ia passear e eu ficava lá, de castigo. Teve uma confusão com uma outra cantora, que era a concorrente da Rita... e saiu em todos os jornais. Aí sujou, porque botavam foto minha com a mulher e uma da Rita dizendo "ele não me ama mais!" Era uma loucura.

E vocês nunca mais se falaram?
Netinho - Não, mas recentemente um empresário estava trazendo a Rita novamente a São Paulo. Tava tudo certo, mas o Teddy Reno mandou uma carta perguntando se eu estava na história. E eu estava... porque a idéia tinha sido minha. O empresário, achando que ia dar certo, falou: "Claro, o Netinho está muito bem no Brasil e ele é quem está por trás de tudo!"

Os Incríveis fizeram um filme nos anos 60, "Os Incríveis Neste Mundo Louco"...
Netinho - Sim, é um filme do Primo Carbonari. É tipo "Os Reis do Iê Iê Iê", e é colorido. Na história, a gente entra escondido num navio e eles acabam descobrindo e botam a gente pra trabalhar. Mas nós também fizemos um outro filme, um faroeste no qual eu faço o papel do xerife.

Vocês também tiveram programa na TV.
Netinho - Foi uma solução que nós encontramos na época, para aquele conflito com empresários e gravadoras. A gente precisava explorar a rebeldia, fazendo coisas que ninguém conseguisse imitar. Era uma besteira, na verdade, mas enfim... era próprio da gente. Foi quando alguém falou pra gente fazer um programa de TV, onde poderia mostrar tudo. Foi aí que a gente começou a mostrar a banda individualmente. Nosso programa na TV Excelsior era concorrente do Jovem Guarda, domingo à tarde mesmo.

Os Clevers ou Os Incríveis também passaram por essa coisa de ser a banda da casa na Continental - acompanhando artistas, fazendo base para orquestras e gravando discos sob nomes de fantasia?
Netinho - Não, nós não gravamos sob pseudônimo... mas a gente chegou a ser o artista número 1 da Continental e, quando acompanhava alguém, recebia crédito... como naquele disco com Orlando Alvarado. O primeiro disco dos Clevers foi gravado no final de 1962 e ainda saiu em 78 rpm. Sabe quem produziu? Poly! Naquela época, a gente gravava um 78 rpm e, se vendia bastante, a gente gravava outro. Se também vendesse bastante, depois de dois ou três 78 rpm, aí você fazia um compacto duplo... Quando acabou o 78 rpm, criaram o compacto simples. Você teria que emplacar três ou quatro simples para chegar ao álbum... e nós conseguiu esses objetivos, sempre... porque a gente fazia dois, três ou quatro compactos, para chegar ao LP. Fomos o primeiro artista da Continental... mesmo depois que mudou de nome... Mas, além de mudar de nome, a gente ainda foi buscar o Nenê... porque nós já o paquerávamos. Nós precisávamos daquele cara. Nós fomos lá e, enquanto a gente não tirou ele dos Beatniks, a gente não sossegou. Nosso baixista era o Neno e a gente esperava que ele desse uma escorregada, pra ter motivo... Mas é claro que o Mingo merece muito crédito na história do conjunto, ele foi o responsável pelo início do conjunto. Ele saiu dos Jordans pra montar os Clevers, e durante bastante muito tempo ele foi o nosso líder. Quando virou Incríveis, ele começou a largar um pouquinho... porque ele era muito italiano e ele queria puxar a gente muito mais pra música italiana. Mas a nossa maior influência eram The Shadows e The Ventures, principalmente The Ventures. O grupo era todo instrumental, e aí o Mingo fez uma música e botou no primeiro disco. Tudo era baseado no Manito, a gente fazia as guitarras em cima dos Ventures. A gente regravou quase todos os hits deles. Os Jordans é que eram mais Shadows.

Vocês tiveram uma grande presença na cena paulista dos anos 60.
Netinho - Nós inauguramos a maioria dos clubes do Estado de São Paulo, porque foi na década de 60 que se construiu quase tudo - com aqueles palquinhos, luzinha etc. A gente também inaugurou o Geraldão em Recife. Às vezes a gente chega pra tocar em Araçatuba e tem lá uma placa pra nos lembrar dissos. As fichas vão caindo na medida em que você continua na carreira, né?

Como foi a virada dos anos 70 pra vocês, em termos de formação da banda?
Nenê - Na minha opinião, vê se eu tô falando certo, é que cada um de nós já estava com preferências musicais diversas. Por exemplo, como o Netinho falou agora há pouco, o Mingo gostava muito de música italiana. Risonho gostava de música melódica, enquanto o Netinho já estava indo pro rock inglês e o Manito estava querendo fazer rock progressivo. E eu tava com a negada da Motown, né? Então a filosofia do grupo já estava se dissolvendo...

Netinho - ... e continuava aquele nosso problema com empresário. Nós sempre tivemos essa coisa e a gente tava sendo consumido demais, a gente reclamava muito de trabalhar muito e pagar um percentual muito forte. Porque nós tínhamos um escritório com 15 pessoas em São Paulo, nossa equipe era muito grande e no fim sobrava pouco... e todo mundo já estava com o saco cheio disso também.

Nenê - Chegou uma hora em que, como todo grupo, a gente enjoou. A verdade é essa.

Netinho - Na verdade, sempre houve uma certa imaturidade... A gente não pensava que, acabando a banda, tudo poderia acabar, você ficaria duro e a vida ficaria difícil. Você nunca pensa nisso, né? Você só pensa que está por cima, que não tá mais a fim e que tá curtindo outra coisa agora.

Nenê - E foi isso que aconteceu.



A banda chegou a acabar mesmo?
Nenê - Sim, nós fizemos uma reunião... e acabou em 1972.

Sim, Netinho e Manito saíram... mas você, Risonho e Mingo fizeram um álbum intitulado "Os Incríveis" já no ano seguinte.
Nenê - Isso foi uma armação da RCA. Como sempre, foi uma sacanagem da gravadora... porque não era pra sair Os Incríveis. Era pra sair só Mingo, Nenê e Risonho... e nós falamos "tudo bem, vamos gravar". Topamos gravar por gravar.

Netinho - Eles fizeram a gente assinar um documento, nós assinamos - eu e o Manito -, saindo porque a gravadora disse que nunca iriam usar o nome Os Incríveis...

Nenê - ... e no fim eles fizeram.

Netinho - Como o Manito já estava com o Som Nosso de Cada Dia e eu com o Casa das Máquinas, acabou que não demos bola... Mas pô, foi uma sacanagem...

Nenê - Foi uma sacanagem da RCA mesmo.

E em que momento houve a volta?
Nenê - Em 82 nós tentamos uma volta, né Netinho?

Netinho - É, em 82 surgiu uma idéia... que foi até do Osmar Zan. Eu tava gravando um disco do projeto Amor & Caridade, quando o Osmar - negociando comigo - falou: "Ô meu, desiste disso, carreira solo? Vamos voltar Os Incríveis!" E o cara, querendo me convencer que o meu disco solo não ia dar certo e que eu tinha que fazer Os Incríveis, foi aí que eu liguei pro Mingo. Eu tava com um escritório ali na 26 de Maio, com equipamento e tudo do Casa das Máquinas, que tinha parado. A gente podia sair tocando, sem depender de ninguém. Já tínhamos estrutura, né? A gente topou...

Nenê - ... e foi gravar o LP... muito rapidamente, porque eles quiseram que a gente gravasse em 20 dias.

Netinho - A gravadora, mais uma vez, escolheu as músicas e nós estávamos contra tudo aquilo. Sabe, e tinha uma coisa muito séria, porque eles forçavam sempre aquele lado do "Eu Te Amo, Meu Brasil"... porque vendeu muito e eles sempre quiseram que a gente gravasse alguma coisa relacionada a isso, mas a gente não gravou.

Vocês falaram que a banda acabou e que houve aquela sacanagem da RCA no disco de 1973, mas depois disso vocês ainda fazeram "Isto é Felicidade" e outras coisas até o final dos anos 70.
Nenê - Isso, também. Aquilo foi uma outra armação da RCA. Basta dizer que a gente nem fazia show. Era só pra gravar.

Netinho - Na vendagem de discos era um nome que funcionava, né?

Como foi essa fase nacionalista nos anos de chumbo?
Nenê - Aí já não tava mais ninguém, só tava o Mingo. A história é a seguinte: nós voltamos de Londres e pegamos um repertório maravilhoso para gravar um LP. Faltava uma música e nós chamamos o Dom no estúdio e perguntamos: "Você tem alguma música?" Ele falou: "Eu tenho uma aqui, mas é um iê iê iê meio ruim... meio marcha e tal!" Ele começou a tocar no violão e acho que foi o Netinho que resolveu tirar um sarro, gravando como uma fanfarra de colégio. Nós colocamos nosso carregador tocando bumbo... e ficou uma marchinha de fanfarra - num puta clima legal, despreocupadamente. Seria a terceira faixa do disco, tava lá encostada... e de repente começou a tocar a música, bicho. E eles lançaram correndo um compacto simples.

Netinho - Nós estávamos ouvindo no estúdio e eles trouxeram um produtor da Hebe Camargo, fizeram uma cópia e ela fez o lançamento no programa dela... antes do disco sair. Por causa dessa música, tava todo mundo louco... e a gente foi ingênuo pra caralho e não percebeu os caras estavam aproveitando o momento pra isso. Tanto que isso foi o primeiro estopim pra separação da banda.

Nenê - Na imprensa escrita saiu matéria criticando a gente, enquanto no rádio foi 1º lugar no Brasil inteiro. Mas, em compensação, o pessoal da imprensa interpretou como se a gente tivesse puxando o saco dos milicos. E viam falar com a gente: "Ó, vocês estão puxando o saco!" A gente respondia: "Não foi nada disso! Pega a letra da música, porra, que nós estamos falando do Brasil - que é bonito!" E eles insistiam: "É, mas numa hora não apropriada pra cantar esse tipo de música!" A gente então perguntava: "Por que?" E ouvia: "Por causa da ditadura". Então a imprensa encheu o nosso saco mesmo.

Netinho - A Veja, que era uma revista de esquerda na época, foi no escritório e, quando chegamos, estavam com microfones instalados e gravador de rolo. O empresário falou que eles tinham vindo fazer uma entrevista e aí, como ninguém sabia de nada... porque a gente era meio apolítico, porque era tudo garotão...

Nenê - ... totalmente apolítico, a gente não tava nem um pouco preocupado com isso. Fizeram uma reportagem, mas de qualquer forma falaram que a gente era alienado. E daí, nós soubemos mais tarde - muito mais tarde! - que os nossos nomes estavam lá no SNI, porque eles estavam querendo fazer com a gente o que a rainha havia feito com os Beatles! Porque, na subida do Médici ao Palácio, rolava metade do Hino Nacional e depois a banda engrenava em "Eu Te Amo, Meu Brasil". Então, porra, eles se aproveitaram pra cacete disso.

Netinho - Saiu uma lei, que não chegou a ser aprovada, que tornaria obrigatório cantar nas escolas o "Eu Te Amo, Meu Brasil". Os caras botavam leis absurdas pra serem aprovadas no Congresso.

Isso provocou a separação?
Nenê - Também, também...

Netinho - Ajudou... porque o Mingo, com todo respeito a ele...

Nenê - ... queria continuar ainda nessa levada... tanto, que continuou... e nós saímos.

Mas vocês ainda fizeram o compacto do Hino...
Nenê - Aquilo foi uma outra cagada também nossa...

Netinho - Aquilo foi uma outra história, aquilo foi uma propaganda de televisão... pro sabão Rinso.

Depois de toda aquela controvérsia, vocês ainda entraram nessa?
Netinho - Foi logo em seguida, a gente ainda não tinha se tocado.

Nenê - Ainda não tinha rolado a repercussão negativa do "Eu Te Amo, Meu Brasil". Então a agência de publicadade veio com uma grana, que não foi muita, lembra Netinho? Mas estávamos no embalo e não tinha nenhuma repercussão negativa - pelo contrário, a música estava explodida. Resolvemos gravar o hino, mas até estranhamos - porque, até então, nenhum artista brasileiro tinha gravado o Hino Nacional... porque era proibido por lei. Até 1970 ninguém havia gravado, mas depois da gente a Fafá de Belém gravou. E nós fomos os primeiros a gravar o Hino Nacional...

Netinho - ... mas voltou a ser proibido.

Nenê - Então a gente nem sabe se abriram uma exceção por causa da gente, sabe-se lá se a ordem veio de cima. Se foi, nós não estamos sabendo de nada até hoje... Nós entramos de gaiato num navio legal... e, quando a gente fez estes lançamentos, começou a rolar crítica destrutiva e deu essa impressão mesmo. Mas o que nós gostaríamos de deixar claro é que nunca, sob hipótese alguma, a gente tava a favor de ditadura.

Anos depois saiu "O Brasil é Feito Por Nós".
Nenê - O Mingo gravou mais uma, acho que com o Risonho.

O nome dos Incríveis era de quem, afinal?
Nenê - Era da RCA, era da RCA...

Mas vocês já vieram com esse nome da Continental.
Netinho - Sim, mas a gravadora tinha posse do nome... por contrato. Era um absurdo, um absurdo. Quando eu fui registrar o nome, tive que ir lá pra levantar tudo isso.

Hoje o nome é seu?
Netinho - É... porque, quando fui negociar o disco ao vivo com a Warner há alguns anos, nós tivemos que registrar e o Manito não quis. Ele falou: "Não vamos pagar!" Eu falei: "Então sou obrigado a registrar no meu nome, porque senão não sai o disco!"

Nenê - No meu caso, eu não estava interessado. Eu saí pra fazer minha vida e nunca me liguei em absolutamente mais nada de Incríveis, porque eu acho que foi uma parte muito feliz da minha vida... e que foi até 1972, bicho. Depois, acabou... e tá tudo certo.

Mas a Continental lançou uma coletânea dos Incríveis e parece que alguém pulou e eles tiveram que retirar de catálogo.
Nenê - Fui eu... e quer saber por que? Eles foram filhos da puta... porque em só entrei pros Incríveis em 1966 e no ano seguinte nós fomos pra RCA. Os Incríveis fizeram dois LPs pra Continental, mas eu só entrei a partir do segundo. Em 1970, O Milionário estava estourada conosco pela RCA... e aí a Continental relançou o primeiro disco com capa idêntica ao segundo LP, aquele da capa amarela, só que com o título "O Milionário". Nesse disco eu não toco uma música, nenhuma, apenas apareço na capa... então isso foi uso indevido de imagem. Mas tudo bem, eu só vim a descobrir isso em 1990... quando eles relançaram o LP. Eu fui lá e falei lá com o Braz, que era o advogado. "Tá havendo uma sacanagem aqui comigo, me dá uma grana que eu não vou criar problema". Pedi merreca e ele nem me deu atenção, então eu entrei com um processo por uso indevido de imagem. Estou há dez anos com isso aí, empurrando com a barriga mesmo. Então o que é que aconteceu? A Warner relançou este mesmo LP em CD... com a capa amarela. Peguei meu advogado e falei: "Bicho, cai em cima dos caras de novo!" Ele caiu em cima e eles retiraram de catálogo. Se a Warner relançar assim de novo, vai ter que me pagar 10 salários mínimos por dia. Algum idiota da Continental pegou o "Vitrola Mágica", uma compilação, e pôs de novo aquela foto... e eu estou apenas em algumas faixas, enquanto em outras está o Neno. Nós reclamamos e eles retiraram de catálogo.

Mas se os discos originais dos Incríveis fossem relançados com as capas corretas, você não teria do que reclamar.
Nenê - Não. Claro, porra, tudo bem, afinal minha imagem não estaria sendo utilizada indevidamente. Eu até acharia legal que saíssem.

Netinho - Mudando de assunto, o conjunto Os Incríveis foi praticamente único em diversos setores. Foi o único com programa de televisão próprio.

Nenê - Nós tivemos três programas...

Netinho - Então foram quatro, porque primeiro tivemos o "The Clevers Show" e depois na Excelsior, na Tupi e na Record.

Nenê - Foi o único grupo que teve filme em longa metragem.

Netinho - Foi o único grupo a ganhar todos os prêmios existentes no Brasil e o primeiro a gravar no exterior. Gravamos na Argentina e também em Londres...

Nenê - ... no estúdio da Decca, usado pelos Rolling Stones. Gravamos My Mom Put Sugar On Me, versão de Mamãe Passou Açúcar em Mim. Só saiu lá num compacto, com a versão original de Mágoa - sucesso dos Golden Boys aqui - em inglês no lado B.

Netinho - A gente gravou como The Incredibles, acompanhando um cara lá. Ninguém tem isso, nem mesmo a gente guardou. Saiu pela Decca em 1968, a versão que o Mingo fez pra letra ficou bem legal... e o som também, ficou bem pilantragem. Mas não aconteceu nada, porque a gente também não ficou lá...

Nenê - Foi a primeira vez que a gente gravou num estúdio de 8 canais. Nós quase caímos pra trás, quase morremos com o som de lá. Era o melhor som do mundo. Infelizmente não filmamos isso.

Netinho - Eu conheci minha mulher no navio, porque a gente foi pra lá tocando. E ela foi nessa boate com os brasileiros, onde o Paul McCartney a tirou pra dançar.

Vocês ganharam dinheiro com Os Incríveis?
Nenê - Ganhamos...

Netinho - Ganhamos muito... mas a época era outra....

Nenê - ... e comprávamos moto, carrão etc.

Netinho - Nós chegamos a comprar duas casas junto.

O que aconteceu com sua garganta, Netinho?
Netinho - Eu tive câncer nas cordas vocais... em 1995. Eu fui no Jô, pra anunciar um show que a gente estava fazendo no Tom Brasil pros 30 anos da Jovem Guarda. E aí, quando eu fui falar, a voz não saiu. Nada, nem como agora. Não saiu nada. O Jô brincou: "Como é que você vem aqui?" Nisso, uma mulher ligou pra produção cedendo horário no Dr. Paulo Pontes, médico otorrino, pra que eu fosse no lugar dela. Eu nem liguei, porque como é que eu poderia imaginar que eu estaria com câncer ou coisa assim. Eu nem dei bola... e a mulher foi me buscar em casa... com o motorista dela. A mulher morava em Alphaville e me levou no médico. Quando a gente chegou lá, o médico chamou minha mulher num canto e eu de longe vi quando ela começou a chorar de cara. Eu pensei: "Fudeu!" Ele olhou, examinou e falou: "Ele tem câncer positivo e já passou pra laringe. O caso dele é muito grave e a gente não sabe nem se dá pra operar. Temos que ir já pro hospital, pra fazer uma biópsia. Fiz a biópsia, deu positivo, o câncer já tinha passado pra laringe e ele falou pra minha mulher: "A gente não tem certeza se ele vai conseguir falar, nem tampouco se conseguirá respirar... porque vai ser muito difícil". Mas aí o milagre aconteceu... e eu nunca acreditei que eu fosse morrer ou ficar sem falar. Nunca pensei em nada disso, não me desesperei... e aliás o Nenê foi a primeira pessoa a me visitar. Diversos amigos foram me visitar, diversos cantores, e eu fiquei feliz. Eu sorria o tempo todo, sorria pra caramba... porque não podia falar, né? Na boa...

Falar pra você é doloroso?
Netinho - Não, é normal... Eu só faço muita força... e aí só me cansa. Hoje eu faço coisas que me dão muito prazer e muita satisfação, trabalhando para crianças com câncer. Fiz um clip com 40 crianças cantando, aquele CD já rendeu mais de 1 milhão de reais lá pro Centro de Apoio.

Você precisa fazer algum tipo de acompanhamento?
Netinho - Não, nunca mais fiz nada. Não precisou fazer quimioterapia, nem adianta inventar de procurar fonoaudiólogo. Porque eu só falo porque ele colocou uma pele no lugar das cordas. O cara é considerado um deus.

Você estava voltando com o Casa das Máquinas?
Netinho - Eu tava pensando e já estava começando a armar, quando o Miguel me ligou. Foi difícil pra mim... porque, porra, o Casa me dá um tesão danado.

Como surgiu esta banda?
Netinho - Quando Os Incríveis acabaram, eu resolvi fazer uma banda igual aos Incríveis... Só que, na hora de fazer, eu deixei todo mundo à vontade... e nasceu uma outra história. Foram três LPs, dos quais somente o segundo e o terceiro foram relançadas em CD. A Som Livre não tinha tradição... então a gente fazia tudo: vendia disco, levava um talão para anotar pedidos no interior etc. Na gravadora, era só o João Araújo, uma mulher e um cara. Sabe quem fez o primeiro release do Casa das Máquinas? Cazuza... com 16 anos. Ele nem cantava ainda... e eu ainda cantava.