Erasmo Carlos Lança Seu Box
Na tarde de 5 de setembro de 2005, após uma breve passagem de som e antes do show especial de lançamento da caixa de 6 CDs "O Tremendão", Erasmo Carlos realizou uma coletiva com a imprensa no auditório da loja Modern Sound. A seguir, a integral transcrição da entrevista coletiva.
Primeiro saiu aquela caixa da Universal, com seus discos de 1971 a 1988. Agora sai essa caixa, com o início de sua discografia. Este projeto é uma decorrência do anterior?
É, esse negócio de caixa começou no coquetel de lançamento da caixa do Gilberto Gil (1999). Ali eu conheci Marcelo Fróes, e tempos depois fizemos a caixa da Universal. E agora está saindo essa caixa. Meu filho Leonardo é que sempre esteve à frente lutando contra vários empecilhos, coisas comercias de gravadoras, catálogos que passavam de uma gravadora para outra - como é o caso de desta caixa, cujo material era da RGE, foi pra Som Livre e agora está saindo pela Sony BMG. Ele sempre foi um batalhador, de resgatar esse meu trabalho e coisas que os fãs sempre cobram - seja no orkut ou no meu site. Ele sempre batalhou e agora conseguiu com que toda minha obra estivesse em CD.
Mas você participou da escolha das faixas bônus?
Sim, mas eu participei em termos... pois a pesquisa foi do Marcelo Fróes, que ouviu as fitas e sacou as coisas. Às vezes eu lembrava de algo e falava com ele sobre isso, assim assado, num momento tal... mas foi ele que achava e ficava ouvindo sobras de estúdio. Depois das gravações, sempre fica rolando a fita e então há palavrão, brincadeira, piada e daqui a pouco sai um sonzinho. Então tem que ter paciência pra ouvir... e aí ele acabou descobrindo um monte de coisas.
Não ficou faltando mais nada?
Tudo já saiu em CD, com esta caixa toda a minha obra está em CD.
Estou falando dos extras?
Os extras são coisas antigas que nunca tinham saído nem em LP, coisas que saíram no estrangeiro... mas não nesta caixa, não quero confundir essa caixa com a outra. Esta aí é só lado B, mas tem músicas que nem saíram sequer em LP e eram lados B de compactos. Tem uma inclusive que é um cult na minha vida, e que era cobradíssima no meu site e no orkut - e que é "Johnny Furacão", um rock falando de histórias de corredor, em que cito os irmãos Fittipaldi, Camilo Cristóforo - que eram um grande corredor que tinha na época - e o Marivaldo Fernandes, que era um amigo meu que corria também, um corredor promissor que morreu num desastre de avião. Foi lado B de "Sentado à beira do caminho" e não saiu nem em LP, mas está saindo agora em CD.
Qual é o balanço que você faz de sua carreira inicial, agora de posse desta caixa completa?
Olha, esta caixa pra mim é o meu sonho, sabe? Então esta caixa é uma bomba relógio de anseios de liberdade. Ela carrega toda a ansiedade de liberdade que o jovem da época carregava. Porque a Jovem Guarda nada mais foi do que um apelido brasileiro para uma revolução mundial que começava a ser feita, de liberdade e em favor da libertação dos jovens. Tive muito orgulho de ter participado dessa revolução e essa caixa representa pra mim isso - ela representa o meu sonho, pois foi o início de tudo, quando eu comecei a ver concretizada aquela coisa toda de eu cantar rock'n'roll, bicho. Eu tô cantando, meus amigos tão tocando, então foi uma coisa maravilhosa pra mim. E essa caixa é muito importante pra mim hoje em dia, analisando, porque eu vejo que fiz parte da revolução mundial que vinha acontecendo em termos de liberdade. Já que o Brasil era um caso especifico, eu acho que tenho meu lugar também na revolução brasileira. Porque uma guerra não se ganha somente lá na frente, matando com armas; tem um monte de setores que fazem parte de uma guerra. Então a inocência também pode fazer parte de uma guerra, como é o caso dessas músicas, que são músicas inocentes e puras, mas que representavam um desejo de liberdade muito grande, que acho que uma coisa maior do que tudo. É o desejo e a vontade de ser livre, embora não se saiba até hoje o que é realmente ser livre. Mas a gente imagina o que seja a liberdade, então essa caixa representa isso pra mim. Na guerra tem o soldado lá da frente, que mata; tem o cara que bola as estratégias; tem os médicos e enfermeiros, que cuidam dos feridos e dos mortos. Então, bicho, um monte de frentes faz uma guerra... e então eu acho que a Jovem Guarda cabe perfeitamente em algumas dessas frentes, entende, embora sempre - eternamente, até hoje - cobrem uma frente só. Dessa frente realmente não existiu, nós não fizemos parte. A Jovem Guarda fez parte de uma outra frente, onde o ideal era a liberdade. Isso é uma coisa que eu acho.
Você costumava ouvir seus discos antigos ou ficou surpreso de ouví-los após esta remasterização?
Não, bicho, eu não ouço nunca. Depois de gravar, não ouço mais - só se houver necessidade. Eu acho que quase nenhum artista ouve o próprio disco depois que lança, são pouquíssimos os artistas megalomaníacos que, quando você vai na casa dele às quatro horas da tarde, para um churrasco, e ele bota o disco dele pra rodar. Você sai de lá às duas da manhã e ele ainda está ouvindo o disco dele. Mas a maioria dos artistas não são assim não.
O que você achou do som?
Eu não ouvi ainda! (rindo) Se você já ouviu, por favor me conta... porque eu ainda não ouvi, pois só vi a caixa hoje quando cheguei aqui. Vi a caixa, gostei e tudo. Antes do computador, a gente via e pegava nas coisas. Agora com o computador é tudo virtual, você só vê como vai ser a caixa ou como vai ser o convite etc. Agora hoje, depois daqui, vou pra casa e vou dar uma relaxada para aí sim ouvir. Aí é que vou ter essa opinião.
Agora que toda a sua obra está disponível em CD, você tem alguma preferência por algum de seus álbuns?
Tenho algumas preferências, talvez até pela seleção de músicas, porque talvez tenha músicas que eu gostei mais - mesmo sendo de autoria de outras pessoas. Há álbuns que eu considero mais completos. Há muita coisa que fica datada, por conta de instrumentação da época ou por causa da tecnologia disponível. Há coisas gravadas em 2 canais, então você sente aquela coisa. Não sei se melhorou com a remasterização, mas eu acho que não dá pra ficar melhor que o original precário.
Alguns discos são unanimidades entre as pessoas, como é o "Carlos, Erasmo" (1971).
Ele é um disco muito importante pra mim, porque foi um trabalho de transição. Agora, antes do "Carlos, Erasmo", teve esse último disco aí da caixa - o sexto disco - que foi realmente o início da transição. Tem "Sentado à beira do caminho", "Coqueiro verde", "Teletema", "Saudosismo" e um monte de músicas. Já existia em mim uma necessidade de mudança muito grande, que veio ser coroada no "Carlos, Erasmo". Mas o início foi nesse disco de 1970, que já foi pela primeira vez com arranjos de Chiquinho de Moraes. Ele ficou maravilhado, porque vinha de um trabalho com Elis Regina e, pela primeira vez, eu falei: "Chiquinho, deixa a base da instrumentação para especialistas!" Ele não trabalhava assim, ele montava a orquestra e gravava qualquer tipo de música. Então ele não gravava a base roqueira com especialistas, e aí pela primeira vez ele gravou com uma base roqueira e depois orquestrou por cima - adicionando violinos, metais etc. Ele ficou maravilhado com o resultado, pois foi a primeira vez que ele fez esse tipo de coisa... e depois é que ele foi trabalhar com Roberto Carlos, mas aí já com este pensamento - isolando a base dos arranjos. Foi um disco de experiências e fiquei muito feliz por ele existir. Foi meu último disco na RGE.
Na Jovem Guarda vocês privilegiavam muito as versões. Você se lembra como é que começou esta história?
Pois é, rapaz... Era muita versão, era muita versão mesmo... Teve até sua vantagem comercial. Os Beatles, por exemplo. Eles lançavam uma música lá na Inglaterra e demorava muito até chegar aqui. Renato e seus Blues Caps faziam lá uma versão, gravavam e o sucesso passava a ser deles. Até hoje, no Nodeste, você chega lá e "Menina linda" é do Renato e seus Blue Caps. Os Beatles é que regravaram, sabe como é? (risos) Então era engraçado isso! Eu vinha de uma experiência de letras, como "Splish splash" por exemplo, que eu havia feito uma versão pro Roberto Carlos. Ele fez uma música chamada "Suzy" e um dia, a gente conversando, eu vinha fazendo outras versões, eu perguntei: "Por que agente não tenta fazer uma coisa em português? Vamos parar de fazer versões?" Aí começamos a tentar e fizemos "Parei na contramão", que foi nossa primeira música juntos. Foi assim que descobrimos uma fórmula de fazer rock em português, muito embora já existisse antes "Rua Augusta" - que foi a pioneiríssima do Hervê Cordovil, de São Paulo. "Parei na Contramão" deu certo e a gente não parou mais... até hoje.
Como é que era feita a escolha de repertório naquela época? A gravadora mandava muito?
Por incrível que pareça, no início quem mandava era a gente... e hoje em dia quem manda são os produtores. Inverteu-se os valores, sabe? Naquela época não, em termos gerais a gente é que escolhia as músicas. Até versões mesmo, uma ou outra é que era imposta pela editora. Não era nem gravadora. Existia muita troca de músicas, naquela época era muito comum. "Me dá um sucesso italiano que te dou um sucesso brasileiro". Aí você ficava na obrigação de encaixar uma versão com algum artista. De vez em quando sobrava uma versãozinha pra eu gravar, mas isso era muito raro. A maioria das coisas eu que escolhia mesmo.
Roberto Carlos, Wanderléa, Jerry Adriani e Renato e seus Blue Caps, dentre outros, foram todos contratados pela CBS. Como é que você - tão importante para o movimento - ficou solitário na RGE durante a Jovem Guarda?
Porque eu era da Columbia com meu grupo, os Snakes. A gente gravou um LP chamado "Só Twist", com o maestro Astor. Acontece que os Snakes acabaram e eu fui pro Renato e seus Blues Caps, onde fiquei de crooner por um ano. Quando eu saí do Renato, e eu quis fazer um carreira, a Columbia - já CBS - não me quis... porque eles já tinham Roberto Carlos, que cantava naquele estilo. Então eles não me quiseram, realmente. Então aí é que eu tive que procurar uma outra gravadora. Passei por umas seis até chegar na RGE, onde Raul Sampaio e Benil Santos me acolheram.
Seu primeiro disco tem uma música intitulada "Beatlemania", na qual você e Renato falam que vão acabar com a Beatlemania.
Eu tenho essa mania, sabe? Antes dessa, nessa caixa tem uma música chamada "Amor doente" - que é uma daquelas que está saindo pela primeira vez em CD -, na qual estou preocupado com a série de televisão com médicos. Então só dava o "Dr. Kidare", que era um médico, e tinha uma outra que era "Ben Casey". Então, quando chegava a hora do seriado, a cidade parava e a mulherada só queria e só falava nele. Então é claro que eu fiz uma música reclamando que a menina que eu gostava só queria saber dos médicos. Isso foi um ensaiozinho, então daqui a pouco eu comecei a ouvir falar de Beatles. A mulherada só falava em Beatles o tempo todo, então eu tive que fazer uma música falando da Beatlemania. Fiz essa música com o Renato (Barros), e o engraçado é que eu tive a coragem de ir num programa de rádio - que não me lembro agora, mas a rádio ficava na Av. Rio Branco, atrás da Candelária, Eu sei que era o dia dos Beatles e a rádio ficava lotada de gente. Eu tive a coragem de lançar esta música lá, então é muita engraçada porque eu falo mesmo que "vou acabar com a Beatlemania", que "pode vir eles quatro, que eu não tenho medo deles", "armados de pau", "eu brigo mesmo", sabe? Ela tem um humor muito grande, mas eu me lembro que as meninas foram hostis comigo quando eu lancei. Fizeram cara feias e, eu tive que sair de lá tranqüilo porque senão de repente eu apanhava.
Você vai cantar seus sucessos daquela época no show de hoje?
Vou cantar algumas, vou cantar algumas... porque na minha cabeça hoje não é nada de profissional. Não é um show via satélite que vá ser transmitido para três ou quatro países. Não é nada disso, pra mim é só uma brincadeira com amigos. Eu vou cantar algumas coisinhas assim, sem compromisso...
Você sabe que já está lotado?
É, hoje é que fiquei sabendo... quando cheguei aqui. Pra mim, cinco ou seis pessoas já estava bom. Convidei meus quatro amigos - Rick Ferreira, Zé Lourenço, Rui Motta e Jamil Joanes - com essa intenção, de fazer um sonzinho sem compromisso. Eu tinha até bolado um "mini-pocket descompromissado acústico show", mas o título ia ocupar muito espaço no convite e aí não pode.
Você repetirá este show em outros locais?
Não, este show é único. Depois que acabar, morre aqui. Inclusive a banda foi só pra hoje. É uma festa, tô feliz pra caramba e estou feliz que o projeto da Jovem Guarda deste ano esteja dando certo. Viemos agora mesmo do Norte, e antes fizemos Tom Brasil (SP) e várias cidades. Neste último fim de semana, fizemos Teresina e Fortaleza, e tem sido uma maravilha. Em todos os lugares que a gente tem ido, tem sido de 10 mil pessoas pra cima. Estou em estato de graça, estou feliz pra caramba e aí esse show é essa felicidade minha. Está saindo minha caixa querida, meu sonho se tornou realidade. Estou feliz e vou cantar essas músicas pra agradecer da forma que posso o carinho de todos vocês e, ao mesmo tempo, dar um presente pra mim... porque eu também mereço.
Como você se sente com uma música na abertura de uma novela da Globo?
Olha, eu fico me imaginando num edifico, sabe? Hoje eu moro em casa, mas eu morava em edifício. Tem sempre aquele vão nas áreas de serviço dos apartamentos e a novela da sete geralmente é engraçada. Então, quando tinha uma piada o edifício todo ria. Isso me impressionava. Então, toda vez que toca a música, eu lembro desse negócio e imagino os edifícios todos tocando a música, sabe? Em casa você não tem esta noção, porque você não tem vizinho. É legal pra caramba, porque a importância de ter uma música numa novela - para qualquer artista - é uma coisa muito grande. Porque, bicho, o rádio tem os problemas do jabá e essa coisa toda. É muito bom ser uma gravadora independente ou um artista independente, artisticamente falando. Você faz o que você quer e nada te limita, mas em compensação você paga um preço, que é esse preço de não ter uma execução maciça de sua música tocando por aí, tendo assobiada pelas ruas. Essas coisas todas são interessantes para o criador, então ter uma música na novela é uma maravilha - porque é uma forma dela tocar, sem tocar no rádio - que é o caso desta música, porque ela toca na novela mas não toca no rádio. Porque minha gravadora é a Indie Records, que é uma gravadora independente e não tem dinheiro pra pagar jabá pra tocar.
O que você acha da garotada estar descobrindo a Jovem Guarda em shows como esses do Lafayette?
Olha, eu tenho visto por aí, sabe? Em Belo Horizonte, Brasília, lá no norte... São muitas bandas que fazem cover e aí eu fico assustado com essas coisas e com a força da Jovem Guarda, com o carinho que as pessoas têm pela Jovem Guarda. Realmente ela fez parte e faz parte da vida das pessoas. Sem dúvida, porque eu vejo o resultado disso, né? Eu também fico feliz com todas essas regravações que acontecem de vez em quando. Agora mesmo tá saindo o Jota Quest com "Além do horizonte", e os Titãs já estão em estúdio gravando "O portão". Então essas coisas me deixam muito feliz.
Há também a coisa da moda, também. Vocês revolucionaram para todo o sempre. As calças mais baixas, as saias estampadas etc.
Bem, quanto à moda da calça com cintura baixa, realmente voltou com força recentemente. Agora, quanto à calça de boca larga... tomara que não volte... (risos)
Você ganhou muito dinheiro na época da Jovem Guarda? Pergunto isso porque você chegou a possuir um Rolls Royce.
O Rolls Royce enganou muito, bicho! (risos) É porque o rei dos automóveis era a Bentley, mas o Rolls Royce enganava muitas pessoas. Por exemplo, o carro do Roberto era mais caro que o meu, o do Agnaldo Rayol, e o Wilson Simonal. Ele tinha um Camaro, só tinha carrão. Eram muito mais carros, o meu Rolls Royce era um usado, que pertencera ao Ademar de Barros e que diziam que fora do Getúlio (Vargas) antes. E não era tão caro assim, inclusive um ano depois - quando eu já vendi - não consegui muito dinheiro, sabe? Era bem menos, acho que mais da metade menos do que o preço do carro deles. É que enganava muito.
Sobre a música "Estou 10 Anos Atrasado", como é que ela surgiu?
Vou cantá-la hoje. Olha, essa música surgiu porque eu estava começando a ficar hippie... e então comecei a argumentar um monte de coisas. Aí fiz essa música e ela se tornou hino do Tarso de Castro, que era do Pasquim, e de todo o pessoal do Pasquim. Eles viam nisso metáfora para um monte de coisas que estavam acontecendo no Brasil, né? Eu falava de coisas simples - "uso paletó e gravata", "o calor que mata"... e tudo mais. Eu estava com o hippie na cabeça, né? Mas ele via isso em termos gerais do Brasil. Eles eles eram muito políticos, eles só eram políticos, então eles viam muita coisa e enxergavam nas entrelinhas de certas músicas minhas - e de Roberto - coisas políticas brabas. Inclusive, a cada "Quero que vá tudo pro inferno" que a gente fazia, ele achava politicamente muito maior do que vinte outras músicas de protesto que se fazia por aí, sabe? Em termos populares, eles achavam muito mais importante um "Quero que vá tudo pro inferno" do que vinte outras músicas que faziam.
Vocês tinham esta intenção?
Não, não tinha... A gente fazia porque era coisa que a gente pensava... mas não tinha esta intenção, realmente. Seria muito fácil pra mim hoje dizer que tinha, que era calculado e que a gente se reunia de noite e via tudo na calada da noite. Mas não era, era muito espontâneo e sem drogas. Era coisa mesmo de farra, de fazer música e as coisas simples que a gente sentia.
Esta caixa, juntamente com a outra, você diz que te realiza como artista solo. Mas o material dos Snakes não será relançado?
Os Snakes já foram relançados, bicho... mas os Snakes é algo tão bonito, que é hours concours. Saiu em CD e é tão bonito, que é hours concours... porque é a fase que chamo de "La Bamba"... por causa do filme que conta a história do Richie Valens - praticamente antes do sucesso. Então essa coisa dos Snakes é muito bonita pra mim, porque conta essa fase. Eu gravei na Mocambo, mas meu filho e Marcelo é que sabem mais. Ah, esse material saiu numa caixa minha que a Som Livre lançou há um tempo atrás... Na verda,de uma lata que a Som Livre lançou.
Os discos que estão nesta caixa serão vendidos separadamente?
Olha, diz a lenda que primeiro eles lançam na caixa e depois de um certo tempo avulso. Agora, eu não sei... Aí já foge ao meu controle, é a gravadora que sabe. Eu não sei.
Você sabe por que na caixa de Renato e seus Blue Caps não entraram os discos que você gravou com a banda?
Eu acho que é um problema de gravadora, porque quando eu gravei com eles foi na Copacabana. A caixa que saiu deles é da Sony BMG, e inclui um disco em que canto informalmente e não tem meu nome e nem nada. Mas aquele mesmo, em que eu canto "Lobo Mau", por exemplo, foi da Copacabana e foi relançado em CD pela EMI. Eu gosto muito daquele disco, todo mundo que eu é que era o Renato na capa... porque eu estou bem no meio da foto. Pensavam que eu é que era o Renato.
Na época em que o rock chegou, o pessoal da Bossa Nova ficou incomodado. Mas da parte de vocês nunca houve nenhum tipo de preconceito.
Quando o rock chegou, eu nem conhecia eles. Eu era menino, depois é que eu comecei a cantar e tudo. Mas eles não gostavam, realmente. Menescal é que explica muito bem isso, dizendo que eles ficavam preocupados e faziam reuniões para ver "como acabar com isso". De repente, ele via a gente numa reportagem - comendo maçã e com o pé em cima da mesa. "Pô, a gente aqui super preocupado e eles nem aí! Eles estão cuidando da vida deles! Vamos cuidar da nossa também!" Ele conta bem essa história, como eles viam do lado de lá. Existia sim um pouco caso, sabe, um desdém mesmo deles para com a gente. Tanto assim, que o Jorge Ben veio e ficou com a gente... porque nem de Jorge Ben eles gostavam. Eles desdenhavam mesmo.
Quando é que você sentiu uma mudança?
Eu senti mudança com o Tropicalismo, porque diz a história que Bethânia disse pro Caetano: "Você precisa prestar atenção, olha esses meninos, eles têm uma música popular e atinge as pessoas; dê mais importância aos versos e tal". Então ele aí começou a prestar atenção e tudo mais, depois Nara Leão chegou e gravou música nossa. Elis Regina deu o braço a torcer e gravou Roberto & Erasmo, sabe? Foi uma coisa lenta e que foi se transformando, até haver uma aceitação.
Com o distanciamento, hoje a gente consegue reconhecer a importância da revolução comportamental da Jovem Guarda com menos preconceito. Você acha que hoje as pessoas hoje têm menos preconceito?
É perigoso eu dizer "acho que as pessoas ainda tem preconceito", sabe? Acho que algumas pessoas ainda têm preconceito. Hoje mesmo, o cara às vezes fala bem mas na entrelinhas ele dá uma farpada. Aí eu digo: "Porra, esse cara não é de bem com a vida mesmo!" Pode falar mal, mas ele não - ele fala bem, mas dá umas farpadas nas entrelinhas. Eu fico puto da vida com isso, eu preferiria que cara se revelasse logo dizendo "é uma merda", "fulano é ruim" ou "a música é zero", do que enaltecer mas nas entrelinhas sacanear. Tem sim, tem muito preconceito ainda... hoje em dia.
A questão parece ser bairrista, porque a mídia parece não ter interesse por nada que não aconteça na zona sul carioca.
Eu concordo, por mais boa vontade que a mídia tenha. Eu, por exemplo, não reclamo de nada. O espaço que eu tiver, eu agradeço. Eu valorizo muito o que consigo. Eu não vejo as pessoas que têm mais linhas na imprensa não, eu vejo quem não tem. Estou melhor do que quem não tem, então agradeço e valorizo cada linha que fale de mim. Mas tem muito preconceito sim, continua... e a mídia, pelo próprio mundo do glamour e dos modismos, acaba se encaminhando mais para uma beleza estética ou para algum assunto fútil mas charmoso. São coisas assim, comunicadores especialistas em comunicação talvez possam explicar melhor. Eu só explico o geral, com meu português ruim. Mas acho que dá pra entender.
Você falou que não se incomodavam com a rixa, mas nada incomodava?
Nós ficávamos tristes... porque a gente também tinha uma porção de samba, sabe? Eu e Tim Maia, a gente se ligava pra falar que tinha aprendido um acorde de "Desafinado". A gente tem vários sambinhas, mas não tinha acesso... porque o mundo deles era intocável, impisável... e então a gente não tinha acesso. No subúrbio todo mundo dançava rock e cantava nas ruas. Era uma festa. Eu era secretário do Carlos Imperial nessa época... e ele ia a algumas festas do segundo time da Bossa Nova. Como secretário dele, ele me levava e - antes de entrar na festa - ele me dizia: "Não diga que você canta rock!" (risos) "Não toque neste nome rock'n'roll, porque senão eles jogam você lá do 15º andar aqui em baixo!" Eu ficava quieto e jamais tocava no assunto rock'n'roll.